quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Sublimidade a quatro mãos

Aqui me abrigo do mal.
Obrigado, Elodie; obrigado, Yamandu.
Oxalá Lisboa vos mereça.
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Verdade que também me abrigo nos vinhedos, no riso e no silêncio.
Como se rezasse.

Virulência



John McAfee. «Iconoclasta. Amante de mulher, aventura e mistério», diz-se.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Uma velha e consagrada jornalista e a ecologia em Portugal

«Os primeiros ecologistas foram todos conotados com o Partido Comunista. E portanto eram comunistas infiltrados e não tinham nenhuma preocupação ecológica, tinham uma preocupação política de reduzir os países onde eles estavam instalados ao sistema comunista. Lembro-me perfeitamente disto. Portanto, as pessoas tinham vergonha de dizer que se preocupavam com o meio ambiente. As primeiras associações de ecologistas eram praticamente clandestinas. E eu que fui das primeiras pessoas com consciência ecológicatenho absoluta certeza disso; estamos a falar dos anos 80 — e era uma vergonha, não se podia dizer em parte nenhuma porque era: é um hippie, é um drogado, é um comunista»

A  e portanto dito isto devo dizer não tenho a menor dúvida etc. doutora Clara Ferreira Alves não sabe, uma vez mais, do que fala. É lastimável que com pesporrente e altiva veemência possa convencer das suas absolutas certezas e erróneas verdades históricas os desprevenidos mais jovens, a começar pelos que à sua roda a adulam. O pior é que CFA é uma jornalista veterana e prestigiada. 

CFA alguma vez ouviu falar de José Carlos Marques ou de Afonso Cautela?
Todos comunistófilos? Querem ver que, por exemplo, Gonçalo Ribeiro Teles estava sovietizado e ninguém sabia? Quem lhe disse que as pessoas tinham vergonha? Anos 80? Associações clandestinas?
Leia, Maria Clara, estude! «Fui uma das primeiras»? Enxergue-se, deixe-se de cagança, seja rigorosa.

PS
Teria ficado muito bem a CFA, nesta recomendação natalícia de livros, que informasse o espectadores de que o autor de "Sentir & Saber - A caminho da consciência" é um dos seus amigos mais próximos.* Ficou-lhe muito mal que não nos informasse disso. Coisas destas usam denominar-se de putedo. Putedo fino.

* Na fotografia, João Matos [1993] à esquerda da mãe. «Quero também agradecer ao António e à Anna Damásio  foram sempre ao longo destes anos uma enorme presença na minha vida» - CFA, 03.Dez.2015 
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Declaro por minha honra que, a despeito da trunfa anómica, nunca fui hippie, nunca me ganzei nem perfilhei catecismos leninistas ou alinhei em comunismos,  fanéricos ou crípticos.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Wilson deu o peido-mestre

«[...] Roubei um carro e fui preso. Tive que fazer umas asneiras para conseguir sair da Marinha. [...] Entrei no mundo da prostituição. [...]»

Torre Bela, 24. Abr.1975
«Camaradas, isto vocês não fizeram só para terem trabalho. Vocês fizeram-no para ter a terra, porque são vocês que a vão trabalhar. Vêm talvez oferecer-vos hoje um bife da propriedade. Eu não me satisfaria com um bife porque o povo trabalhador não se pode satisfazer com isso. Nós achamos que é pouco e vocês não devem arredar pé disto porque um bife é pouco mas se aqui se fizer uma cooperativa numa parte desta terra é preciso que esse latifundiário que está aí, que tem aqui casas vazias para passar o fim-de-semana para as caçadas e para os amigos dele. Exploraram este povo durante anos e anos, os vossos pais, os vosso avós.
Com muita serenidade, mas nós temos é estar conscientes dos nossos direitos e daquilo que queremos, mas com serenidade. Quando eu vos digo, mas se vier para aqui um contrato de trabalho para uns quantos trabalhadores como início para uma cooperativa vocês não devem ficar por aí. Este indivíduo que está aqui não pode ficar com o resto da propriedade. Não há direito — e é outro problema que vocês têm de pôr, se não o puserem agora têm de o pôr no futuro, têm de pensar nele —, não há direito de que existam aqui imóveis vazios quando há necessidades aqui à volta nas aldeias. Vocês necessitam destes imóveis que estão aqui, necessitam ou não? Não é agora, já. Por agora é um pedaço, mas não desarmar e continuar a luta para que este pedaço seja tudo aquilo que é vosso. Mas isto pode ser uma ponta, tem que vir o resto. Quando, nós não sabemos mas se ficarem decididos e unidos o resto virá.»
Wilson Filipe:
«Obrigado, Mortágua.»*  

Como isto anda tudo ligado, não havia o partido das filhas de Mortágua de dar notícia da morte de Wilson? Eis:
«Wilson foi uma das figuras ligadas à ocupação da Herdade da Torre Bela, em 1975. Participou no documentário de 1977 de Thomas Harlan sobre a mesma ocupação e no filme “Linha Vermelha” de José Filipe Costa. [...] De acordo com a agência Lusa, Wilson Filipe faleceu a 24 de Dezembro e as cerimónias fúnebres deverão ter lugar a 28 ou 29 de Dezembro.
A Herdade da Torre Bela foi ocupada a 23 de abril de 1975 por vários trabalhadores da Azambuja, numa ocupação que ocorreu sem intervenção partidária** e que deu origem a uma cooperativa popular. [...]»

