terça-feira, 26 de maio de 2015

Clara Ferreira Alves, imbatível na posse de bola

A jornalista e portanto dito isto não tenho a menor dúvida Clara Ferreira Alves entrevistou em Saint-Germain-des-Prés o escritor Michel Houellebecq — "Não duvido de que sou detestado" | Expresso/E, 23.Mai.2015.
Li. Senti qualquer coisa anormal.
Reli. Contei:
título e lide, 45 palavras;
apresentação do entrevistado aos leitores, 1015 palavras; apresentação excelente, diga-se;
quanto à entrevista propriamente dita, CFA interpela MH por 17 vezes, usando 2140 palavras;
MH dá as 17 respostas em 1885 palavras.
Ou seja, a jornalista gastou 53.15 % das 4025 palavras da conversa; o escritor proferiu apenas 46.85 % dela.

Contas feitas, não espanta que as afirmações que se seguem não pertençam, ao contrário do que seria de esperar, a falas do entrevistado, mas, paradoxalmente, às perguntas que a entrevistadora lhe fez:
- «Muitos grandes escritores temem a perda de faculdades, o momento em que começam a escrever mal.»
- «Bonnard ia corrigir o amarelo nos quadros que já estavam expostos.»
- «A atenção extrema é uma qualidade dos infelizes e dos solitários. Quando se está muito entretido não se vê nada em volta.»
- «Vivemos num mundo mediático, mediatizado, que é um jogo de espelhos de ideias feitas.»
«Os autores são atraídos por grandes ideias, não pela construção de sistemas burocráticos, saber como funciona a educação ou a polícia…»
- «A forma exalta o conteúdo execrável. "Lolita", de Nabokov, é um livro escrito assim. Perigoso. À beira do abismo.»
- «É o que faz o Estado Islâmico, deixa as cabeças das vítimas decapitadas sobre os corpos, graficamente, como prova. A cabeça dos reféns torna-se simbólica. Excepto quando estão em mau estado.»
- «Os escritores, os grandes escritores, são muito amados. E por isso tudo lhes é perdoado. Têm um ego brutal, idolatria, groupies como as estrelas rock. Não se podem queixar.»
«Os grandes escritores são detestados no seu país. Os Nobel, sobretudo. Saramago era detestado em Portugal. Coetze saiu da África do Sul. Martin Amis saiu da Inglaterra. Ser detestado é melhor do que ser unanimemente celebrado. Só os medíocres amáveis são amados por todos.»
- «É fácil ser-se humanista mas não é fácil amar as pessoas.»
- «A beleza é um dom raro. A maioria das pessoas não é bela.»
Ena, doutora Clara!

A menos que estivesse muito distraído, não dei por que Michel Houellebecq tenha perguntado fosse o que fosse à jornalista, discordando, porém, quanto à maioria das pessoas não ser bela.
Ainda assim, e portanto dito isto não tenho a menor dúvida de que o magnífico escritor francês há-de ter aprendido imenso, e nós por arrasto, com a ida a Paris da plumitiva lusitana, «marca/estrela que muito valoriza a constelação jornalística do Grupo Impresa», que é como o seu patrão, Francisco Pinto Balsemão, fala de CFA em "O futuro do jornalismo e o jornalismo do futuro", no Expresso/Revista de 04.Jan.2014. 

Etc.