domingo, 31 de maio de 2015

etc.

éter... ups! heterossexualidade mulher queerstudies biologia identidade sionismo teoriaqueer críticagenealógica judeicidade gene género performatividade palestina lésbica  heteronormatividade opressão homem essencialismo sexo homossexualidade violência corpo dragqueen israel genderstudies ontologiasexual feminismo hormona parentalidade natureza gay vice-versa reciprocamente éter… ups! etc.

«[…]
Judith Butler empreendeu assim uma radical desconstrução da ontologia sexual, a partir de Derrida. A sua difícil tarefa consistiu em pensar simultaneamente o feminino e a subversão da identidade, em fazer uma crítica do feminismo clássico (que reivindicava a categoria da “mulher”, cujo fundamento sempre tinha funcionado como o factor fundamental de opressão) sem passar para um pós-feminismo que de um modo geral se situa no campo bem comportado da “naturalidade” do sexo em relação ao género.
[…]»
JB responde a 10 perguntas que AG lhe mandou por e-mail.

Destino, maneiras de o ler

«Num artigo publicado neste jornal a 24 de Maio (Eduardo Lourenço - a crítica como dever), celebrando os 92 anos de Eduardo Lourenço [29.Mai.1923], Guilherme d' Oliveira Martins começava assim o segundo parágrafo: “Na sua análise de Portugal como Destino, Eduardo Lourenço afirma que Garrett e Herculano refundaram a Pátria”. Parece uma frase plenamente consentida pelo subtítulo de O Labirinto da Saudade, que reza assim: Psicanálise Mítica do Destino Português. Na maneira de ler aqui a palavra “destino” reside uma linha que divide duas interpretações completamente diferentes do livro de Eduardo Lourenço. Julgo perceber que Guilherme d' Oliveira Martins a leva demasiado a sério.
[…]
Mas quem mandou Eduardo Lourenço dizer que o seu livro era uma “Psicanálise mítica do destino português?”, insinuando que a História é algo que se tem que sofrer e não algo que se decide? O resultado, como sabemos, é um equívoco monumental. Não estou a dizer que o texto de Guilherme d' Oliveira Martins participa claramente desse equívoco, mas situa-se na zona de risco.
[…]»


quarta-feira, 27 de maio de 2015

Economia que mata e socialistas que pela pena vivem

"Bairro Ocidental", de Manuel Alegre, foi apresentado ontem à tarde em Lisboa, na livraria LeYa/Buchholz. Já o tinha lido e relido, por 9.90 €. Ida e volta, 45 minutos no máximo. Não sendo inteiramente mau, está muito longe de ser grande espingarda — nada que se compare, por exemplo, às "Purdeys", tão caras ao barítono de Águeda... Mas se outro mérito não tiverem, estes poemas têm pelo menos o de estar em português antigo, língua em que, usando um exemplo do livro"Variações sobre o desconcerto do Mundo", na página 25, aquilo donde pendem os lustres se chama tecto e não teto. Valha-nos isso.
Diz o DN de hoje que o autor «relembrou as palavras do Papa Francisco sobre a “economia que mata” * perante uma plateia onde estavam vários socialistas, entre os quais o ex-presidente Mário Soares, poetas e amigos.»
Por mim, acho que o poeta, ao convocar o Papa, não terá querido senão fazer charme ao correspondente de "L' Osservatore Romano", ali presente, que se vem encarregando de, religiosamente todas a terças-feiras, chamar a atenção dos tugas, na língua moderna a que o Diário de Notícias se subordinou, para a voz sábia do Papa Francisco ** e da sua influência no Mundo, no Tempo, no Universo e na aquisição de dois sinos para a igreja nova da Bobadela.
_______________________________________ 

* Não sei se pela economia se pelo mata, a verdade é que não me saem da lembrança as "Purdeys" do poeta, espingardas obscenas de caras, e o Banco Privado Português a que o emérito socialista fez publicidade em três edições do Expresso de 2005, por mais ingénuo que Alegre se confesse ou por muito que agora se lave no despojado Papa Francisco.  

