sexta-feira, 21 de junho de 2013

Proletarização dos professores

«[…]
os professores têm sido submetidos – sem tréguas e desde há muitos anos – ao tratamento mais ignóbil a que uma classe profissional pode estar sujeita. Se quisermos utilizar um termo genérico para designar o que lhes foi infligido (para além das “sevícias” – da parte dos alunos, da parte dos pais – a que ficaram expostos a partir do momento em que lhes foi retirado todo o domínio) temos de falar de uma progressiva, sistemática e programada proletarização. Em que é que ela consiste? Numa total perda de autonomia, até ao ponto em que a actividade do professor deixou de ser uma actividade intelectual. A partir desse momento, a autoridade do professor – que, aliás, para existir é necessário que esteja integrada num sistema que a detenha - ficou completamente arruinada. O sinal mais óbvio dessa proletarização – aquele onde ela é exibida pela máquina governamental com uma clara intenção de humilhação – é o horário de trabalho.
[…]»

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Nossos queridos s'tôres

«[…]
Só uma classe que recusou, como ultraje, a possibilidade de ser avaliada para efeitos de progressão profissional - isto é, uma classe onde os medíocres reivindicaram o direito constitucional de ganharem o mesmo que os competentes - é que se pode permitir a irresponsabilidade e a leviandade de decretar uma greve aos exames nacionais. Nisso, são professores exemplares: transmitem aos alunos o seu próprio exemplo, o exemplo de quem acha que os exames, as avaliações, são um incómodo para a paz de um sistema assente na desresponsabilização, na nivelação de todos por baixo, na ausência de estímulo ao mérito e ao esforço individual.
[…]
Eu sei que isto que agora escrevo vai circular nos blogues dos professores, vai ser adulterado, deturpado, montado conforme dê mais jeito: já o fizeram no passado, inventando coisas que eu nunca disse, e só custa da primeira vez. Paciência, é isto que eu penso: esta greve dos professores aos exames, por muitas razões que possam ter, é inadmissível.»

domingo, 16 de junho de 2013

Alvíssaras

a quem me facultar - pode ser um link – a gravação da conversa entre Carlos Vaz Marques [28.Jan.1964-] e Federico García Lorca [05.Jun.1898-19.Ago.1936], havida no “Pessoal e Transmissível” da TSF.
Ou, quem sabe?, talvez não seja de esperar de um depoimento de CVM recolhido por Katya Delimbeuf [14.Jul.1978-] - “O concretizador de sonhos | Expresso/Revista, 15.Jun.2013 - tanta fidedignidade como a de um depoimento que CVM recolhesse de KD.
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PS1
Estou capaz de apostar em como o Garcia Llorca (sic) de que se fala na peça está na vez de Vargas Llosa, nascido por acaso no ano em que Lorca morreu, que, o Mario sim, CVM entrevistou na TSF em Novembro de 2003.
PS2
«Fiz Línguas e Literaturas Modernas, mas não conluí.», confessa CVM que, ainda assim, atingiu no jornalismo e na sua especialidade um grau de excelência dificilmente superável. Não consigo imaginar quão mais longe chegaria ele se concluísse Línguas e Literaturas Modernas sem as ter feito…

o morto por tu

num epicédio de sentimentolindo!esplendordetextoquebonito!beijogrande como só ela sabe mas que recoloca o menino da lágrima a uma breve sístole da arte grande com a ténue diferença de que ela escreve para a urbanidade culta da igreja de manuel reis  e o menino da lágrima é mais t3 na bobadela de ana cássia rebelo, a fernanda câncio, cuja escrita em minúsculas sempre me soou a maneirismo pífio, veio em público e para a tribo blogadora enlutada falar com o morto na segunda pessoa do singular -  não, joão. tu eras mesmo espantoso … [tudo indica que tenha mesmo deixado de ser.]
nada de novo: o costume de tratar o morto por tu é antigo, afigurando-se eterno e insanável o desconchavo, até dos sages, perante a morte que, sendo talvez o único assunto que verdadeiramente importa à existência, acho combinarem melhor com ela o silêncio – ganho consolo, enfim, num ou noutro requiem de mozartes – e o recatado recolhimento. a merda é que a vaidade nos torna tagarelas e até um animal alegadamente lúcido como o maradona não resistiu a um abraço sabe-se lá a quem. ora o problema é justamente quem: quem é tu cujo corpo foi a cremar no alto de são joão pelas 14 horas de hoje?
entendo e sinto bem, ante a recorrente e educada perplexidade do revisor da rodoviária a conferir-me na foto do passe, que eu é um outro; agora, tu, quem é tu?
se calhar, a atenção que te – perdão! -  lhe dei irremediavelmente tarde, sei lá, foda-se.