WF- Qual é o valor da tua farramenta? Qual é o valor da tua farramenta??!! ...Tudo isto é da cooperativa. ... Dás-me licença? Isto tem o valor de 100 escudos. ... Isto já não é teu. Isto é meu, é deste, é de todo o mundo!
CCV- Pode ser muito bem, mas eu é que trabalho com ela ... Tenho de ir comprar outra e depois essa outra fica a ser da comparativa e depois eu vou comprar outra e é sempre da comparativa, pá!?... Daqui a nada também o que eu visto, o que eu calço é da comparativa. Mas se fui eu que comprei! ... 
WF- É isso mesmo! É essa a nossa finalidade.
CCV- Amanhã tiram-me as botas e fica da comparativa, fica a ser da comparativa, fica a ser da comparativa e eu fico nu.
WF- É essa a nossa finalidade. ... Tu não ficas nu, tu ficas com mais roupa do que a que tens!!!
CCV- Não vejo isso, não vejo nada disso. ... Eu cada vez vejo mais, cada vez vejo mais.
WF- Tu és louco. ... 
CCV- Só quem não vê é os cegos, quem não vê é aqueles que morreram e os que estão ainda para nascer, esses é que ainda não viram. Vêm para ver.
...
WF- Tu no fundo hoje não compreendes nada, não sei porquê. Porque tu efectivamente, vou-te dizer mais uma vez ... Todavia lembra-te, ... esta farramenta que tu dizes que é tua hoje passa a pertencer da [sic] cooperativa e só assim é que isto vai para a frente

«No dia 1 de Dezembro de 1975 — 219 dias depois da ocupação das terras — a "Comuna popular de Torre Bela" foi ocupada por militares agindo por ordem do governo socialista. A Comissão de Trabalhadores foi detida. Os oficiais da polícia militar compareceram em conselho de guerra e a produção parou. A Revolução dos cravos chegava ao seu termo.
Em 1982, D. Diogo, duque de Bragança, e seus irmãos recuperaram a posse das suas terras e reconverteram os 22.331 hectares da herdade em reserva de caça***

«[...] Depois fui falar com o duque, um tipo arrogante, que me disse que não dava emprego às pessoas, mas que me dava a mim — e um cavalo e um jipe. Levantei-me e dei-lhe um peido nas trombas. [...]»
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«[...] desmascarado pela jornalista Alexandra Lucas Coelho. Eu dormia no quarto do duque. Era o único que tinha casa de banho privativa, confessou 32 anos depois o líder popular da ocupação, hoje vendedor de camiões. Wilson, ex-assaltante de bancos, antecipou-se aos agricultores nas noites passadas no palácio. O mesmo palácio que os agricultores tomaram. [...]»


** Não? Jurem.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Visto no passaporte

À entrada do Outro Mundo o polícia do SEF lá do sítio recebe de asas postas, correcto e super-cortês, recém-chegados:
- Bem-vindo, Sr. José Branco! Pode mostrar-me a sua documentação, por favor?  
- Bem-vindo, Sr. Vicente da Silva! Pode mostrar-me a sua documentação, por favor?  
- Bem-vinda, Sra. Maria de Sousa! Pode mostrar-me a sua documentação, por favor? 
- Bem-vindo, Sr. Eduardo de Faria! Pode mostrar-me a sua documentação, por favor? 
- Welcome, Mr. David Cornwel!!! * Can you show me your papers, please?

Todos são encaminhados para uma espécie de salão nobre e servidos copiosamente de champanhe Taste of Diamonds, ovas de esturjão-beluga, trufas brancas de Alba, café Kopi Lwak e pires de tremoços Lupinus albus de Cantanhede.
Todos portadores de "visto" rubricado por Clara Ferreira Alves e certidões de com ela haverem privado em grau de intensidade mínimo exigível na zona mais fina do Outro Mundo.
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*
«[...] Bati com suavidade à porta, ele entreabriu, e pela fenda consegui dizer “sou jornalista, Expresso, venho para a entrevista”. O homem respondeu, agora não vou dar entrevista. Neste momento não. Insisti. Estava a ler e não ia interromper a leitura para falar comigo. Tudo dito com polidez glacial, naquele tom das classes educadas da Inglaterra. A fenda da porta alargou, ligeiramente. Conseguia agora ver a cara, fechada e sem um sorriso, com um sobrolho levantado. Percebido, lá se ia a oportunidade de falar com John le Carré. Perdido por cem perdido por mil, perguntei com insolência o que ele estava a ler que não podia ser interrompido. A porta abriu um pouco mais, deixando ver uma figura alta, com uma madeixa de cabelo de cor indefinida, louro branco, sobre a testa. Respondeu que era Flaubert, “Madame Bovary”. Aí eu não resisti e disse, adoro esse romance, já o li tantas vezes. E ele, eu também, quantas? Nove vezes. E dissemos os dois ao mesmo tempo, nove vezes. Nine times. Com esta declaração que parecia cronometrada, a porta abriu-se completamente. O escritor, admirado com a coincidência, continuou a falar de Flaubert, a atenção ao pormenor, discutimos ainda uma comparação com Tchekov, o modo como ambos conseguiam caracterizar uma personagem através do que a rodeava ou do estado da luz, ou das observações sobre a paisagem. E assim consegui a entrevista de David John Moore Cornwell. Aliás, John le Carré. [...]
Abriu o minibar e perguntou se queria um whisky, uma garrafinha anã. Bebemos os dois, cada um com a sua garrafinha, no quarto do Ritz, um quarto com duas camas. Nada de suítes presidenciais.
«[...]»

//
«[...]
E a petulante gabarolice oceânica, senhores?
Mário Soares, John le Carré, Hotel Ritz...
«O John le Carré abriu a  porta.
- ... O que é que está a ler?
Estou a ler a Madamme Bovary ...
Ah, a Madamme Bovary!, disse eu ... Eu já li esse livro nove vezes.
- ... pela nona vez.
Dissemos os dois ao mesmo tempo. A porta abre-se de par em par e ele olhou para mim e disse:
Oh! Do you want a drink?
Quer whiskie velho ou the bay whiskey? E sentou-se e esteve horas a falar comigo. Portanto, o Flaubert e a Madame Bovary ... eu acho que lhe fiz uma óptima entrevista.»
[...]»

