terça-feira, 25 de abril de 2017

Rui Tavares e Daniel Oliveira, radicais livres

Daniel Oliveira [DO], leninista intermitente de geometria variável- [...] a maior evidência é que o candidato que pode ganhar — que é o anti-sistema — trabalhou na finança, é um membro destacado da nobreza de Estado francesa, foi ministro, é o regime!, a personificação do regime. Estou a falar de Emmanuel Macron.* 
Pedro Marques Lopes– E no entanto tu votarias nele numa segunda volta…
DO- Não, não! Nem na primeira nem na segunda volta. Nunca votaria em Emmanuel Macron.
PML- Então votarias em (Marine) Le Pen.
DO- Não votaria. Ninguém me pode obrigar a votar numa pessoa com quem discordo em 98% […] só concordo com ele nas liberdades cívicas, não concordo em mais nada. […]
Luís Pedro Nunes- Permitirias que a Marine Le Pen…
DO- Eu acho que o tempo do voto útil acabou. Eu nunca permitirei que me obriguem a escolher entre a xenofobia e a selvajaria liberal. Não escolho entre as duas, não escolherei entre as duas. Não aceito mais que me ponham nessa posição. O Macron apresenta-se como uma startup, é uma startup, tem um discurso insuportável. É também um pisca-pisca, ele vai escolhendo conforme, é a coisa menos genuína que pode existir do ponto de vista de acreditar em alguma coisa.
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«[…] Podemos criticar, lamentar ou até deplorá-lo, mas a grande oposição política do nosso tempo é entre nacionalismo e cosmopolitismo. Negá-lo é que não passa de tolice. […] Nestas duas semanas que faltam até à decisão definitiva dos franceses, antecipo muita tergiversação, muita confusão ideológica e muito preconceito. Mas nunca como hoje é importante saber de que lado se está — e, sobretudo, como se está. Essa é uma decisão crucial, nomeadamente à esquerda. A esquerda que acredita poder roubar os votos nacionalistas à direita através de uma recusa do projecto europeu acaba por reforçar o argumentário que leva uma Marine Le Pen até perto do poder.
Ao não fazê-lo, a esquerda deixa a defesa da Europa a Emmanuel Macron, sobre quem espero ouvir todas as críticas nos próximos tempos: que é centrista, que é liberal, que já foi banqueiro, etc. Tudo isso é verdade. Ao mesmo tempo — expressão favorita de Macron, que já foi criticado por querer tudo “ao mesmo tempo” e já pôs milhares a gritar “ao mesmo tempo” nos seus comícios — ele é o candidato que mais assumiu a defesa do projecto europeu, supostamente impopular hoje em dia. Foi ele que mais claramente disse aos franceses: se quiserem recuperar a soberania francesa em tempo de globalização, só o poderão fazer através da construção de uma soberania europeia. Esse discurso, que pretende — ao mesmo tempo — conciliar a transformação de uma França presa nas suas hierarquias e nas suas exclusões sociais, que quinze anos depois repete a presença da extrema-direita na segunda volta, com a reconstrução de um projecto europeu que mal vai sobrevivendo sem ideias, é um discurso essencial nos dias de hoje. Macron correu o risco de o fazer, e será provavelmente recompensado por ele.
É desaconselhável, portanto, descontar Macron como se fosse apenas um peso-ligeiro. Mesmo a partir de Portugal, as suas propostas europeias — um orçamento para a zona euro, um imposto sobre as multinacionais ao nível da UE e o lançamento de convenções democráticas em todo o continente — podem estar aquém do que necessitamos, mas estão muito além do que tem sido proposto a partir de algum dos maiores países da UE. Menos desprezo intelectual e ideológico, portanto, por quem apesar de tudo propõe um discurso positivo que conta também connosco.»
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«[...] Dizer que quem à esquerda defende que a soberania democrática só se tem conseguido exercer no espaço do Estado-Nação (uma constatação de facto) tem em Trump e Le Pen o resultado dos seus pontos de vista é substituir ideias por insultos políticos. Infelizmente, Rui Tavares tem-no feito tantas vezes, nos últimos meses, que já não pode ser um excesso de linguagem. Acha que muitas pessoas de esquerda, onde eu estou incluído, são, na prática, aliados dos neofascistas (ou, como disse noutro texto, “mentes intelectualmente superficiais”). E estende este ataque a todos os que tratem o euro como um problema sem cura ou considerem que a União Europeia está politicamente falida, cavando trincheiras de irracionalidade que impedem qualquer debate sereno. Para quem se propunha unir a esquerda é um estranho exercício. [...] Por mim, preferia que o debate à esquerda fosse construído com base na boa-fé, como vi Rui Tavares defender muitas vezes. Percebendo todas as reais diferenças políticas entre os vários pontos de vista: nada une os que se batem pela soberania democrática no espaço do Estado-Nação aos movimentos xenófobos, assim como nada une um europeísta de esquerda aos neoliberais globalistas. Porque se obrigarmos as pessoas a escolher entre a globalização dos financeiros e a Nação dos fascistas estamos a atirar milhões de democratas e progressistas para os braços da extrema-direita. [...]»

