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quinta-feira, 7 de abril de 2022

Três trincos de truz*

Tolentino - Mourinho - Francisco
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* Nas coordenadas geográficas em que me calhou nascer e habitar, quem consegue compreender Humanidade sem Futebol?

domingo, 14 de junho de 2020

Prémio sem recheio? - Noticiário cultural

O "Prémio Europeu Helena Vaz da Silva" elege anualmente um cidadão da Europa que se tenha notabilizado na divulgação do património cultural. Foi instituído em 2013 pelo Centro Nacional de Cultura [CNC] em cooperação com a Europa Nostra e com o Clube Português de Imprensa.
Tem o apoio do Ministério da Cultura, da Fundação Calouste Gulbenkian e do Turismo de Portugal.
José Tolentino Mendonça, soube-se ontem, é o contemplado de 2020. Tratando-se de tão oleoso e conspícuo prelado, o cagarim festivo adivinhava-se intenso. E foi.

Numa momentânea perturbação racional do êxtase em que fiquei, acudiram-me as seguintes óbvias perguntas:
De que consta afinal o prémio? É só prestígio? Será que, com tantos cozinheiros e organizações a contribuir, não há por ali cacau? *
Fui ver, e comparar, como cada trombeteiro, dos sérios, de referência, noticiou:
CNC, pai do prémio.
Ecclesia, confraria de Tolentino.
Jornal da Madeira, donde Tolentino é.
Expresso  -  SIC, chafaricas de um dos jurados.
RTP  -  TVI
Etc.

Nada de nada, ninguém se deu ao cuidado de informar sobre o recheio do prémio.
Jornalismo psitacídeo [com excepções honrosas, as notícias que li seguem o guião da Lusa onde por sinal reina o, decerto sujeito simpático, molusco dos moluscos], desvertebrado, mandrião e incompetente, o que temos neste maravilhoso país.

Finalmente,  um arlequim a felicitar um pavão... É ou não é uma coisa linda?
Siga para bingo.
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* Ao cabo de mais de uma hora de exaspero a vasculhar, lá encontrei num cantinho envergonhado da República Portuguesa, em informação não datada [Julho de 2013, apurei]: 10.000 euros. Cacau.
Mas não contem a ninguém, que o senhor cardeal é criatura de extremo pudor.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

«Melhor ministro das Finanças de sempre»?

Com o semblante ortorrômbico e o sorriso trapezoidal que a distinguem, a doutora Ana Catarina Mendes, diligente turiferária de António Costa e presidente de turno do grupo parlamentar do Partido Socialista, resumindo a História e reduzindo a incorpóreas insignificâncias os nomes de, sei lá, Fontes Pereira de Melo, António de Oliveira Salazar, Hernâni Lopes ou António Sousa Franco, proclamou ontem, urbi et orbi, Mário Centeno como «o melhor ministro das Finanças de sempre».

Tendo presente que Centeno não nos informou de uma única razão para se demitir, tendo presente que será mesmo o melhor e está de boa saúde, tendo presente que é no contexto excepcionalmente crítico e difícil que vivemos que tão superior capacidade mais falta fará na governação do erário, mas não tendo presente a cenoura obscena de que toda a gente sabe*, pelos vistos menos ele, trago a etimologia da palavra «ministro» para achar que o doutor Mário Centeno, presuntivo e abnegado servidor da República, vale um peido. Cínico e hipócrita como os demais ... benfiquistas pasmados, algarvios** e outros.
Cumpridos cinco anos e meio de «contas certas» de que repetidamente se ufana, e nós agradecemos, ainda não afasto a possibilidade de o cagão Mário Centeno configurar de facto «um brilhante bluff»... 

«Obrigada, professor Mário Centeno, por todo o trabalho que fez, em nome de Portugal, pelos portugueses e pelas portuguesas.***»
Esta gente não presta.

Adenda
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Concordo com Luís Aguiar-Conraria.

** Por via de dúvidas preconceituosas, informo que sou pai de duas maravilhosas meninas que muito amo, Carolina e Júlia, netas de algarvios. 

quarta-feira, 25 de março de 2020

Relatório da virose

Quarta, 18 de Março
Com um bom discurso de João Oliveira, o Partido Comunista Português abstém-se no estado de emergência; a "Festa do Avante!" (ainda) não foi cancelada. Faz sentido.

1.ª Descontaminação das ruas de Bobadela, por José operário.

Quinta, 19
Dia do pai
A minha filha mais velha deu-me "A Sociedade do Cansaço", de Byung-Chul Han, de 2010, editado em Portugal em 2014, que começa deste modo, negrito meu:
«Cada época tem as a suas doenças paradigmáticas. Podemos, assim, dizer que existe uma época bacteriana que só durou, porém, quando muito, até à descoberta dos antibióticos. Apesar do medo descomunal de uma pandemia gripal, não vivemos presentemente na época viral. Graças ao desenvolvimento da técnica imunológica, já a conseguimos ultrapassar. [...]» - Página 9 
Se calhar piou cedo demais. *

«Quando se tratam de casos isolados, obviamente tudo se torna mais complicado. Até agora já assegurámos o repatriamento de cerca de 408 portugueses vindos de mais de quatro continentes.» -António Costa
Nada como um primeiro-ministro rigoroso e exacto. Ficamos mais descansados.
Já agora, «se trata de casos isolados», s.f.f.

