«O tempo foge. Passaram já quatro décadas sobre a morte de Sá Carneiro, naquela viela escura e fria de Camarate. O então primeiro-ministro teria hoje 86 anos. Isto é o que sabemos. Mas este texto é sobre incógnitas.
Noite cerrada, Dezembro frio. Tinha chegado da Faculdade de Direito. O telefone toca.
Francisco Brás de Oliveira, na altura accionista maioritário do jornal O Dia, que privava bastante com as cúpulas da área da AD, com voz cava: Nuno, aconteceu uma tragédia. O Francisco e o Adelino acabam de morrer num desastre de avião, aqui na Portela. Foi há minutos.
"Nacionalista revolucionário", eu não era nem um jovem de partidos, nem militava na área doutrinal de Sá Carneiro.
Mas tinha lá muitos amigos, muitas discussões, muitas noites à procura da luz.
[...]
Não tenho nenhuma certeza absoluta sobre o assunto, depois de ter visto e revisto tudo, publicado e por publicar. O Cessna parece não ter caído nem por falta de combustível, nem por problemas de motor, nem por excesso de peso, nem por qualquer falha dos seus sistemas, devido à idade do aparelho, ou à sua manutenção. Tudo indica que um qualquer engenho (ou série de engenhos) tenha eclodido a bordo.
[...]»
Diz ele que viu e reviu tudo.
Revejamos, então, a coisa do ponto de vista da avioneta.
Ó Nuno Rogeiro, por favor, respeite os leitores, não engode os incautos! Ao que o proselitismo, a devoção e a orfandade podem levar um homem geralmente bem informado e culturalmente bem apetrechado...
Leia e releia devagarinho, Nuno Rogeiro. Deixe-se de delírios. Ou então, nenhum acidente é acidente; proscreva-se o vocábulo e o conceito dos dicionários.
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«O pesar, que não me abandona enquanto cidadão, de a nossa democracia nunca ter podido, no plano jurisdicional, carrear dados probatórios bastantes para se provar se camarote, se Camarate foi acidente ou foi crime. Em Camarate pereceram, além de Francisco Sá Carneiro, Snu Abecassis, Adelino Amaro da Costa, Maria Manuela Amaro da Costa, António Patrício Gouveia, Alfredo de Sousa e Jorge Albuquerque. A derradeira decisão judicial elenca razões para não poder ser provado que tenha havido crime, mas também considera não haver prova bastante para concluir que tenha havido acidente.
Para quem acompanhou sucessivas comissões parlamentares de inquérito como representante da família de António Patrício Gouveia, lembrando sempre o corajoso Augusto Cid, e nessa qualidade concordou [ele, MRS] com as conclusões das últimas comissões no sentido de ter havido atentado, mesmo se não dirigido especificamente contra Francisco Sá Carneiro, é muito frustrante ter de admitir que o tempo acabou por não facilitar uma decisão jurisdicional com mais sedimentada base probatória. Qualquer que ela fosse, ter-me-ia aquietado mais como cidadão.»
«Uma última nota, sobre a sua morte. Acompanhei, representando a família de António Patrício Gouveia, várias comissões parlamentares de inquérito a Camarate. Formei uma convicção como cidadão, que mantenho, de que não se tratou de um acidente mas sim de um atentado, embora não dirigido necessariamente a Francisco Sá Carneiro. Tenho pena, como cidadão, de que a última decisão da justiça não tenha podido contar, por causa do tempo, com mais dados probatórios e, assim, essa última decisão tenha dito que não havia provas suficientes para apontar para o atentado mas não havia provas suficientes, também, para apontar para o acidente. Ficou por definir a verdade em termos jurisdicionais acerca da morte de Francisco Sá Carneiro e de todos aqueles que o acompanhavam.»
Marcelo Rebelo de Sousa depondo para o programa "Expresso da meia noite" | SIC Notícias, 04.Dez.2020
Por outras e mais directas palavras: Bem desejava, bem tentei, fizemos e inventámos ao longo de mais de 30 anos o que era ideológica, política e religiosamente possível para que Sá Carneiro e comitiva não tivessem simplesmente morrido por causa da obstinação, inconsciência e neglicência temerária dos pilotos, mas os factos e o caralho do Cessna [MRS chama-lhes «o tempo»], mancomunados com os tribunais, não facilitaram.
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Três páginas de fezada delirante, sem uma linha acerca da saúde prévia da aeronave despenhada.
José Manuel Barata-Feyo, autor de "O grande embuste | Camarate - Factos e Conveniências" [2013], que rotula de «dogma político» a tese de atentado, agora provedor do leitor do Público bem que ajudaria à sanidade da história se persuadisse o seu jornal a contrapor a devaneios tão estapafúrdios, como o de que hoje dá conta, um trabalho jornalístico sério acerca de aviação e sinistralidade aeronáutica.
A propósito, reavivo estes 20 minutos em que Barata-Feyo, jornalista probo e enxuto, enfrentou em 12.Mar.2013 um causídico religioso atormentado por devastadora perda de causa.