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Vomidrine 2020

Não farei o balanço deste ano. 2020 enjoa muito.
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Talvez a propósito, nunca é demais ter presente que o Dalai Lima continua activo a aspergir-nos diariamente de graça. Folga aos sábados, domingos e feriados.*

* - Mas, ó Plúvio, se o senhor engenheiro descansa aos sábados, domingos e feriados, «diariamente» não é contra-senso?
- Vendo menos bem, se calhar até pode não ser, à luz do movimento perpétuo, não ignorando o eterno retorno, dos hiatos intercorrentes.
- E, Plúvio, não achais ofensa à inteligência dos leitores o itálico para que entendam os duplos sentidos dos lexemas?
- Acho.  

sábado, 19 de dezembro de 2020

Ainda Eduardo Lourenço e a hórrida unanimidade

O JL desta quinzena [comprei e conservo todas as 1310 edições desde a primeira, de 03.Mar.1981; não tarda ponho-as à venda na OLX, ao desbarato, que o metabolismo claudica e o papel estiola] é integralmente dedicado a Eduardo Lourenço [S. Pedro de Rio Seco, 23.Mai.1923 - Lisboa, 01.Dez.2020].

Talvez questão de feitio, a unanimidade e, mas menos, o consenso põem-me geralmente — enfim, rendo-me sem esforço à constatação de que coisas como o ar respirável ou a água potável, os lençóis de flanela no Inverno, o extermínio preventivo do SARS-Cov-2 com sabão macaco ou a sublimidade das guitarradas de Yamandu Costa, não merecem grande discórdia — de pé atrás; enervam-me, eriçam-me a desconfiança, ateiam-me a reserva, escoram-me a prudência.

Em apenas duas(!) das 33 páginas de epicédio hemorrágico lourenciano no JL encontramos desvio do uníssono babado ou basbaque.
Na página do bonzo de Coimbra, ainda assim de raspão:
«[...] A terceira razão para o enigma do consenso é a mais decisiva, a sedução do consenso. De que Portugal e de que portugueses falava tão sedutora como convincentemente? EL não era dado a detalhes e especificações, mas é evidente que o Portugal de que ele falava era uma entidade muito seletiva. Os portugueses do bairro da Cova da Moura ou do Bairro da Jamaica não vivem no Portugal de EL nem são os portugueses imaginados por ele. Estes portugueses, aqui nascidos há duas ou mais gerações, não vivem no labirinto da saudade. Vivem no labirinto da opressão e do racismo. Têm talvez saudade das suas raízes muito longe destes bairros, raízes que nunca tiveram porque lhes foram violentamente arrancadas pelas vicissitudes da violência colonial. Acontece que o Portugal destes portugueses raramente tem voz para confrontar o ensaísta. Nem isso seria uma prioridade para eles, ocupados como estão em confrontar regularmente a brutalidade policial. [...]»

Mas sobremaneira na página de Eugénio Lisboa que nos sacode e desperta da densa glorificação envolvente:
«[...] Quando querem fazer dele o argonauta que “desvendou” Portugal e Pessoa aos portugueses, estão a assassinar os factos eruditos e a cometer uma clamorosa injustiça. Aqui, repito, o pecador não é o autor de O Labirinto da Saudade, mas sim os seus aduladores pouco informados ou muito esquecidos. Todo o excesso de admiração é sempre suspeito e revela, em geral, pouco senso crítico e  péssimo conhecimento da obra idolatrada. André Gide, que era, além de notável ficcionista e diarista, um finíssimo crítico e ensaísta, raramente dado a desmedidos ditirambos, observava, judiciosamente, que, quando se tem pouca coisa a dizer de alguém ou de uma obra, até não calha mal berrar, e que o excesso é frequentemente uma marca de penúria, pois que a verdadeira abundância arrasta consigo uma espécie de ponderação. O excesso, além de normalmente implicar um défice de conhecimento, é, repito, perigoso. O poeta William Blake dizia que o caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria. Pode ser que sim: depende de que excesso se trata, porque o excesso de admiração pode levar ao palácio do erro e da injustiça.
PESSOA NÃO PRECISOU DE EL para ser descoberto, lido, estudado, promovido e traduzido. Dizer que Lourenço, por mais admirável que seja a sua sondagem pessoana, “desvendou” Pessoa aos Lusíadas, esquecendo o admirável trabalho de quem, de muito longe, o precedeu é cometer os pecados capitais de ou esquecimento, ou desatenção, ou ignorância ou leviandade. Já em 1925 – ainda Lourenço gatinhava – José Régio arriscava a sua licenciatura, apresentando à conservadora Universidade de Coimbra, uma dissertação sobre as modernas tendências da poesia portuguesa, na qual dava palco generoso aos três argonautas do Orpheu. E aí coroava Pessoa com o estatuto de Mestre. Esta dissertação seria depois publicada, com o título de Pequena História da Moderna Poesia Portuguesa, em 1941. Nesta altura, Lourenço já não andava de bibe, mas tinha apenas 18 anos e, entretanto vigorara a revista Presença, de 1927 a 1940, a qual deu larguíssima atenção e palco a Pessoa e aos seus principais heterónimos. E ignorar Jacinto do Prado Coelho que, com a sua tese seminal – Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa – deve ter feito solevar mais do que uma perturbada sobrancelha na Universidade de Lisboa, é mais ou menos tão grave como ignorar personalidades como Jorge de Sena, João Gaspar Simões, Adolfo Casais Monteiro, Teresa Rita Lopes, David Mourão-Ferreira e tantos outros (perdoem-me se os não cito) a quem a aura pessoana tanto deve.
Do mesmo modo, dar ao autor de Labirinto da Saudade os créditos de pioneiro solitário no desvendar de Portugal aos portugueses é cometer outra injustiça de truz: então o Antero das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, o Eça, que tão bem sondou as misérias, os tiques e as cómicas megalomanias da sociedade portuguesa, com uma arte inigualável, o Oliveira Martins do Portugal Contemporâneo, o Miguel Torga, do belíssimo livro Portugal, dos vibrantes e inesquecíveis 16 volumes do Diário e dos contos admiráveis dos Novos Contos da Montanha ou o António Sérgio, dos oito límpidos e clarividentes Ensaios, além de muitas outras notáveis e corajosas intervenções, não colaboraram nada para desvendar Portugal aos portugueses? Nada disto conta? Lourenço veio pisar terra virgem? (Não foi ele quem o disse, foram os seus intemperados aduladores). Olhem que a injustiça é feio pecado e o autor do admirável Sentido e Forma da Poesia Neorrealista não precisa de favores espúrios.
Outro aspeto que gostaria de aqui sublinhar é este: EL aceitou sempre muito mal e de muito mau humor os raríssimos reparos que, em vida, confrontou. Visou sempre, com prodigioso trabalho de formiga, uma saboreada unanimidade, sem vestígios de contraditório. E conseguiu-o, o que não fica bem a um meio cultural adulto. [...]»