Sábado, 21
Dia Mundial da Poesia
Não me atrevo a dizer que José Jorge Letria é melhor poeta do que Manuel Alegre. Não nutrindo especial estima por qualquer deles — tenho-lhes a poesia por igualmente sofrível e a eles por diversamente videirinhos —, acho que os versos de JJL, "A vida triunfa em casa", dão uma cabazada de qualidade e de carpintaria aos do impante cagão de Águeda, "Lisboa ainda". Do poema do Letria ninguém falou; as redes emprenharam com o do Alegre. É do share.

«[...] Vivemos a céu aberto como garimpeiros depois dos aluviões [...]»
Alguém avise sua eminência reverendíssima de que aluvião é um substantivo feminino. 

Assisti na RTP 2 a "Linhas Tortas", financiado pelo ICA, produzido por Paulo Branco, escrito por Carmo Afonso, realizado por Rita Nunes, com cameo da guionista acompanhada de Fernanda Câncio na plateia, felizes. 
A advogada Carmo Afonso, autora da história, que até nem escreve mal, veste António Almeida, protagonista, de escritor e jornalista. É em tal conformidade e tendo em conta a porrada de gente culta envolvida na urdidura da fita que se torna indesculpável aquele «Tenho de ir Luísa» sem a obrigatória vírgula na Luísa. Cambada de disléxicos!
Nunca falha. O putedo é coeso e solidário, raramente deslassa. Comem e dançam nos mesmos sítios.**

Domingo, 22
«nossas desculpas», o caralho!

Terça, 24
«Sei que isto não é apenas geracional, é também “de grupo”, mas a mim, quando estou distraído e oiço “segundo a DGS”, toca-me ainda uma certa “campaínha” histórica.»
Com tantos e lustrosos leitores, espanta que ainda ninguém tenha alertado o doutor Francisco Seixas da Costa para o acento espúrio com que de há muito faz tinir as campainhas.

Entre as 15h11 e as 15h15, durante exactamente 3 minutos e 54 segundos, a CMTV, a propósito da Covid-19, manteve em oráculo «2362 mortos em Portugal».
Tratava-se, claro, do número de infectados - mortos eram 33, mas insistiram sem corrigir. Distracção e incompetência intoleráveis. Mesmo sem querer, a CMTV não engana: sangue e morte pecarão sempre por defeito.

Quarta, 25
2.ª Descontaminação das ruas de Bobadela, pela Senhora da limpeza.

Entretanto, o doutor André Gonçalves Pereira, falecido em 09.Set.2019, continua a pontificar no Conselho Consultivo do Público e o doutor Miguel Esteves Cardoso, casado com Maria João Pinheiro há 20 anos, continua a viver com a Maria João «há quase 13 anos».

É do corona.
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* Acompanhemos Byung-Chul Han:
«[...]
Na China e noutros Estados asiáticos como a Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Taiwan e Japão, não existe uma consciência crítica diante da vigilância digital e do big data. A digitalização embriaga-os directamente. Isso obedece também a um motivo cultural. Na Ásia impera o colectivismo. Não há um individualismo acentuado. O individualismo não é a mesma coisa que o egoísmo, que evidentemente também está muito propagado na Ásia.
Ao que parece o big data é mais eficaz para combater o vírus do que os absurdos fechamentos de fronteiras que hoje estão a ser feitos na Europa. Graças à protecção de dados, entretanto, não é possível na Europa um combate digital do vírus comparável ao asiático. Os fornecedores chineses de telemóveis e de Internet compartilham os dados sensíveis de seus clientes com os serviços de segurança e com os ministérios de saúde. O Estado sabe, portanto, onde estou, com quem me encontro, o que faço, o que procuro, em que penso, o que como, o que compro, aonde me dirijo. É possível que no futuro o Estado controle também a temperatura corporal, o peso, o nível de açúcar no sangue, etc. Uma biopolítica digital que acompanha a psicopolítica digital que controla activamente as pessoas. [...]
Na verdade, vivemos durante muito tempo sem inimigos. A Guerra Fria terminou há muito tempo. Ultimamente até o terrorismo islâmico parecia ter-se deslocado para áreas distantes. Há exactamente dez anos sustentei no meu ensaio "Sociedade do Cansaço" a tese de que vivemos numa época em que o paradigma imunológico perdeu a sua vigência, baseada na negatividade do inimigo. Como nos tempos da Guerra Fria, a sociedade organizada imunologicamente caracteriza-se por viver cercada de fronteiras e de vedações que impedem a circulação acelerada de mercadorias e de capital. A globalização suprime todos esses limites imunitários para dar caminho livre ao capital. Até mesmo a promiscuidade e a permissividade generalizadas, que hoje se propagam por todos os âmbitos vitais, eliminam a negatividade do desconhecido e do inimigo. Os perigos não espreitam hoje da negatividade do inimigo, e sim do excesso de positividade, que se expressa como excesso de rendimento, excesso de produção e excesso de comunicação. A negatividade do inimigo não tem lugar na nossa sociedade ilimitadamente permissiva. A repressão a cargo de outros abre espaço à depressão, a exploração por outros abre espaço à auto-exploração voluntária e à auto-optimização. Na sociedade do rendimento guerreia-se sobretudo contra si mesmo. [...]
O vírus não vencerá o capitalismo. A revolução viral não chegará a ocorrer. Nenhum vírus é capaz de fazer a revolução. O vírus isola-nos e individualiza-nos. Não gera nenhum sentimento colectivo forte. De alguma maneira, cada um preocupa-se somente com a sua própria sobrevivência. A solidariedade que consiste em guardar distâncias mútuas não é uma solidariedade que permita sonhar com uma sociedade diferente, mais pacífica, mais justa. Não podemos deixar a revolução nas mãos do vírus. Precisamos de acreditar que após o vírus virá uma revolução humana. Somos NÓS, PESSOAS dotadas de RAZÃO, que precisamos de repensar e de restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e também a nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvarmos, para salvar o clima e o nosso belo planeta.»
"A emergência viral e o mundo de amanhã" | El País, 22.Mar.2020