**
. «[…] o Papa Francisco é um Papa excecional e aberto, que diz o que pensa, e procura, sem problemas, estabelecer a paz com as outras religiões. […] Raul Castro foi ao Vaticano falar com o Papa Francisco, pondo-o ao corrente do que se passava, que lhe prometeu ir a Cuba. Num mundo em que há tantas guerras, são exemplos preciosos que não se devem esquecer... […] No Vaticano, perante 7000 pessoas de associações de trabalhadores católicos, o Papa Francisco disse que o capitalismo centra tudo no dinheiro e que as crianças, os idosos e os desempregados ficam à margem. Disse ainda que no atual mundo global não são apenas os problemas que contam, mas também a sua dimensão e a sua urgência, e que é inédita a velocidade da evolução das desigualdades. E que cito: "É necessária uma resposta vigorosa contra este sistema económico mundial, em que no seu centro não se encontram o homem e a mulher, mas um deus chamado dinheiro. É ele que comanda.A austeridade, que o Papa Francisco sempre disse que mata, continua a estar presente em Portugal.» - Mário Soares, DN, 26.Mai.2015
. «[…] Recordo que o Papa Francisco recebeu no passado dia 16 de maio o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, a quem chamou "anjo da paz". […]» - Mário Soares, DN, 19.Mai.2015
. «CUBA FOI AO PAPA - O presidente de Cuba, Raul Castro, foi visitar o Papa Francisco ao Vaticano, para lhe agradecer pessoalmente o contributo que deu à aproximação entre os Estados Unidos e Cuba. O encontro foi de tal maneira impressionante que Raul Castro, no final, com fina ironia, declarou que, se o Papa Francisco continuasse como é, ele voltaria a ser católico. Como sempre tenho dito e escrito, sem ser religioso, este Papa é um Papa absolutamente excecional e vai continuar como é. Raul Castro, que foi católico como o seu irmão Fidel, vai defrontar-se com o dilema de voltar a ser católico de novo... […]» - Mário Soares, DN, 12.Mai.2015
. «[…] Felizmente que há duas grandes figuras moderadas e extremamente inteligentes, que têm uma visão do futuro que marca os seus e outros Estados. Refiro-me, como os meus leitores já perceberam, ao presidente norte-americano Barack Obama e ao Papa Francisco. […] Quanto ao Papa Francisco, todos os dias nos fala invocando as dificuldades das boas causas e promovendo o diálogo e o entendimento entre as pessoas e as diferentes religiões.» - Mário Soares, DN, 05.Mai.2015

E assim terça após terça, apostólica e retroactivamente.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Clara Ferreira Alves, imbatível na posse de bola

A jornalista e portanto dito isto não tenho a menor dúvida Clara Ferreira Alves entrevistou em Saint-Germain-des-Prés o escritor Michel Houellebecq — "Não duvido de que sou detestado" | Expresso/E, 23.Mai.2015.
Li. Senti qualquer coisa anormal.
Reli. Contei:
título e lide, 45 palavras;
apresentação do entrevistado aos leitores, 1015 palavras; apresentação excelente, diga-se;
quanto à entrevista propriamente dita, CFA interpela MH por 17 vezes, usando 2140 palavras;
MH dá as 17 respostas em 1885 palavras.
Ou seja, a jornalista gastou 53.15 % das 4025 palavras da conversa; o escritor proferiu apenas 46.85 % dela.

Contas feitas, não espanta que as afirmações que se seguem não pertençam, ao contrário do que seria de esperar, a falas do entrevistado, mas, paradoxalmente, às perguntas que a entrevistadora lhe fez:
- «Muitos grandes escritores temem a perda de faculdades, o momento em que começam a escrever mal.»
- «Bonnard ia corrigir o amarelo nos quadros que já estavam expostos.»
- «A atenção extrema é uma qualidade dos infelizes e dos solitários. Quando se está muito entretido não se vê nada em volta.»
- «Vivemos num mundo mediático, mediatizado, que é um jogo de espelhos de ideias feitas.»
«Os autores são atraídos por grandes ideias, não pela construção de sistemas burocráticos, saber como funciona a educação ou a polícia…»
- «A forma exalta o conteúdo execrável. "Lolita", de Nabokov, é um livro escrito assim. Perigoso. À beira do abismo.»
- «É o que faz o Estado Islâmico, deixa as cabeças das vítimas decapitadas sobre os corpos, graficamente, como prova. A cabeça dos reféns torna-se simbólica. Excepto quando estão em mau estado.»
- «Os escritores, os grandes escritores, são muito amados. E por isso tudo lhes é perdoado. Têm um ego brutal, idolatria, groupies como as estrelas rock. Não se podem queixar.»
«Os grandes escritores são detestados no seu país. Os Nobel, sobretudo. Saramago era detestado em Portugal. Coetze saiu da África do Sul. Martin Amis saiu da Inglaterra. Ser detestado é melhor do que ser unanimemente celebrado. Só os medíocres amáveis são amados por todos.»
- «É fácil ser-se humanista mas não é fácil amar as pessoas.»
- «A beleza é um dom raro. A maioria das pessoas não é bela.»
Ena, doutora Clara!

