sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Clara Ferreira Alves à boleia doutro morto

«Eis como me lembro dele. Uma casa, a minha. Em Lisboa. Um longo corredor cheio de estantes, e lá andava Eduardo Lourenço a cirandar à cata de livros.
Clara Ferreira Alves, sobre Eduardo Lourenço, in Expresso, 4/12/2020*
Nas Olimpíadas que consistem em aproveitar a ocasião do obituário para o exercício da auto-celebração e da afirmação de si próprio**, este “testemunho” de Clara Ferreira Alves fica em primeiro lugar no podium, triunfo tanto mais notável quanto os adversários à sua altura foram muitos e muito combativos. Não é de agora esta falta de pudor: sempre que morre alguém famoso e com obra, os amigos, os que o frequentaram, os que foram seus anfitriões, os que com ele partilharam momentos registados num álbum de vaidades e aspirações, manifestam toda a sua exuberância narcísica, esquecem a obra e reivindicam para si uma afinidade electiva com o notável, sem peceberem o quanto o eu é odioso.»