** A propósito e a despropósito, faz hoje dois anos...
Aqui se repristina o memorial.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

O inefável e escorregadio Tolentino

«[...] Lá vi então José Tolentino Calaça de Mendonça a desfilar pela internet, vestes cardinalícias, sorriso de orelha a orelha, recebendo o beija-mãos dos seus patrícios, rodeado de padrecas e de autarcas todos impantes de importância, sob o olhar embevecido da mãe e perante a velha espinha dobrada do povo miúdo, ele todo mesuras, ares de santidade e gestos de sábio em câmara lenta. [...]»

«[...] um alto representante da Igreja que arrebata almas e corações de crentes, intelectuais e gente que se arrebata nas coisas da poesia e da espiritualidade. [...]» 

Com fala e ar seráficos característicos do clero católico que sabe tudo, e ensina, sobre amor e sexo,  pouco ou nada fornicando, o poeta, ensaísta, romancista, guionista, teólogo, biblista, conferencista, professor doutor e antigo vice-reitor da Universidade Católica, hoje cardeal, José Tolentino Mendonça é um dos cinco portugueses de que não consta, não se diz, não se ouve, não se vê, não se escreve o mais ínfimo defeito, a mais tímida reserva, o mais leve reparo. É um enaltecido e mui agraciado consenso nacional.*
Neste momento, não consigo lembrar-me dos nomes dos outros quatro.
Sigo-o e aprecio-lhe a lira vai para 20 anos.
Matricialmente forjado nas fundas e obscuras berças do vicariato madeirense retrógrado** [perdoe-me, leitor paciente, a saturação pleonástica], leu entretanto muito, frequentou e profissionalizou-se no sinédrio dos autores amados pelos crentes e não-crentes lisboetas aculturados na capela do Rato. Sem dúvida um homem sensível, esperto e espiritualmente vasto, artífice de escrita enfeitiçante, o padre Tolentino tornou-se cosmopolita e fez-se transversal, um intelectual de ampla notoriedade pública, mas sempre fujão, como o diabo da cruz, de qualquer concreta escolha política. Humanismo cristão? Como é particular amigo, lá de casa, de Assunção Cristas, André Ventura, Maria João Avillez, Laurinda Alves, Helena Sacadura Cabral..., se calhar é isso. Mas a gelatina lumbricóide é que não lhe sai do molde. 

* Tive de ir ao inferno, à Maria D'Aljubarrota, para encontrar um rumor desalinhado do uníssono bovino.
** «A celebração [graduação em bispo, Jerónimos, 28.Jul.2018] foi presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e teve como bispos co-ordenantes o cardeal D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, e D. Teodoro de Faria, bispo emérito do Funchal.»

Tolentino não é propriamente fiável. Às vezes disparata alarvemente, como, por exemplo, no texto ensaístico que co-assinou com Alfredo Teixeira no Expresso de 06.Mai.2017, "Fátima, um estado de arte", em que se discorre sobre a relevância de Fátima na "Viagem a Portugal"***, de José Saramago, fazendo errónea e recorrentemente crer que o livro é de 1995 e contextualizando socialmente o fenómeno desde 1995. Ora, de 1995 é a 23.ª edição da obra, primeira sob chancela da Caminho, que li em 1981 — 14 anos antes! —, ano em que saiu a 1.ª edição - Círculo de Leitores.
...
Da Batalha eu fui a Fátima
Onde a fé vive bem mais