A menos que estivesse muito distraído, não dei por que Michel Houellebecq tenha perguntado fosse o que fosse à jornalista, discordando, porém, quanto à maioria das pessoas não ser bela.
Ainda assim, e portanto dito isto não tenho a menor dúvida de que o magnífico escritor francês há-de ter aprendido imenso, e nós por arrasto, com a ida a Paris da plumitiva lusitana, «marca/estrela que muito valoriza a constelação jornalística do Grupo Impresa», que é como o seu patrão, Francisco Pinto Balsemão, fala de CFA em "O futuro do jornalismo e o jornalismo do futuro", no Expresso/Revista de 04.Jan.2014. 

Etc.

Avaliar e premiar a literatura

«A característica mais nefasta do ambiente literário em Portugal é a atomização. Não é um fenómeno recente, mas ganhou nos últimos tempos o aspecto de uma doença.
[…]
A primeira manifestação sintomática desta doença foram os prémios literários. Tirando uma ou outra excepção, eles ficaram à mercê de aparelhos institucionais e poderes informais, até pelo facto de ter diminuído progressivamente a possibilidade de renovar as pessoas que circulam pelos diversos júris. O universo dos premiáveis e dos jurados que os escolhem foi encolhendo drasticamente. Por outro lado, as editoras tendem a funcionar como clubes, a formar “famílias” cujos membros se protegem reciprocamente e se sentem vinculados a uma pequena comunidade.
[…]
A crítica literária nos jornais e a lógica mediática da difusão dos livros acentuaram a tendência para a atomização ao privilegiarem tudo o que é novo e ao estimularem a visão da literatura (ou melhor, da edição) como território de caça do cool hunter.
[…]»

por descaminhos de luz / ao centro da escuridão

«[…]
Quem imaginaria, há alguns anos (até, pelo menos, A Faca não Corta o Fogo, de 2008) que o último poema de Herberto Helder, deixado à posteridade, seria um poema “canhoto” com rima em “ão”?
[…]
É como se o poeta quisesse agora mostrar-se na imperfeição, destituído de toda a apoteose.
[…]
É esta condição de poeta diminuído, canhoto, que já não consegue fazer estremecer o mundo, que se diz nestes poemas.
[…]
Este livro reclama do leitor que ele esteja sintonizado num tom mais baixo do que aquele a que Herberto Helder nos habituou.»
António Guerreiro, "Os poemas descontínuos" | Público/Ípsilon, 22.Mai.2015
Recensão de "Poemas canhotos" *, última obra de Herberto Helder, 23.Nov.1930-23.Mar.2015
 - x -
"A última vez que a mão esquerda de Herberto Helder rimou com luz", por Mariana Pereira | DN, 14.Mai.2015
________________________________
* «Dado tratar-se de uma edição reduzida, o fornecimento está limitado a duas unidades por cliente e condicionado à existência de stock na data de pagamento da encomenda.»
Nem com o cadáver despachado nos poupam à prestidigitação mercantil pífia, foda-se. Digam cá aos clientes, Porto Editora e herdeiros de HH, de quantas exactas unidades é esta edição reduzida... E, já agora, de quantos exemplares será a edição dos próximos Poemas Completos que integrarão os "canhotos", os da "morte", os das "servidões" e todos os outros. E por aí fora até ao fim dos tempos. A gente sabe: é sempre por determinação do poeta.
Mas ainda bem que no país que idolatra o estro de Jorge Jesus e o talento da Pipoca Mais Doce a poesia factura. Com contribuinte, s.f.f.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Acordo Ortográfico [94]

O "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" foi assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990, domingo,  dia de Santa Adelaide, por representantes dos, na altura, sete países de língua oficial portuguesa. Em nome de Portugal, rubricou Pedro Santana Lopes, secretário de Estado da Cultura do 2.º governo de Cavaco Silva:
Enquadramento jurídico subsequente:

- Afinal, Plúvio, que achais do AO?
- Desnecessário e estúpido; uma bela merda.
- E já agora, Plúvio, que achais dos que com determinação, cúmplices ou por omissão foram impondo ou deixando que se impusesse o mostrengo na ordem jurídica nacional?
- Nhurros, malfeitores da língua e da cultura, passe a redundância. A saber, os principais,

. Deputados da V [1987] à XII [2011] legislaturas . Ei-los em acto de apreço e amor pela língua portuguesa.