Fervor em manobras

Pedro Delgado Alves, Expresso, 08.Jun.2013:
«[…] É hoje cada vez mais claro que o consenso científico se constrói em torno de uma ideia-chave, a de que o desenvolvimento das crianças educadas numa família homoparental não é diferente daquele que ocorre no quadro de um casal de sexo diferente. […]»

Isabel Moreira, Público/P3, 14.Jun.2013:
«[…] Se a realidade não chega, o consenso científico deve marcar o normativo, como tem feito quanto a outros institutos jurídicos: há mais de duas décadas que se vem demonstrando que as crianças que se desenvolvem no seio de uma realidade homoparental (por exemplo, uma mãe biológica e a sua companheira) não apresentam diferenças de relevo quanto a quaisquer crianças. […]»

O que é, cientificamente, consenso científico? É ou parece cada vez mais claro?  E a alternativa, de semântica macia, família homoparental / casal de sexo diferente, que tal?
não é diferente / não apresentam diferenças de relevo - o sério Pedro mais inflamado do que a séria Isabel, quem diria?
Entretanto, o prós-Isabel Moreira e contras-Marinho e Pinto prosseguiu no Pestana Palace, aguardando-se a todo o momento uma proferição pessoal da sereníssima doutora Manuela Eanes. Sempre, claro, no SupInDaCri.
Ai, Manuela. E viva a liberdade!

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Ambiguidade no lead de um barco que se afundou

«Harrison sobreviveu 60 horas no fundo do Atlântico

Cozinheiro de um barco que afundou manteve-se a respirar numa casa de banho. Foi salvo por mergulhadores ao fim de 60 horas.»

Os outros 11 foram com o barco. Ninguém os salvou, nenhum milagre lhes valeu. Se foi como o Público diz, não queria estar na pele de Harrison Okene.
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* Em tempo
Pelas 18:00 de 14.Jun.2013 os sacanolas do Público vieram muito sub-repticiamente, sem mexer na hora nem dizer que emendaram, pôr o barco a afundar-se, assim me dando cabo da gracinha. Mas ainda bem: safaram o cozinheiro.
Durante cerca de 10 horas, o lead esteve assim. 

Herberto Helder

«Mal tinha saído, já Servidões (numa edição de cinco mil exemplares e com reedição interdita pelo autor, informou a editora) estava esgotado na maior parte das livrarias. Estranho fenómeno este, de precipitação e multiplicação de leitores e compradores de um livro de poesia - o único medium de massa em que o número de produtores ultrapassa o dos consumidores, como escreveu uma vez o poeta e ensaísta Hans Magnus Enzensberger.
[…]
o enigma da poesia de Herberto Helder reside aqui: sem deixar de ser profundamente do nosso tempo, ela parece recuperar uma voz antiga e fazer com que o leitor sinta que a eternidade assedia o presente de todos os lados e há qualquer coisa que ela reactiva com uma força poderosa, diabólica: algo que não é da ordem do aqui e agora, que tem a dimensão das anacronias, mas que o curso da História, como quer que ele seja entendido, não consegue suprimir.
[…]»
- António Guerreiro, “Herberto Helder, poeta da aura” | Público/Ípsilon, 14.Jun.2013
- x -
«[…]
os poemas de Servidões tanto traduzem a intenção do hino sob a forma da elegia, como têm uma intenção elegíaca sob a forma de hino. Tanto é palavra que canta ("ofício cantante") como palavra que recorda.
[…]
Os parâmetros da beleza, nesta poesia, não têm nada a ver com a aparência da totalidade, com uma poética representativa e apolínea. A beleza herbertiana é trágica, é sempre uma composição a partir do caos e não traz consigo nenhuma salvação. Apresenta-se sob a forma demoníaca da imaginação alegórica: anti-representativa, anti-humanista, anti-mimética. Esta poesia interrompe o curso do mundo. É uma catástrofe.»
- António Guerreiro, “Poesia e terror” | Público/Ípsilon, 14.Jun.2013