Só a fé poderá salvar Fátima., escreveu José Saramago [página E|30], sim, mas em 1981, não em 1995.
Reconhecendo pertinência na decepção que a feiura evidente do recinto causou em Saramago, os autores do ensaio — padre Tolentino e teólogo Teixeira, docente na universidade de que o primeiro era vice-reitor — tecem loas ao incremento arquitectónico e estético, operado de 1995 para cá [muita e boa arte, uma moderníssima e bela nova basílica, concordo]. Já quanto ao imenso, obsceno e insaciável comércio de bugiganga, promessas e esmolas, praticado ou patrocinado pelo santuário, nem um pio. O móbil da Católica é dinheiro, o móbil de Fátima é dinheiro e nisso, manda a prudência do suc€$$o, não se toca que pode espantar os fiéis. A Educação e a Fé são os melhores escudos do negócio.
Cabe, assim, pôr aqui frases inteiras da passagem de Saramago, o viajante, pela Cova da Iria, em 1981, negrito meu, de que Tolentino e Teixeira fugiram a sete pés:
«[...] O viajante, que é impenitente racionalista, mas que nesta viagem já muitas vezes se emocionou por causa de crenças que não partilha, gostaria de poder comover-se também aqui. Retira-se sem culpas. E vai protestando um pouco de indignação, um pouco de mágoa, um pouco de enfado diante do estendal de comércio das inúmeras lojinhas que aos milhões, vendem medalhas, rosários, crucifixos, miniaturas do santuário, reproduções mínimas e máximas da Virgem. O viajante é, no final das contas, um homem religiosíssimo: já em Assis o escandalizara o negócio sacro e frio que os frades agenciam por trás dos balcões. [...]»
De resto, Saramago ainda foi bondoso com a reitoria do santuário ao deixar no tinteiro a proliferação pantagruélica dos sorvedouros de esmolas, o mercado de promessas e o mastodôntico negócio da queima de cera.
E a coisa — ainda há três dias lá estive; relembro que o Plúvio é devoto de Fátima — não pára de inchar, inchar, inchar.
Conte o leitor as vezes que a palavra «euro» entra nesta notícia recente, com percentagens várias e muitos milhões, caucionada pela directora de comunicação do Santuário de Fátima, Carmo Rodeia.
Ora bem: zero, Ave Maria, cheia de graça...
Enfim, letra de José Tolentino Mendonça, música de outro Gil, João.
//
E que tal a gramática de Tolentino?
Tem dias. Aí vai, por amostra, um punhado de merdas colhidas desde 2013 na página do insigne e purpurado colunista do Expresso, "Que coisa são as nuvens". 

Uma alma caridosa explique a sua excelsa e doutorada eminência que áurea por aura é erro grosso:
«foram despojados da sua áurea»
«com a áurea acrescida trazida pelo uso»
«esta mulher, sem áurea de letrada»
«Quando progressivamente as estradas se foram colonizando pelo tráfico automóvel»
tráfego automóvel, foda-se!

«com os seus sofrimentos, os seus revezes»
revezes é feminino e nada tem a ver com os reveses a que Tolentino alude.

«Veja-se, por exemplo, o ênfase simbólico que tem sido dado»
a ênfase, raios!

«novos interfaces tecnológicos»

«Quanto muito, e por uma condescendência especial»
«Quanto muito tem crescido o voyeurismo que sobrevoa a existência alheia»
quando muito, se não se importa.

«As personagens do mundo homérico são, sem dúvida, melhor descritas.»

«Quem não sabe parar, não sabe viver»
«connosco mesmos e com os outros»
vírgula proibida / connosco e com os outros

«Jantava, lavava a louça e colocava-se a escrever
Abrenúncio!

«a morte iniciava a rondar-lhe os passos» 
Abstruso.

«Ao que parece, durante anos, o compositor John Cage sondou a possibilidade de elaborar uma obra completamente silenciosa, mas impedia-o duas coisas: [...] Contudo, encorajado pelas experiências que se realizavam já nas artes visuais, construiu a sua peça intitulada 4’33’’»
impediam-no duas coisas

«Saímos e regressamos de casa»
regressamos a casa

«À medida que fazemos a experiência deste lugar deixamos de saber se os longos trechos de caminho de floresta nos preparam para contemplar as obras artísticas ou se o encontro com estas inicia-nos, finalmente, num contacto verdadeiro com a natureza.»
ou se o encontro com estas nos inicia

«O mais provável é que tenham perecido a uma doença»
perecido de uma doença

«Aquilo que Durkheim chamava "as formas elementares" do fenómeno religioso podem encontrar-se, sem grandes contorcionismos simbólicos, no entusiasmo colectivo que o desporto-rei desperta.»
aquilo ... pode encontrar-se

«O pássaro domesticado vivia na gaiola e, o pássaro livre, na floresta […]
Meu amor voemos para o bosque»
Terá sido por esta tradução ou por esta, ambas brasileiras, que Tolentino se conduziu. Adaptou uma ou outra frase, como «Vem antes ter aqui comigo» ou «não podiam voar alinhando as suas asas», cumpliciando-se desleixadamente na pontuação desastrosa. Deixasse-se guiar por esta tradução, igualmente brasileira, e não se espalharia tanto. Ou então, o mais avisado, traduzisse ele.
Senão, veja-se a versão inglesa do próprio Rabindranath Tagore [07.Mai.1861-07.Ago.1941], Nobel da Literatura em 1913:
«[...]
The tame bird was in a cage, the free bird was in the forest.
They met when the time came, it was a decree of fate.
The free bird cries, "O my love, let us fly to wood."
[...]» 