//
«Discordámos sempre. E em quase tudo, da leitura da história de Portugal à interpretação de Pessoa, das bases da sua sui generis psico-análise ao papel do estruturalismo (e em particular da dupla Foucault/Deleuze), do seu enfoque numa certa bipolaridade matricial do "homem português" aos palpites (e foram tantos!...) sobre o período que se abriu em 1974. [...]»

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Alberto Manguel no Expresso e em Lisboa

Alberto Manguel [AM] é bom? Talvez.
Alberto Manguel é muito bom? Sei cá.
Alberto Manguel é honesto? Desconfio.
E Madalena Alfaia [MA], que assina as traduções de Manguel para o Expresso, é boa? É.
Muito boa? Decerto.
E quanto a honestidade? Diga-mo no fim o paciente leitor.

Ao longo de 2020 o Expresso tem publicado na sua revista, E, crónicas e ensaios de Alberto Manguel, apresentado como «colaborador regular» do jornal. As principais línguas de escrita de AM são o inglês, o espanhol e o francês. Daí a tradução, invariavelmente assegurada por Madalena Alfaia.

Para não maçar, deter-me-ei em apenas três peças.
Deste artigo não haverá grande coisa a dizer, salvo o Expresso e Madalena Alfaia terem escondido do leitor que se trata de tradução do original "Reach Out and Touch (Somebody's Hand)", publicado no n.º 112 da revista canadiana GEIST / Primavera de 2019.
Ainda assim, não deixei de ficar estupefacto com a asneira grossa, num autor como Manguel — que a acutilante MA trasladou do original sem emenda —, de ter posto S. Tomé, no lugar de Maria Madalena, a protagonizar o celebérrimo momento bíblico do Noli me tangere. [João, 20: 16-18]
Gostei de descobrir, no rasto da crónica, que AM [Argentina, 1948] casou e vive com um psicólogo canadiano ricaço, Craig E. Stephenson [Canadá, 1955], depois de, de 1975 a 1986, ter sido casado com Pauline Ann Brewer com quem teve três filhos. O tempora, o mores!  
Aqui fia mais fino.
É certo que a tradutora MA cuida de informar que se trata de uma versão (?!) «publicada originalmente no La Nación», diário centenário, conservador, o de maior tiragem e circulação na Argentina. Confirmei: "La era de la venganza", 25.Jul.2020.
«Uma versão», mas que versão, senhores!
Quem pode não ficar espantado com o interesse e domínio caseiro do omnímodo argentino-canadiano-francês AM em torno do Portugalzinho confinado do Verão de 2020?
«[...] Como escreveu Pessoa nos seus ‘Mandamentos’, sê tolerante, porque não tens a certeza de nada. [...]
Recentemente, em entrevista ao “Público”, Pedro Mexia declarou: “Uma pessoa que leia a ficção da Flannery O’Connor e que abstraia dali uma mensagem racista é maluca da cabeça.” [...]
Aqueles “negros selvagens” constituem ainda a imagem percebida pela maioria dos nossos vizinhos, por tribunais de júri brancos pelo mundo fora, por agentes da polícia da América do Norte, por lobistas anti-imigração na Austrália, por cidadãos honestos da província em França, pelo homicida de Bruno Candé. [...]
tal como se podem vandalizar estátuas de figuras históricas controversas — nos Estados Unidos, os militares do Exército da Confederação; em Praga e Bengala, Winston Churchill; em Lisboa, o padre António Vieira. [...]»
Fora de tudo o que está no original do La Nación de um mês antes, já de si traduzido do inglês para espanhol, Alberto Manguel cita Pessoa, mas isso é o menos, Pessoa é do cânone; AM cita Pedro Mexia de uma entrevista no Público de dias antes; AM fala do assassínio de Bruno Candé, ocorrido 4 semanas antes da publicação no Expresso, num registo de quase "tu cá, tu lá" com o malogrado actor; o intelectual planetário AM, atentíssimo ao burgo lusitano, ele que mora no outro lado do Atlântico, conseguiu alinhar Lisboa na correnteza dos EUA, de Bengala e de Praga, a pretexto da vandalização, dois meses antes, da estátua do Padre António Vieira. De resto, apetece perguntar de onde MA trouxe para "A era da vingança" a parte que vai de «reescrevendo a história» até «estátuas erigidas».
Isto é que foi enxertar, hã, Madalena?! Neste ponto é deveras interessante saber que, por exemplo, só um exemplo, esta fotografia com Bruno Candé foi tirada pela corujinha Madalena Alfaia...*
Por fim — «O mote inscrito no brasão de armas do Chile é uma instrução clara para o suicídio coletivo: Por la razón o por la fuerza.» —, mal se perdoa que a meticulosíssima MA tenha feito AM asneirar no lema nacional da república chilena. Nem parece dela, Madalena.

