«Por que raio os homens de todas as idades, mas sobretudo os mais jovens e até os infantes, deram em andar na praia de calções largos até ao joelho, as mais das vezes com padrões e cores hipergritantes e saloios, fazendo dos areais uma parada de pintos calçudos incompreensivelmente orgulhosos da sua figura?»
Pena que - até a Câncio, habitualmente cuidadosa nestas coisas - tenha cedido ao despautério pestífero da narrativa* - um horror criado pelo meio social e pela narrativa circundante
* Repristinando...
[14.Mai.2011, sábado]
Henrique Raposo no Expresso: «Entre 1976 e 2011, o regime viveu agarrado à narrativa dos direitos adquiridos. Essa narrativa morreu na semana passada.»
O Luís Delgado, entre as 21:40 e as 21:45 de hoje, na SIC N, salivou narrativa por 9 vezes para comentar o debate Louçã/Passos Coelho.
Começa a ficar difícil ter respeito pelo que esta gente escreve ou diz.
[15.Mai.2011, domingo]
«Quase tão daninho quanto o estado das contas públicas é o uso, e brutal abuso, da "narrativa". De repente, no debate político nacional tudo é "narrativa". Candidatos, comentadores, repórteres e, se os deixarem, operadores de câmara, não tiram a "narrativa da boca". Ele é o partido X que carece de uma "narrativa". Ele é o partido Y que recuperou a "narrativa". Ele é a "narrativa" de Fulano que possui contradições. Ele é a "narrativa" de Sicrano que é convincente. Ele é a "narrativa" que Coisinho faz de Beltrano. Ele sou eu que já não aguento a palavra e, a fim de lhe narrar uma ou duas coisas, gostaria de descobrir o sujeito que assim a popularizou.
Infelizmente, não só é difícil descobrir o primeiro responsável pela utilização destrambelhada da "narrativa" como, no meio de tamanha liberdade lexical, é impossível apurar a respectiva acepção. Significa estratégia? Discurso? Crítica? História? Falsidade? Do "Lorosae" dos timorenses à "Muqata" de Arafat, é conhecida a aptidão dos portugueses para, à imagem das crianças no infantário, repetirem até à exaustão a expressão "gira" que ouviram no dia anterior. Mas pelo menos sabia-se que "Lorosae" era o sol nascente e a "Muqata" um mamarracho de betão. Da "narrativa" sabe-se pouco, excepto o facto de que não se perceber o que alguém diz é um forte indício de que alguém não diz nada que mereça ser percebido.
Infelizmente, não só é difícil descobrir o primeiro responsável pela utilização destrambelhada da "narrativa" como, no meio de tamanha liberdade lexical, é impossível apurar a respectiva acepção. Significa estratégia? Discurso? Crítica? História? Falsidade? Do "Lorosae" dos timorenses à "Muqata" de Arafat, é conhecida a aptidão dos portugueses para, à imagem das crianças no infantário, repetirem até à exaustão a expressão "gira" que ouviram no dia anterior. Mas pelo menos sabia-se que "Lorosae" era o sol nascente e a "Muqata" um mamarracho de betão. Da "narrativa" sabe-se pouco, excepto o facto de que não se perceber o que alguém diz é um forte indício de que alguém não diz nada que mereça ser percebido.
Se adicionarmos a isto a recente tendência para começar as frases com verbos no infinitivo impessoal, confirma-se que o brilhantismo linguístico dos políticos e adjacências reflecte perigosamente o brilhantismo dos políticos e adjacências no resto. Acrescentar que a "narrativa", seja lá o que isso for, é um mero exemplo.»
[19.Mai.2011, quinta-feira]
Pacheco Pereira, ele próprio vigilante destas modas.
[21.Mai.2011, sábado]
Mário Crespo, Expresso:
«É assim que no País das Maravilhas “quem manda” domina as narrativas inventadas para justificar o passado, alterar o presente e disfarçar o futuro.»
Podia lá o patareco do Crespo escapar à pandémica narrativa? Claro que não podia. Honra lhe seja que não gosta do Aníbal Cavaco Silva, mas isso nem às anémonas está vedado um que outro epifenómeno de bom não-gosto.
[25.Mai.2011, quarta-feira]
«A narrativa, usada e abusada, que ensinava que a crise era resultado do chumbo do PEC IV já não convence ninguém e foi desamparada nos discursos socialistas.»
Concordo: “narrativa, usada e abusada".
[26.Mai.2011, quinta-feira]
A previsibilidade entedia-me. Daí, não ter de estranhar o enfado com que os meus leitores antevêem a razão do link para este pedacinho do Público de hoje.
Nem mais, doutora Teresa de Sousa, constante; uma imarcescível, como diria o outro, constante da vida.
O colunismo português está a ficar inenarrável.
Eram exactamente cerca da 22:13 de hoje quando, confabulando sobre o governo que aí vem, o doutor Filipe Santos Costa, jornalista do Expresso, asseverou com ar sério para a lhaníssima doutora Ana Lourenço, na SIC Notícias: Porque há uma narrativa ... há essa narrativa.
Era o sinal. Atirei-me ao pequeno, obsoleto e tresloucado televisor da cozinha, desliguei-o, desumbiliquei-o das tomadas e de um fôlego transportei-o para a rua juntamente com o saco do lixo orgânico.
Chega de narrativa, foda-se!
[12.Jul.2011, terça-feira]
Nem a destravada nada parva da Ana Gomes escapa à contaminação.
Em telefonema dos E.U.A., assegurava ela esta manhã à Antena 1 e aos portugueses, num depoimento do maior interesse ajudando-nos a entender melhor como os américas estão a ver coisa [isto é mesmo «luta de classes», meus amigos]:
Enquanto nós não percebermos que precisamos de facto de ter uma narrativa no plano europeu … [minuto 08:05]
Agora, que sabemos finalmente do que de facto precisamos, não sobra desculpa: toca a narrar a todo o vapor nem que para isso, se ao Gonçalo M. Tavares acabar a bateria, o Alexandre Herculano - "Lendas e narrativas" - tenha de ser despertado daquela soneira que nunca mais se lhe acaba lá nos Jerónimos.
Agora, que sabemos finalmente do que de facto precisamos, não sobra desculpa: toca a narrar a todo o vapor nem que para isso, se ao Gonçalo M. Tavares acabar a bateria, o Alexandre Herculano - "Lendas e narrativas" - tenha de ser despertado daquela soneira que nunca mais se lhe acaba lá nos Jerónimos.