Só mais uma, doutra monta. 
O hábito de o ler diz-me que Tolentino é artista na ocultação das gárgulas de que bebe.
«[…]
No pólo oposto, o poeta Rainer Maria Rilke ajuda-nos a pensar a ideia de aberto**** como projecto. E o aberto o que é? É a possibilidade de cada um viver em abertura fecunda ao real, resumida assim: "A nossa tarefa consiste em impregnar esta terra, provisória e perecível, tão profundamente em nosso espírito, com tanta paixão e paciência que a sua essência ressuscita em nós o invisível."
[…]»

**** «O termo “Aberto” foi criado por Rilke para exprimir essa abertura do ser para a vivência fecunda do real.»
- Nota de Alexandre Bonafim Felizardo, da USP (Universidade de São Paulo), no artigo "Dora Ferreira da Silva, leitora de Rainer Maria Rilke: aspectos intertextuais", publicado na revista "FronteiraZ"***** n.º 5, de Agosto de 2010, pp 156-165, isolado aqui. No mesmo artigo escreve ABF: 
«[…]
Esse trabalho transmuta as coisas, torna-as interiores a si mesmas e a nós, torna-as invisíveis. Conforme as palavras do próprio Rilke: “A nossa tarefa consiste em impregnar essa terra, provisória e perecível, tão profundamente em nosso espírito, com tanta paixão e paciência que a sua essência ressuscite em nós o invisível.” (Rilke apud Blanchot, 1987, p. 138). 
[…]»
***** Da PUC-SP [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]
Nota
Ao matreiro Tolentino, escondendo do leitor do Expresso que trasladou do brasileiro, escapou que em português europeu teria de ser «no nosso espírito».
E mesmo dando de barato que, no contexto da citação de Rilke, o conjuntivo «ressuscite em nós o invisível» do Felizardo faz mais sentido do que o indicativo do «ressuscita em nós o invisível» do Tolentino, ainda assim a ideia da ressurreição d' o invisível continuava a soar um tudo-nada aberrante. Como não sei alemão [«Unsere Aufgabe ist es, diese vorläufige, hinfällige Erde uns so tief, so leidend und leidenschaftlich einzuprägen, daß ihr Wesen in uns "unsichtbar" wieder aufersteht.» - Rainer Maria Rilke, 13.Nov.1925] e não tenho mais nada que fazer, guglei. E não é que no suplemento "Vida literária" do Diário de Lisboa de 06.Jul.1961 António Ramos Rosa, falando de Herberto Helder, citava a mesma passagem rilkeana, aqui, sim, com fraseado convincente?
«A nossa tarefa é impregnar esta terra provisória e perecível tão profundamente no nosso espírito, e com tanta paixão e paciência, que a sua essência ressuscite em nós invisível.»
Que lhe parece, senhor padre arcebispo cardeal, etc. e tal?

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Tavares, Ventura, Saraiva, Tolentino e o mais

Faz três semanas, penitenciei-me por em Maio passado ter votado no doutor Rui Tavares para Estrasburgo. Lembrar isso ainda me envergonha. 
O historiador Rui Tavares, que por também tocar trombone e a mulher flauta e saxofone me suscitava vaga simpatia, revelou-se-me na recente campanha das legislativas, com Joacine Katar Moreira no andor, um pantomineiro tão cínico, oportunista e demagogo como qualquer pantomineiro cínico, oportunista e demagogo usa ser. O topete eleiçoeiro de RT culminou no "Acabou-se a sorte", em que no Público de 09.Out.2019 se queixa, calimero sem dinheiro para outdoors, e esperneia e dispara contra o dr. Pedro Passos Coelho, presuntivo pai político do professor doutor André Claro Amaral Ventura, sem nunca lhe mencionar o nome — isso não lhe fica bem, ó Rui Tavares —, que ao ser eleito, tão democraticamente como a sua criatura Joacine, já agora com mais 10654 votos globais do que o Livre obteve, vai encharcar de peçonha o Palácio de S. Bento e trazer o apocalipse à República Portuguesa. 
Pego nestes nacos:
«[...] Mas agora apareceu um fala-barato um bocadinho mais organizado — ou, nas palavras de um dos seus antecessores mais azarados e azedos*, “um oportunista levado ao colo pela comunicação social, cheio de dinheiro, com outdoors em todo o país”, e eis que a extrema-direita entra no parlamento português. [...]
Chama-se Pedro Passos Coelho. Foi primeiro-ministro do nosso país e presidente do PSD. Foi ele quem chamou um então advogado e comentador desportivo para ser candidato do seu partido à Câmara de Loures nas últimas autárquicas. [...]»
Será da minha presbiopia mas não me lembro de nenhum outro partido como o Livre, para não falar da própria pessoa de RT, com os sucessivos resultados pífios nas eleições em que se envolveu, que no último lustro, desde a fundação, tenha tido e continue a ter tanto colo na comunicação social (RTP, SIC, TVI, Canal Q, Público, Diário de Notícias, Expresso...), não falando da matilha urbanoesquerdóide de plumitivos invariavelmente baptizados no Lux Frágil que em todas as redes o apaparicam e promovem. Pelo amor da santa, senhor doutor! Tenha decoro.
E para que conste, ilustre historiador, «então advogado» coisa nenhuma: André Ventura, jurista mas não, sequer «então» (2017), advogado. Limitou-se a um estágio em advocacia, em 2006/2007, sem seguimento profissional.**

É em tal entendimento que subscrevo, palavra por palavra, o que José António Saraiva escreve no Sol de ontem, 19.Out.2019, "A gaguês como arma política", acerca de Rui Tavares e da candidatura da doutora Joacine Katar Moreira.
De resto, quero que o doutor Rui Tavares se foda. E continuarei, como sempre, atento ao que ele, e todos os outros, fazem, escrevem, dizem.