Antes de abordar a terceira peça, onde tudo tresanda muito mais, é o momento de, do quarteirão de «Testemunhos sobre o meu trabalho editorial» no "Em destaque" da página profissional de MA, realçar os contributos de Alberto Manguel [quem houvera de ser?] e de Pedro Mexia [et pour cause].
Alberto Manguel turibulando MA:
«Writers are solitary birds that build their nests with whatever stuff they can find. But after the nest is built, these birds need wise owls to tell them what is missing, what twig is misplaced, where there's a gap that weakens the whole structure, how to make it hold in whatever critical winds might blow. For the past few years, Madalena Alfaia has been my owl. With keen eyes, impeccable taste, refined technical knowledge, and an overriding aesthetic sense, she has helped me present my books to my Portuguese readers.
Alberto Manguel (escritor)»

Pedro Mexia enaltecendo MA:
«Editar um livro não consiste apenas em apenas [sic] publicá-lo. É, antes disso, um trabalho de revisão, questionação, rasura, substituição. Tenho tido a sorte de publicar numa editora onde esse processo é fundamental. E de ter contado diversas vezes com a edição da Madalena Alfaia. Qualquer pessoa competente na matéria deve ter boas noções de ortografia e sintaxe, amplitude de vocabulário, atenção aos clichés e às repetições desnecessárias, e assim por diante; mas a Madalena, além dessas competências, tem outras a que sou muito sensível, porque invariavelmente melhoram os textos: o sentido da ironia e da eufonia, a capacidade de entender ou de esclarecer alusões a outros textos, o interesse por géneros 'menores' como a poesia e o teatro, e até o 'gosto' (não sabemos o que é o gosto, se nos perguntam, mas quando não nos perguntam, sabemos). Não sou juiz em causa própria, mas posso dizer isto dos meus livros: são melhores do que eram por terem sido bem editados. E vários deles devem muito à Madalena.
Pedro Mexia (escritor, editor e crítico literário)» 

Vamos lá:
Ao chamar a atenção para o texto de AM no Expresso de sexta-feira passada, escrevia ontem MA no seu LinkedIn: «Em defesa da blasfémia. Um ensaio exclusivo de Alberto Manguel», sufragando a classificação com que o semanário o apresenta.
Exclusivo?

Vejamos.

Choca-me a arte de AM em vir vendendo, vai para 15 anos, o mesmo guião em países diferentes, em datas diversas, limitando-se a adaptá-lo, talvez a pedir ou consentir que lho adaptem, ao atentado islâmico do momento e aos tiranos de turno.
Quanto à peça de 11.Dez.2020, a manobra no Expresso assume dimensão himalaica.
É preciso lata descomunal para informar que é um «exclusivo». Não se admite que o jornal e MA omitam de que fonte/data traduziram.
Mais espantoso, no entanto, são os nacos abundantes de elementos da história e da literatura portuguesas entretecidos com tal familiaridade e com tão especioso pormenor [Manguel sabe de Afonso V, ele sabe de multas estipuladas por D. Sebastião em 1571, ele sabe de Aníbal Cavaco Silva em 1992, ele sabe de Ary dos Santos e até de António José Forte, ele domina o Código Penal português...] que nem sedado ou seviciado me conseguirão persuadir de que são da lavra corrente do fabuloso escritor, bibliófilo, professor.
Assevero que vale a pena o cotejo das quatro versões do ensaio. Na do Expresso marquei todas as "portugalidades".

Você, meu caro leitor, que intui destas coisas?
Por mim, sinto que Madalena Alfaia deveria explicar-nos melhor, a nós que pagámos para ler um «exclusivo» de Manguel no Expresso, a real quota das suas intervenções editoriais, e agora traduzo eu Alberto Manguel:
* «[...] depois de o ninho estar construído, esses pássaros precisam de corujas sábias para lhes dizer o que falta, que galho está fora do lugar, onde é que há uma lacuna que debilita toda a estrutura, como fazê-la manter-se contra qualquer vento adversário. Nos últimos anos, Madalena Alfaia tem sido a minha coruja. [...]»
Nota-se.
Blasfemo consumado me confesso. 

Apontamento à margem.
Neste ensaio, em mais uma incúria pouco tolerável, MA põe na boca de AM: «O famoso décimo sutra do “Alcorão” (10:100) diz assim: Nenhuma alma pode ser crente com a permissão de Deus.»
Fez-me a voltar ao meu Alcorão e confirmar a passagem nas três versões anteriores do «exclusivo». É claro que teria de ser «sem a permissão». Não bastando, não é sutra mas sura e, já agora, género feminino, em português e em espanhol. Curiosamente, este sutra é disparate original do facundo Manguel, que vem do La Nación, resiste na Geist e só parcialmente é corrigido no El País. Como haveria de não escapar à diligente Alfaia? Por isso, «A famosa décima sura», se não se importam. 
Mas nada de trágico ou surpreendente; estou habituado à revisão desleixada do Expresso.

//

«Alberto Manguel é um romancista de escassa importância e um ensaísta que satisfaz e conforta plenamente os amantes das fantasias humanistas e das utopias dos livros e da cultura. Mas a grande obra deste famoso leitor nómada, nascido na Argentina, naturalizado canadiano, para o qual a pátria é o lugar onde instala a sua biblioteca, não é constituída pelos livros que escreveu, mas pelo mito que conseguiu criar em torno da sua colecção de 40.000 volumes. Uma parte considerável da sua obra escrita serviu para produzir e alimentar esse mito triunfante. [...]
Se não fosse o mito, tão ao gosto dos poderes políticos e mediáticos que se querem dotar de capital simbólico, Alberto Manguel não estaria prestes a desempacotar a sua biblioteca, vinda de Montréal, para a instalar no Palacete dos Marqueses de Pombal, na Rua das Janelas Verdes, a mesma onde morou Madonna, graças a um acordo já assinado entre o proprietário dos livros e a Câmara Municipal de Lisboa. [...]»