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* Faltou a Daniel Oliveira falar no filósofo e no pianista. Mas isso estragar-lhe-ia o retrato mefistofélico de Macron.

domingo, 16 de abril de 2017

Domingo de paz coaxante*

A religião cristã matou muitíssimo, durante muito tempo; deixou de matar tanto; hoje em dia, mata pouco, quase nada. Não era terror, era fé. Entretanto, amansou, adoçou, civilizou-se.
Várias outras religiões ainda matam muito, matam menos, deixaram de matar.
Algumas religiões não matam nada, só entretêm.
A fé muçulmana — sou um ourives do rigor terminológico — é que, desde o primeiro instante, desde a Hégira, vá, nunca parou de dar porrada e matar desalmadamente, mais bem dito, com toda a alma. De há 40 anos para cá deram em chamar-lhe terrorismo islâmico**, extremismo, radicalismo, fanatismo e não sei o quê.

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* Ia para dar à presente mensagem o título "Domingo de pás coalescentes" quando premi sem querer a "Síndrome de Estocolmo" da guerreira ateia Câncio. Tudo mudou de figura. Afinal, o Baygon também mata que farta. 

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Em família, no reino dos justos

Manuel Dias Loureiro comove pedregulhos:
«[...]
Hoje se puder ainda vou dar festinhas e beijinhos aos meus netos. Amanhã se puder farei o mesmo. Hoje ainda terei oportunidade de dar atenção e carinho à minha mãe, à minha mulher, às minhas filhas, aos meus irmãos e a alguns amigos. Amanhã farei o mesmo.
[...]»

Daniel Proença de Carvalho, advogado pessoal do doutor Dias Loureiro, é presidente do conselho de administração do "Global Media Group", dono do Diário de Notícias; Paulo Tavares, director-adjunto do Diário de Notícias.
Manuel Dias Loureiro, apaniguado de José Sócrates, é afinal um santo; os companheiros de Dias Loureiro, uma confraria de bondade.

Mundo malvado e sádico! O diabo tomou conta dos tribunais. Quem nos livra da Justiça?
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Dr. Mário Soares, 07.Dez.1924 - 07.Jan.2017

Missas do 90.º dia.
P.N. A.M.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