A propósito de Servidões*, o Público de hoje dedica oito sumarentas páginas do Ípsilon [António Guerreiro, Luís Miguel Queirós, Rosa Maria Martelo; secundariamente, Manuel Gusmão, Diogo Vaz Pinto, Manuel de Freitas] a Herberto Helder, que comprei e franqueio com prazer.
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* Consegui um exemplar emprestado. É tanta e tão rara a preciosidade que pondero perder um amigo e pisgar-me para o Brasil.
De resto, não sugeriu o capataz PINículo que emigrássemos?

terça-feira, 11 de junho de 2013

De que morreu Graça

Não sei de mais prolongada doença do que a vida.
Ciente de que o cancro não tem graça nenhuma, acho bem que se delimite o nome a certos filhos da puta. Mesmo que nos reste a raiva e o choro. 

sábado, 8 de junho de 2013

Direita / Esquerda

«[...]
Veja-se como a argumentação "naturalista" entra em acção [brandida pela ideologia de direita] nos debates sobre adopção, casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc. A cultura da Esquerda, pelo contrário, implicou sempre uma viragem linguística, um linguistic turn, na medida em que os seus conceitos e ideias eram consubstanciais às palavras, eram inventados nelas, nelas ganhavam corpo e factualidade, e não tinham outro instrumento para se tornarem efectivas e performativas. Isto não significa que a esquerda não engendre a máquina linguística que cria uma cultura caracterizada pelo vazio. Esse é, aliás, o seu pecado mortal, aquilo que faz com que fique imobilizada nas suas mitologias e acabe por funcionar em acordo metodológico - talvez pudéssemos dizer "epistémico" - com a direita.
[...]»

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Rogério Casanova

na LER de Junho de 2013:

1.  Pastoral Portuguesa
- O espião arrefecido, sobre John Le Carré e espionagem avulsa, mal dando para crer que o disertíssimo Casanova escreva «recambolesco».
- ‘Consultório literário’ – Deus sabe que tentei
[… «Chuck Palahniuk garante, no primeiro capítulo de Fight Club, que é possível fabricar napalm dissolvendo areia absorvente para gatos em gasolina até obter uma mistura homogénea. Não é. E Deus sabe quantas vezes tentei.»]

2.  “Geoff Dyer Elevada probabilidade de fracasso”, conversa alucinogénia em que na página nofe diz o génio Rogério para o génio Geoff: «E repare como estou basicamente a falar sozinho, você nem precisa de estar aqui. Isto está a fazer algum sentido?»

Acordo Ortográfico [83]

«[…] E, como sempre acontece entre nós, passou-se da aceitação amorfa e bovina para a guerrilha e para a indignação total que deveriam ter ocorrido durante os 20 anos anteriores ou, pelo menos, na altura em que o Governo da época resolve escolher uma data (Janeiro de 2012) para que o AOLP entrasse em vigor.
Os factos são estes, a que poderíamos acrescentar que o AOLP está cheio de normas ridículas que deveriam ser corrigidas ou simplesmente rasuradas (e são coisas bastante simples, quer em matéria de acentuação, quer na queda de consoantes mudas) […]»

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Acordo Ortográfico [82]

«[…] nesta matéria, o sonho imperial e saloio do cavaquismo linguístico deu as mãos ao deslumbramento modernaço e igualmente saloio do socratismo. Prova que les beaux esprits se rencontrent, mesmo em francês.»

Enquanto isso, Henrique Monteiro*, Le Petit Larousse  do Expresso, paladino do novortografês, escreve com graça de accordo com a antiga ortographia. Hermes Trismegisto lhe valha.
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sábado, 1 de junho de 2013

Civilização, bom-senso e outras coisas sob o SupInDaCri

Sensivelmente a meio da 2.ª parte do Prós e Contras de segunda-feira passada, 27 de Maio, Pedro Madeira Rodrigues, que tem com a mulher três filhos naturais e um adoptado [Diogo, hoje com 6 anos], contou, na presença de Isabel Moreira [IM]:
«Temos o Diogo em nossa casa há seis anos… Nesta questão de que estamos aqui a falar hoje…, as crianças são muito simples e percebem tudo muito bem. Falei com este meu filho e disse Diogo, hoje vou à televisão e vou falar sobre o tema da adopção. Ele já sabe que é adoptado, ele já sabe isso, falámos com ele, com 5 anos… E dissemos-lhe Vamos falar sobre o tema porque a partir de agora … foi votada uma lei… em que pode haver dois pais ou duas mães…
- Dois pais?! Como, pai?
- Dois homens, com um pai; ou duas mulheres, com uma mãe.
- Ó pai, mas isso é uma estupidez! Não faz qualquer sentido.»