Fernando Medina, socialista rutilante, edil de Lisboa, é, estamos fartos de saber, versado em pirotecnia. E a Tinta da China/Bárbara Bulhosa não dorme no serviço. 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Aeroplanos da TAP

  • Saída de dois mil trabalhadores
  • Corte de 20% da massa salarial
  • Redução de 20 aviões*
* - Senhor ministro, quais destes 108 vão embora e já agora com que critério?
- Perguntem ao Plúvio.

Pois que perguntam, cá vai. Escolha especiosa especificamente falando.
Desde logo e por razões soberanas de asseio pátrio e universal, vai fora o "Zé Pedro".
Depois e por motivos avulsos de escrúpulo social, qualidade intrínseca e proporção relativa [três nem portugueses são],
o "Florbela Espanca", o "John dos Passos", o "Grão Vasco", o "Manoel de Oliveira", o "José Saramago", o "Malangatana", o "Eugénio de Andrade", o "Calouste Gulbenkian", o "Miguel Torga", o "Aristides de Sousa Mendes",

- Que se saiba, Katar Moreira influi em muita porcaria incluindo na cabeça desta gente, mas na tttTApppppppppP ainda não risca.   

... o "Eusébio", o "João XXI", o "D. Fuas Roupinho", o "José Carlos Ary dos Santos", o "Agostinho da Silva", o "Padre Américo", o "D. Maria I" e o "Nicolau Breyner".

- Mas, ó Plúvio, se bem contamos falta um pròs 20.
- Bem observado. Bruxelas que tire à sorte entre os três "Bartolomeu"s.
- Quer dizer que o "Fernando Pessoa" fica?
- Obviamente.

domingo, 13 de dezembro de 2020

Costa e Merkel, e Soares

«Temos aqui dois resultados históricos que há a assinalar, a fechar com chave de ouro a presidência alemã a quem quero aqui agradecer, e em particular à chanceler Merkel
Foi uma coincidência feliz todos termos podido contar com a sua experiência, o seu talento, a sua capacidade política, a sua autoridade no momento mais difícil que a Europa enfrenta desde o final da segunda guerra mundial.» 
António Costa, primeiro-ministro | Bruxelas, 12.Dez.2020

Tem-me comovido o desvelo com que nos tempos recentes os próceres progressistas do eixo Lux Frágil-Campo de Ourique, passando pelo Pap'Açorda, pela redacção do Público, pelo twitter de Fernanda Câncio e pela generalidade dos areópagos socialistas, vêm reabilitando a figura da mulher que dirige há 15 anos a governação da Alemanha.
Os mesmos que antes a vilipendiavam devotadamente como demónio da civilização ocidental, hoje em dia, sem a mais leve brotoeja de vergonha, incensam Angela Merkel como anjo redentor da decência política.

Perante o encómio e o agradecimento de António Costa acodem-me à lembrança o desdém e a exprobração que com mal disfarçado machismo* Mário Soares — mais ícone do referido eixo lisboeta de militância do que propriamente freguês dele — bolçava, semana sim, semana sim, mormente no Diário de Notícias, sobre a chanceler democrata-cristã nos últimos anos de emissão pública do seu pensamento, numa altura [2012-2015] em que se vinha rendendo à clarividência paraleninista do Papa Francisco enquanto, nas sete sortidas à prisão de Évora** de 26.Nov.2014 a 10.Jul.2015, praticava com diligência vistosa a 6.ª corporal e a 4.ª espiritual das 14 "obras de misericórdia"

Se o que António Costa disse ontem em Bruxelas acerca de Merkel ressoou na actual assoalhada de Soares nos Prazeres, só posso ouvir ossos a estralejar...

Por falar nestas coisas,
Dona Emília, dona Emília, não tarda o sol põe-se e não me diga que ainda não cumpriu o seu dever diário de hoje?!...
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sábado, 12 de dezembro de 2020

Mamadou Ba

«[...]
Falta insistir na pergunta, que a dignidade e a inteligência impõem, a que o racista MB tem de responder: porque veio, porque pediu e continua a viver nesta pátria que odeia com um povo que detesta?
Missão? Ou simples negócio?»* 

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* Aposto em que a branca deste quinteto tem uma resposta qualquer.

Informo o psiquiatra-aviador

de que Nicolau de Mira terá, no máximo dos máximos, 1670 anos de experiência.
«Com a experiência de 2 mil anos», na casa dos 2020, é outro, Jesus de Nazaré.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Clara Ferreira Alves à boleia doutro morto

«Eis como me lembro dele. Uma casa, a minha. Em Lisboa. Um longo corredor cheio de estantes, e lá andava Eduardo Lourenço a cirandar à cata de livros.
Clara Ferreira Alves, sobre Eduardo Lourenço, in Expresso, 4/12/2020*
Nas Olimpíadas que consistem em aproveitar a ocasião do obituário para o exercício da auto-celebração e da afirmação de si próprio**, este “testemunho” de Clara Ferreira Alves fica em primeiro lugar no podium, triunfo tanto mais notável quanto os adversários à sua altura foram muitos e muito combativos. Não é de agora esta falta de pudor: sempre que morre alguém famoso e com obra, os amigos, os que o frequentaram, os que foram seus anfitriões, os que com ele partilharam momentos registados num álbum de vaidades e aspirações, manifestam toda a sua exuberância narcísica, esquecem a obra e reivindicam para si uma afinidade electiva com o notável, sem peceberem o quanto o eu é odioso.»

Costa mantém confiança em Cabrita

ÚLTIMA  HORA
«Mantenho total confiança no doutor Eduardo Cabrita como ministro da Admisção Interna.»

Vendo bem, isto é, ouvindo melhor, a confiança não será assim tão total já que António Costa subtraiu ao amigo Eduardo parte significativa da sua Administração.