25 de ? - A data mais resvaladiça da galáxia

Sabe-se que em 30 de Março de 2017, quinta-feira, foi inaugurada em Lisboa uma exposição sobre tatuagens com o título belo e certeiro — tão belo e certeiro que não é português nem original — de "O mais profundo é a pele". *
Alvíssaras a quem souber até quando vai a exposição:
- segundo os insuspeitos promotores, MUDE [Museu do Design e da Moda] e Faculdade de Ciências, vai até 25 de Junho;
- os respeitáveis jornais de referência Público e Diário de Notícias, a exemplo da institucional Agenda Cultural de Lisboa, informam que vai até 25 de Julho;
- o electrónico e pujante Observador diz que vai até 25 de Outubro;
- a TSF, que vai ao fim da rua e vai ao fim do mundo, foge de informar até que data a exposição vai, ficando-se pela cautela de «durante os próximos 3 meses».
Vai assim Portugal.
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* «Ce qu’il y a de plus profond en l’homme, c’est la peau.» – Paul Valéry, em "L'idée fixe", 1932.
«O que há de mais profundo no homem é a pele.»
E é capaz de ser. Por exemplo, a inflamada constitucionalista Isabel Moreira, que não brinca com datas, parece alinhar pelo filósofo, escritor e poeta francês, subscrevendo avant la lettre o mote da exposição em apreço: sexta-feira, 8 de Janeiro de 2010, aprovação na Assembleia da República do casamento homossexual.

Li jornais, vasculhei a net, assisti a estes 18 minutos. Nem uma referência ou alusão à escolha do nome desta didáctica e apelativa [pele activa?] exposição que me apetece visitar. Quem se espantaria se surgisse por aí um qualquer lusitano tonyencarreirado a declarar-se criador do título?
Pelas minhas contas, perdão, cálculos, haveria de receber no telejornal seguinte os parabéns, se não promessa de comenda, do presidente-arlequim.

Ler, escrever e ... contabilizar

Luciano Alvarez de ábaco e calculadora científica em punho:
«Autoridades actualizaram contabilização das vítimas da explosão em Lamego subindo o número de mortos para seis.»

Contar, contagem? Arcaicos desusos.
Acabo de contabilizar dois gatos e uma gaiola na varanda da vizinha.

sábado, 1 de abril de 2017

O conjugador da Porto Editora enganou Ferreira Fernandes?

«[…]
Vejam dois verbos sinónimos: retorquir e retrucar. Este não é defectivo e tem a conjugação completa, por exemplo diz-se "ele retruca." o defectivo retorquir impede o "ele retorque". Pois eu retorquirei até que a voz me doa que o proibido "ele retorque" soa muito mais decente do que o "ele retruca", tão evocador de truca-truca.
[…]»

Na verdade, ele retorque não só «soa muito mais decente» como soa correcto. Quero crer em que Ferreira Fernandes se tenha fiado neste conjugador que bane tu retorques, ele retorque, eles retorquem, e não deixo de estranhar que um veteraníssimo e arguto jornalista como FF se tenha ficado por uma singela orientação sem a retorquir. Num exercício mínimo do contraditório, imperativo na sua profissão, ter-lhe-ia bastado, por exemplo, confirmar aqui ou mesmo aqui.

Pudicícia rasca no caralho das caravelas

«[…]
No tempo dos Descobrimentos, o “caralho” era a cesta que se encontrava no alto dos mastros das caravelas. Era o lugar do alto de onde os vigias espiavam, pacientemente, o horizonte na procura de sinais de terra. Mas o “caralho” era também um lugar de altíssima justiça, para onde eram remetidos os que tivessem cometido alguma infracção a bordo.
[…]»

O flamejante doutor Carlos Coelho é apenas mais um da legião de lorpas que embarcaram na lenda urbana da explicação náutica do caralho. Com currículo deste gabarito assenta-lhe mal a crendice. Um colunista que participa na disseminação pública de patranhas não pode merecer grande respeito do leitor. Neste caso, trata-se de patranha que escorre há mais de um decénio na internet recorrentemente caucionada por uma fantasmagórica "Academia Portuguesa de Letras" [?!].  
Por fim, e isso não me encanita menos, se o doutor Carlos Coelho tem por historicamente certo que o caralho era uma cesta ou mesmo um mastro, por que caralho de pudor entalou o caralho nas aspas? Se caralho era cesta e o mastro caralho era, por que mistério despudorado não pôs Carlos Coelho aspas nas caravelas ou mesmo no horizonte?