IM esteve anteontem no Inferno do Canal Q -
a partir do minuto 21:00 – à conversa com o competente e divertido anfitrião Guilherme Fonseca [GF], com quem simpatizo, porta-voz de facção tão exuberantemente entusiasmado que quase fez passar a sua convidada por criatura contida:
[…]
GF- Depois, também há o outro lado, que são os Dioguinhos que consideram uma es-tu-pi-dez! essa coisa de haver homossexuais a co-adoptar.
IM- De facto, para quem não viu, houve um interveniente no Prós e Contras que adoptou uma criança, que se chama Diogo, e ele disse «Ó Diogo, o pai vai ao Prós e Contras discutir isto», e ele disse «Que estupidez!».   
[…]
De facto, eu vi e ouvi e acho que IM narrou a reacção do Diogo de modo quiçá simplisticamente elíptico e um bocadinho deformante do contexto.

IM- Eu devo dizer que descambei e desatei a chorar...
Já eu devo dizer que conheço poucos tiques de conversa tão indicadores de personalidade autoritária como devo dizer. Sempre que me devem dizer dou um passo atrás de respeitoso temor.
 
Aludindo ao célebre episódio de 24.Fev.2012 no parlamento, em que a guerreira e inteligentíssima IM prevenira, antes de iniciar a sua declaração de voto, que estava «um pouco drogada», o simpático anfitrião lembra-se de que IM disse que estava sobre o efeito de drogas. GF não é a única pessoa culta do mundo a pronunciar-se sob o efeito da ignorância. De resto, não faltam estudos sobre o efeito dela.
 
Espanta tanta certeza; estonteia-me tanto regozijo gárrulo ungido de superioridade cívica, ética, científica, mas sempre – ai de quem duvide! – no exclusivo Superior Interesse Da Criança, havendo até quem, no SupInDaCri, seja tornado sócio do Sporting à nascença.
Por exemplo e ao acaso, o Nuno Azinheira reputou, na Notícias TV de 24.Mai.2013, a aprovação da co-adopção por casais homossexuais de nada menos do que «
um inevitável avanço civilizacional que mais não é do que o reconhecimento jurídico do bom-senso.» Ah, leão! Como se a bomba atómica não representasse, igualmente, um avanço civilizacional sobre a fisga. Mas OK, esse se calhar era evitável.      
Enquanto o resto da humanidade sofre e o islão medra, Portugal encaminha-se, em alta velocidade civilizacional, para ter a fufaria e a paneleiragem mais felizes do universo. Parabéns, Portugal. E digo-o sem nesga de assombro, eu que amo duas amantíssimas filhas, ambas sexuais, sou filho de casal sexual, adoptado por sexuais vários e aqui me declaro, por via de confusões ou mal-entendidos, homem sexual.
- Homofobia empedernida, senhor Plúvio?
- Jamais. Perplexidade tacteante, talvez.
Entretanto, queremos incesto, queremos poligamia, legalize-se a bestialidade, e o mais que a imaginação consinta ou o desejo reclame! E se de permeio puder ir tudo a referendo, tanto mais decente – como gostam os sábios sem dúvidas de proclamar – ficará o país, já que quem mais ordena há-de sempre ser o povo, não falando do papa Francisco e dos preços em 9, dentro de ti oh sim, dá-lhe!...
PS
Apreciei a relativa ainda que muito cuidadosa "coragem" com que Júlio Machado Vaz, assumido e declarado defensor do casamento homossexual, da co-adopção em casais homossexuais e da adopção plena por casais homossexuais, discorreu nos últimos 25 minutos de "O amor é..." de há oito dias, com Inês Meneses, apaniguada inoxidável da causa, pouco entusiasmada do outro lado, sobre um estudo de 2012, da universidade de  Austin, Texas, tão honesto e sério como os outros,  que, adivinho, nem Paulo Côrte-Real nem Isabel Moreira nem Fernanda Câncio algum dia se empenharão em publicitar. «Cuidado com a euforia ... São necessários mais estudos ...», etc.
Se quiser escutar JMV, faça favor.