Não me canso: perigo maior é o de poderem estar crianças por perto a ouvir.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Fervor em manobras

«Cá estarei eu para, se for mentira, pintar a cara de preto

A propósito disto
- «Grande Istambul, grande PSG. Depois do grande Marega, uma atitude a sério contra o racismo.»
- «o pedro [Pedro Marques Lopes] acabou d m ligar a contar isto, emocionado: 1 jogo parou porq 1 dos árbitros chamou negro a um dos jogadores. era expectável q sucedesse: depois d marega, era óbvio q ia acontecer os jogadores abandonarem o campo em solidariedade. ponham as imagens aqui rápido, quero ver.»
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«No meu país [Turquia], os romenos são ciganos, mas eu não posso chamar-te cigano.»
Okan Buruk, treinador do Basaksehir, para o 4.º árbitro, romeno - 08.Dez.2020

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Camarate - 40 anos depois, que se pode ainda contra a legião dominante de crédulos e intrujões?

Pouco.
A fé move montanhas, a fé dissolve a verdade.*

«A avioneta caiu em Camarate por falta de gasolina no motor esquerdo e por precipitação do piloto. Os aviões obedecem às leis da física e da mecânica, não escolhem quem vai lá dentro para cair ou não cair.
O Presidente da República, valendo-se da vasta experiência do professor Marcelo, resolveu criar um novo “facto político” ao comunicar aos portugueses a sua “convicção pessoal” no que respeita à tragédia de Camarate. Foi sabotagem!
É claro que esta revelação é um acto de fé. Respeitável, como qualquer outra crença ou convicção. Mas é apenas isso mesmo, uma convicção. Porque nem o Presidente nem o professor Marcelo são capazes de apontar uma prova, uma só que seja, de que houve sabotagem em Camarate. Não cabe aqui voltar à farsa que foram as dez comissões parlamentares de inquérito a Camarate e aos 33 anos durante os quais elas se arrastaram.
[...]
Quanto ao presente, o cidadão comum, como eu, tem duas opções. De um lado estão mais de duas centenas de testemunhas, uma centena de peritos e de organismos especializados, independentes e oficiais, portugueses e estrangeiros, e as deliberações de 32 magistrados e juízes de tribunais portugueses e europeus. Isto é, estão as provas: não foram encontrados indícios de sabotagem. Do outro lado, temos um “facto político” novo baseado na “íntima convicção” do cidadão Marcelo Rebelo de Sousa que, acessoriamente, é também Presidente da República, primeiro magistrado da Nação, professor catedrático de Direito e ex-representante da família de uma das vítimas.
No que me diz respeito, opto por ficar do lado da seriedade e das instituições democráticas e independentes que nasceram no meu país quando ele reencontrou a liberdade.
[...]»

Em tempo
Reacção de Ricardo Sá Fernandes,  com o habitual ardil de aranha religiosa materialmente interessada.  -  "Camarate, resposta a Cunha Rodrigues e a Barata-Feyo" | Público, 13.Dez.2020
 
Depoimento exaustivo e siderante, sem política nem sentimentos, do coronel piloto aviador (reformado), Victor João Lopes de Brito  -  "Acidente de Camarate", 08.Dez.2020
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* «Os espíritos mais puros inquietam-se, perturbam-se, não sabem como orientar-se e repetem angustiadamente a pergunta de Pilatos ao próprio Cristo: O que é a verdade?
[...]
A verdade é por essência imutável e a adesão do espírito à verdade, ou seja as certezas do espírito são essenciais ao progresso das sociedades humanas.»

Cedro, abeto, ébano... [2]*

Guiando carro de matrícula portuguesa por caminhos de Castela, o melhor guitarrista do mundo foi a Casasimarro buscar os dois instrumentos lindíssimos que Vicente Carrillo ficara, faz quatro meses, de aprontar.
Depois de lhes respirar a embriagante beleza na oficina, Yamandu Costa, antes do cabrito no forno, experimentou-lhes a alma na igreja medieval de Santa Trinidad de Alarcón.
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75 minutos de Yamandu Costa na 15.ª edição do "Festival Internacional de Guitarra Harmonia Cordis".
Colapso da 7.ª corda. «C'est la vie!»

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Luto de arlequim

«Marcelo Rebelo de Sousa apresentou condolências à Família de Sara Carreira
Neste momento de dor, luto e choque, apresentei as minhas sentidas e amigas condolências à família Carreira pela terrível perda.
Marcelo Rebelo de Sousa»

Ignorante e perplexo, prostro-me ante a morte e o sofrimento da morte.
O que não me coarcta a análise crítica e epistemológica, em perspectiva e correlação, de certas e determinadas coisas, considerando, talvez sobretudo, as incertas e as indeterminadas.
Em Março último, Lhor Homeniuk morreu no aeroporto de Lisboa às mãos da República Portuguesa e do presidente desta nem um pio de pesar ou desculpa.
Um destes dias morreu um estimável e popular profissional do futebol [Vítor Oliveira, 17.Nov.1953-28.Nov.2020e de Belém nem um sussurro.
Na outra semana morreu a querida e bondosa tia Alice, irmã da minha mãe, e do arlequim silêncio sepulcral.
O que terá impelido Marcelo a tornar públicas e tão conspícuas as suas «amigas condolências»?
Deixem-me adivinhar: 
Portugal gaiteiro e bimbo, país cristino...

sábado, 5 de dezembro de 2020

Desminto e esclareço Pedro Santana Lopes

Bernardo Ferrão [SIC/Expresso]:
Pedro, como é que ouviu estas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa? 
Pedro Santana Lopes:
É um assunto muito melindroso. Pessoalmente — obviamente que quem decide são os tribunais, quem investiga é a polícia —, nunca tive dúvida, pessoalmente, de que tenha sido atentado. Foi um atentado. Só quero sublinhar isto, que não é um dado de sabedoria popular mas básica: até hoje, no aeroporto da Portela*, graças a Deus** não caiu nenhum outro, nem antes nem depois. A questão se era dirigido a Sá Carneiro ou a Amaro da Costa é outra matéria.