Por falar em Joacine, dei-me ao exercício estóico de escutar os 27 minutos sem gaguejos — aleluia! — do chorrilho de banalidades com que, em 4 de Outubro corrente, no Auditório Camões, em Lisboa, ela encerrou a campanha, «unidos e unidas naquilo que nos une, todos e todas», rematado com a quinta-essência da hinologia contemporânea, "O sem precedente", pelo Fado Bicha
André e. Teodósio, paneleiro estimável de que falei "Na morte de um taberneiro bem sucedido", chamou aos tais 27 minutos, com ponto de exclamação e sem pagar multa,
Ó Teodósio, pá, que conheces tu de discursos, de história, ou de política em Portugal? Que sabes tu de Portugal?
Ora coteja aí a Joacine com, por exemplo, um ao calhas, Jorge de Sena na Guarda, no "10 de Junho" de 1977. Que tal?
Lê, pá, sai do palco e vai ler, que no «século XXII» — em que a tua Joacine, foi ela que o proclamou, vai ser deputada — ainda não há nada que se aprenda.***
______________________________________________
* Outro de que Rui Tavares, arrogante e mal-criado, também não diz o nome:

** Não gosto nem gasto de André Ventura, conto tê-lo dado a entender aqui. Conheço-o razoavelmente pelas publicações na imprensa; cruzámo-nos uma vez, nas autárquicas de 2017, numa tarde em que andou na Bobadela-Loures a apregoar-se. Ripostei o passou-bem que, simpático e delicado, pediu autorização para me dar — «Posso cumprimentá-lo?» —, e disse-lhe «Obrigado.» pelas duas esferográficas de caca que me ofereceu com a inscrição «primeiro Loures». Votei CDU, relembro. Pelo clarinete. Mas não vá o prestígio do Plúvio ter acabado de cair na desonra, declaro já por minha honra que não senti necessidade de lavar as mãos a seguir.
Enfim, conviria conhecer um pouco melhor, começando talvez pelas competências, currículo escolar e profissional, o agora deputado André Ventura antes de excretar, com a voz iluminada pela ignorância, os lugares-comuns e os estereótipos do susto fascista.
Quero crer em que a alguns desses não ou mal informados [ocorrem-me, além de Rui Tavares, Ricardo Araújo Pereira***, Daniel Oliveira, Isabel Moreira, Joana Gorjão Henriques, Vasco M. Barreto, Pedro Marques Lopes, Inês Pedrosa, Carmo Afonso, Ana Matos Pires...] causará surpresa, por exemplo, a ligação de André Ventura ao inefável, escorregadio e ubíquo José Tolentino Mendonça**** ou certos aspectos pouco conhecidos da sua vida e do seu pensamento.

*** Mas deixem-me, por 22 segundos, imaginar o século XXII de Rui Tavares e de Joacine Katar Moreira. Uma sociedade 100% inclusiva em que os anósmicos fabricarão perfumes, os disgeusíacos chefiarão as cozinhas e escolherão os vinhos, só a bicheza e o fufedo procriarão, todos os amblíopes serão neurocirurgiões, os amputados tocarão guitarra e praticarão pentatlo moderno...; e, claro, um parlamento 100% inclusivo: 230 deputados exclusivamente afrodescendentes, boémios, sino-ameríndios, esquimós, monhés e algarvios. Nessa altura o hino nacional será "O-SEM-PRECEDENTE". Isto, se entretanto os netos de Cristina Ferreira não tiverem revogado a Constituição e reconfigurado as fronteiras.   

**** Então não é que o Ricardo esteve com a Joacine no matrimónio da Bárbara, catequista dela***** [vê-se no que deu a catequese: activista radical, feminista radical, antifascista radical, anti-racista radical, pró-LGBTuvwxyz radical, preta radical, ruitavarista radical, gaga radical] ... celebrado por quem, por quem? O Tolentino, tinha de ser. Isto anda tudo ligado:
«[...]
- Ó mãe, como é que nunca nos disseste que a Joacine é gaga?
Joacine Katar Moreira: uma activista negra a caminho do Parlamento?
- Como é que vocês sabem?
- Esteve no Ricardo.
“No Ricardo” é o programa Gente Que não Sabe Estar, por onde passaram tantos candidatos e políticos nos últimos tempos para conversar com Ricardo Araújo Pereira, na TVI.
- Que engraçado! A Joacine e o Ricardo nem sabem que já se tinham cruzado antes na vida, foi no nosso casamento... Sabiam que o padre Tolentino vai ser ordenado cardeal? 
- Ó mãe, isso agora não interessa nada! Como é que nunca nos disseste que é gaga?
A pergunta intriga-me. O que lhes terei dito sobre a então candidata do Livre, hoje deputada eleita à Assembleia da República? Conheci-a há mais de 20 anos, era ela adolescente e dei-lhe catequese. Quando a vi nos cartazes, comentei-o com os meus filhos e disse-lhes que então Joacine tinha longas tranças e que já era alta e bonita como é agora. Mantém os mesmos olhos curiosos, mas também desafiadores.
[...]»
O Tolentino tem cá uns groupies — Assunção Cristas,  Laurinda Alves,  Maria João Avillez,  André Ventura ... —  que não sei se diga, se conte. 