Repare nesta campa, doutor Pedro Santana Lopes. 
Pelas 11h10 de terça-feira, 12 de Julho de 1988, Pelagia Teresa Majewska, cidadã polaca de 55 anos, piloto de aeronaves, morria em Lisboa ao comando de um Dromader, monomotor de fabrico polaco, que se despenhou instantes depois da descolagem, a exemplo do que no mesmo local sucedera sete anos e meio antes ao Cessna da fábula camaratiana.


Nada consta quanto a possível sabotagem ou atentado, mas nunca é de fiar: o papa polaco da altura, Karol Józef Wojtyla, também tinha os seus inimigos...
Ainda assim, para sossego da Polónia e do planeta, nem Augusto Cid se empenhou na busca da verdade nem Ricardo Sá Fernandes foi procurado por nenhum familiar da vítima.

Enfim, Pedro Santana Lopes nunca primou por credibilidade evidente. Por manifesta credulidade, lá isso, decerto.
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** Os desígnios de Deus são insondáveis.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

4 de Dezembro, defuntos e fiéis

«O tempo foge. Passaram já quatro décadas sobre a morte de Sá Carneiro, naquela viela escura e fria de Camarate. O então primeiro-ministro teria hoje 86 anos. Isto é o que sabemos. Mas este texto é sobre incógnitas.
Noite cerrada, Dezembro frio. Tinha chegado da Faculdade de Direito. O telefone toca.
Francisco Brás de Oliveira, na altura accionista maioritário do jornal O Dia, que privava bastante com as cúpulas da área da AD, com voz cava: Nuno, aconteceu uma tragédia. O Francisco e o Adelino acabam de morrer num desastre de avião, aqui na Portela. Foi há minutos.
"Nacionalista revolucionário", eu não era nem um jovem de partidos, nem militava na área doutrinal de Sá Carneiro.
Mas tinha lá muitos amigos, muitas discussões, muitas noites à procura da luz.
[...]
Não tenho nenhuma certeza absoluta sobre o assunto, depois de ter visto e revisto tudo, publicado e por publicar. O Cessna parece não ter caído nem por falta de combustível, nem por problemas de motor, nem por excesso de peso, nem por qualquer falha dos seus sistemas, devido à idade do aparelho, ou à sua manutenção. Tudo indica que um qualquer engenho (ou série de engenhos) tenha eclodido a bordo.
[...]»

Diz ele que viu e reviu tudo.
Ó Nuno Rogeiro, por favor, respeite os leitores, não engode os incautos! Ao que o proselitismo, a devoção e a orfandade podem levar um homem geralmente bem informado e culturalmente bem apetrechado...
Leia e releia devagarinho, Nuno Rogeiro. Deixe-se de delírios. Ou então, nenhum acidente é acidente; proscreva-se o vocábulo e o conceito dos dicionários.
//
«O pesar, que não me abandona enquanto cidadão, de a nossa democracia nunca ter podido, no plano jurisdicional, carrear dados probatórios bastantes para se provar se camarote, se Camarate foi acidente ou foi crime. Em Camarate pereceram, além de Francisco Sá Carneiro, Snu Abecassis, Adelino Amaro da Costa, Maria Manuela Amaro da Costa, António Patrício Gouveia, Alfredo de Sousa e Jorge Albuquerque. A derradeira decisão judicial elenca razões para não poder ser provado que tenha havido crime, mas também considera não haver prova bastante para concluir que tenha havido acidente
Para quem acompanhou sucessivas comissões parlamentares de inquérito como representante da família de António Patrício Gouveia, lembrando sempre o corajoso Augusto Cid, e nessa qualidade concordou [ele, MRS] com as conclusões das últimas comissões no sentido de ter havido atentado, mesmo se não dirigido especificamente contra Francisco Sá Carneiro, é muito frustrante ter de admitir que o tempo acabou por não facilitar uma decisão jurisdicional com mais sedimentada base probatória. Qualquer que ela fosse, ter-me-ia aquietado mais como cidadão.»
«Uma última nota, sobre a sua morte. Acompanhei, representando a família de António Patrício Gouveia, várias comissões parlamentares de inquérito a Camarate. Formei uma convicção como cidadão, que mantenho, de que não se tratou de um acidente mas sim de um atentado, embora não dirigido necessariamente a Francisco Sá Carneiro. Tenho pena, como cidadão, de que a última decisão da justiça não tenha podido contar, por causa do tempo, com mais dados probatórios e, assim, essa última decisão tenha dito que não havia provas suficientes para apontar para o atentado mas não havia provas suficientes, também, para apontar para o acidente. Ficou por definir a verdade em termos jurisdicionais acerca da morte de Francisco Sá Carneiro e de todos aqueles que o acompanhavam.»

Por outras e mais directas palavras: Bem desejava, bem tentei, fizemos e inventámos ao longo de mais de 30 anos o que era ideológica, política e religiosamente possível para que Sá Carneiro e comitiva não tivessem simplesmente morrido por causa da obstinação, inconsciência e neglicência temerária dos pilotos, mas os factos e o caralho do Cessna [MRS chama-lhes «o tempo»], mancomunados com os tribunais, não facilitaram.
// 
Três páginas de fezada delirante, sem uma linha acerca da saúde prévia da aeronave despenhada.
José Manuel Barata-Feyoautor de "O grande embuste | Camarate - Factos e Conveniências" [2013], que rotula de «dogma político» a tese de atentado, agora provedor do leitor do Público bem que ajudaria à sanidade da história se persuadisse o seu jornal a contrapor a devaneios tão estapafúrdios, como o de que hoje dá conta, um trabalho jornalístico sério acerca de aviação e sinistralidade aeronáutica.

Aquilo de Camarate
[1]   [2]
Etc.