***** [Cinco asteriscos, caralho!******]  Com esta é que a Fernanda Câncio, laica e ateia radical militante, se passa; logo ela que ama com efusão a Joacine. Mas como também adora o Conan, a coisa pode ser que se componha.

****** Isto é, apre!

Foi assim.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Tolentino, o gato que rosna e outras inquietações

"Desassossego" é um programa da RTP 2 em que Maria João Seixas [MJS], que gagueja mil vezes melhor do que a dra. Joacine — heroína de «O sem precedente», coisa inenarravelmente pretensiosa, desconchavada, oportunista e mal escrita* — conversa aos serões de domingo com um convidado.
No primeiro episódio, em 22.Set.2019, compareceu o arcebispo de Suava, José Tolentino Mendonça [JTM], que receberá em Roma a púrpura cardinalícia** no próximo sábado, 5 de Outubro
Conversa de crentes.
MJS- Eu gostava de ser imortal.
JTM- Mas a Maria João é imortal.
MJS- Ó meu amigo!...
...
JTM- Eu lembro-me ... quando morreu o meu pai ... e lembro-me de um gato ter vindo rosnar*** aos meus pés e aquietar-se ali.

Morte por morte, interrogação por interrogação, gostei mais da conversa com José Pedro Serra [JPS]:
JPS- Mortes para as diversas ilusões ... Aprendizagem de um despojamento interior ... Mas este discurso sobre o despojamento pode ainda ser uma máscara de grande vaidade ... A ressonância autêntica de tudo isto dá-se interiormente ... Há aqui uma aprendizagem difícil ... Isso é magnífico para mim, faz parte da tal glória. 
MJS- Eu é mais Glória a Deus nas alturas...
...
JPS- Quem somos? ... Quem é Deus? ... O que morre, quem morre, quando morremos? ... Quem, afinal, eu sou? Eu não sei.

Nem eu.
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* Ao ver a linda figura que Rui Tavares faz neste bordel inclusivo receio bem que os deuses me não desculpem de em 26 de Maio último ter votado nele para o Parlamento Europeu. Debalde, aliás.

** Mais um panasca na Cúria?

*** Na minha terra rosnam os cães e os felinos ronronam.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Cartilagíneos

O cartilagíneo reina no habitat psicanalítico e psicológico* e abunda no mundo político e da politicologia, eclesiástico, comunicacional e artístico.
O cartilagíneo funciona no óbvio previsível. O cartilagíneo não surpreende.
O cartilagíneo não afronta. O cartilagíneo só excepcionalmente confronta. O cartilagíneo não arrisca o prestígio. O cartilagíneo não tem esquinas. O cartilagíneo opina em círculo. O cartilagíneo discorda suavemente. O cartilagíneo tende para o consenso dos contrários. O cartilagíneo e a volubilidade não constituem contradição. O cartilagíneo é mestre no pino e no surf.
O cartilagíneo preza quem lhe paga.
O cartilagíneo ri com facilidade e é publicamente cordato.
Enfim, o cartilagíneo respira e sobrevive eloquentemente no condicional: raramente diz, quase sempre diria; não faz, habitualmente faria; não vai, iria.

Amostra aleatória, falível e subjectiva, de notórios cartilagíneos portugueses que reúnem um mínimo de cerca de seis dos critérios ontogénicos atrás inventariados e definidos pela escala pluvioponderada em muitos anos de observação distraída e atenta:
Não considerei espécimes da área psi, subsumida por cartilagineidade matricial. Psicanalista cartilagíneo, psiquiatra cartilagíneo, psicólogo cartilagíneo, tautologias. Tome-se para exemplo o xarope Júlio Machado Vaz.  

Marcelo Rebelo de Sousa, presidente-arlequim, Cartilaginius rex**. Indestronável. Observemo-lo:
«Ora bom, eu diria só duas coisas: a primeira é a de que — sic, à Pinto da Costa e à Marques Lopes  foi muito útil e importante […]. A segunda observação que eu faria é esta: [...]» 
Marcelo foi sempre assim.

Já a biruta lombricóide*** pertence a um subgrupo dos cartilagíneos, muito populoso, para que agora não tenho tempo.

Com todo o respeito. 
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** Agradeço ao Eremita a formulação taxonómica.

*** Sei de uma lombriga condenada a pena efectiva de três meses de prisão de ventre. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Caixão às voltas na cidade

Dois dias nisto, até um cadáver se cansa.

Lisboa, terça-feira, 10 de Janeiro de 2017:
14h26, Praça Afonso de Albuquerque. Alberta Marques Fernandes tropeça numa interrupção cleptorrágica da unanimidade laudatória. *

16h12, Praça São João Bosco. Coro de tragédia grega com o ponto fora da caixa. «Ele lutou pela ditadura e sofreu por isso.»

16h15, Praça São João Bosco. «Vim pelos cavalos. Adoro ver a Guarda Republicana!» **

Não vi no cemitério nem o doutor Eduardo Lourenço nem o padre Tolentino que costumam ir a todas. Admito que o senhor de barbas possa ter-se deslocado ali em representação de ambos.
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* Miserável de mim se não estivesse educado na dissonância. Oiça-se por exemplo este José que, já agora, se me afigura bem mais instruído e informado do que o homem da Praça Afonso de Albuquerque.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Recomendação ao senhor padre poeta comendador Tolentino

Ponha os professores e alunos da universidade de que é vice-reitor, mormente dos cursos de Economia, Gestão, Marketing e Direito, a ler, a reflectir e a debater sobre as últimas 10 linhas de "Os inimputáveis", crónica de Miguel Sousa Tavares no Expresso de 09.Abr.2016.

Isso mesmo: ganância, escrúpulo, ética.
Semana sim, semana sim, sabatina na Católica. Para aquilatar o avanço das consciências. Alguns irão para o governo, muitos para o empresariado.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O que sei de Deus

Nunca me cansará o espanto com que ouço as pessoas falar de Deus, blindadas de convicção quando não de certeza absoluta. O que certas pessoas sabem e dizem de Deus, deuses meus! Sabem o que Deus é e conseguem até saber o que Deus não é. Como sabem? Sabe-se lá.

Por exemplo, o senhor padre Tolentino: 
«[…]
É verdade que não sabemos a forma de Deus. Tanto crentes como não-crentes, bebemos o silêncio de Deus nas próprias mãos. Deus não é manipulável, domesticável por discursos e representações. A tradição bíblica, quer judaica quer cristã, é muito escrupulosa em manter a indizibilidade de Deus. Porque perguntas o meu nome?, respondeu Deus ao pedido feito pelo patriarca Jacob para que se autonomeasse (Gen 32,30). Deus escapa-nos, é sempre Outro, ultrapassa o que possamos conhecer dele. Deus é Deus e isso coloca-nos perante uma realidade radicalmente outra. A experiência crente constrói-se por isso, não raro, num intransigente e ardente oximoro, que é a sua figura por excelência: uma plenitude feita de vazio, um brilho que emerge às escuras, a palavra tornada carne.
Digo muitas vezes que, sobre Deus, faz-nos bem a nós crentes escutar os não-crentes.*
[…]
O que é que distingue a experiência crente? Talvez apenas isto: compreender que somos procurados, que a nossa fome de verdade é já encontro, que a nossa carência de absoluto é já contacto com o infinito. Quando falamos sobre Deus damos razão à frase do “D. Quixote” que garante: não é a estalagem quem mais nos ensina, mas sim a estrada.»
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* Deixa cá, pois, escutar-me.
- Que pensas, Plúvio, do siderante silêncio de Deus? 
- … nhã nhã nhã … rebéu béu … de modo que … se calhar … Há uma intuição rebelde que me sugere que Deus, desesperada e prodigiosa invenção — com barbas e um feitio dos diabos — do Homem, fala ou cala-se conforme o Homem queira ou ao Homem apeteça. Como se o Homem fosse o ventríloquo e Deus o seu sublime, ínscio, oco e amorfo boneco. Depois … nhã nhã nhã … temos Bach, António Carlos Jobim, a ciência, este gajo e essas coisas todas. 
Talvez, não sei. Mas há quem saiba.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Escrúpulo, ganância

«Aviso: este texto é chato, mas às vezes acontece. 
O que têm em comum os escândalos do BES, PT, BPN, BPP? A total ausência de ética. Ou então uma ética marcada por valores morais que não aqueles que aceitamos como normais.
O BES caiu por razões diferentes do BPN, do BPP ou mesmo da PT. Mas se espremermos bem as trafulhices, os roubos, as falcatruas e as mentiras ficamos, no fundo do ralo, com o refugo do pior comportamento humano.
A economia mundial está cheia de exemplos parecidos onde a falta de escrúpulos deitou por terra instituições inteiras. Infligindo em milhares de pessoas perdas e danos consideráveis. E não estou só a falar de questões monetárias. Pelo caminho ficaram destruídas vidas e sonhos só porque alguém se achava superior e intocável.
[…]
ficamos a saber que mascarar, mentir, esconder, roubar são comportamentos normais nos mais variados espectros do mundo dos negócios.
Mas não exclusivamente.
[…]
Ser hoje a favor de uma coisa e amanhã do seu contrário faz, por exemplo, parte do jogo político. E aceitamos isso com um encolher de ombros. Aceitamos que Passos Coelho diga o pior do programa do PS para depois acabar por o elogiar e defender algumas propostas. Aceitamos que António Costa negoceie com uma esquerda que ele desdenha e com a qual nunca se irá entender. Aceitamos que Jerónimo de Sousa finja que tolera a NATO e que Catarina Martins venha defender o euro, algo que nunca fez. Deitamos fora a ética a favor de um bem maior. Só que neste caso o bem maior é apenas o deles. O do poder. O da mera sobrevivência do ego.»

Isso, João, é isso.
Só falta a concordância pública do inefável reverendo Tolentino, vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa. E talvez o mundo melhore. Um tudo-nada.