. Mário Soares, Presidente da República [PS]
. Jorge Sampaio, Presidente da República [PS]
. Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República [PSD]

. Aníbal Cavaco Silva, Primeiro-Ministro [PSD]
. António Guterres, Primeiro-Ministro [PS]
. Durão Barroso, Primeiro-Ministro [PSD]
. Pedro Santana Lopes, Primeiro-Ministro [PSD]
. José Sócrates, Primeiro-Ministro [PS]
. Pedro Passos Coelho, Primeiro-Ministro [PSD]

Ministros e secretários de Estado da Cultura:
. Pedro Santana Lopes [PSD]
. Manuel Frexes [PSD]
. Manuel Maria Carrilho e Catarina Vaz Pinto [PS]
. José Sasportes [PS]
. Augusto Santos Silva e José Manuel Conde Rodrigues [PS]
. Pedro Roseta e José Amaral Lopes [PSD]
. Maria João Bustorff [PSD]
. Isabel Pires de Lima e Mário Vieira de Carvalho [PS]
. José Pinto Ribeiro e  Paula Fernandes dos Santos [PS]
. Gabriela Canavilhas e Elísio Summavielle [PS]
. Francisco José Viegas [PSD]
. Jorge Barreto Xavier [PSD]

... bem podem limpar as mãos à parede. 
- E agora, Plúvio?
- Danem-se.

Acordo Ortográfico [93]

«[…]
Devia haver um referendo sobre o Acordo, mas os homens do "vota no castelo", os apátridas da língua, têm medo de o perder. Mas há muito que se pode fazer. Muita gente já o está a fazer, sob a forma de uma desobediência cívica exemplar: recusar-se a escrever segundo as suas normas e assim proclamar que "o meu amor à língua portuguesa não pára. Com acento.»

- x -
«[…]
nunca fui entusiasta do Acordo; encarei-o com desagrado e adoptei-o com relutância, mas sem drama. O que fiz, sim, foi escrever vários textos no blogue Jugular, não sobre o AO90 mas acerca do bruaá irracional e insensato que rodeia o tema e, sobretudo, a cegueira e a falta de informação — mas também a má-fé, que é real — dos que rejeitam o AO90 por mero preconceito, ignorância, temor, preguiça, seguidismo ou ligeireza. Isto, por si só, nem seria muito grave; pior é quando lhe está associado um inegável teor de arrogância, nacionalismo básico e provincianismo serôdio.
[…]
Assim se chega à fase do roer as muletas, quando já não há pés para alvejar nem balas a disparar. O texto de M.F.M. é uma boa demonstração do delírio enviesado para onde frequentemente resvalam os autoproclamados paladinos da língua portuguesa.»
reagindo ao artigo da filósofa e ensaísta Maria Filomena Molder, "O direito de ser atropelado", no Público de 04.Mai.2015.

- x -

«[…]
Por cá, a prevenção manda e mandou consagrar aquilo que, na alma navegante de cada lusófono, constituía uma necessidade gritante: um acordo ortográfico (AO) para o português. A ideia, inicialmente mastigada por duas dúzias de génios nos seus imensos tempos livres, tornou-se oficiosa em 1991, mereceu a aprovação do prof. Cavaco em 2008, subiu a regra nos documentos de Estado em 2012 e fez-se obrigatória há dias.
Não imagino que sanções se aplicarão aos prevaricadores daqui em diante (sugiro açoites na praça ou a digestão dos discursos da dra. Edite Estrela).
[…]»
A brincadeira de AG com facto/fato é capaz de ser exagero, dada a alínea c) do n.º 1 da Base IV do AO.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

António Victorino d'Almeida é anósmico *

mas cheira-me a que esteja certo, pelo menos nisto:
«O cérebro do Passos Coelho, por exemplo, não serviria de nada a uma vaca.»
________________________
* 

Acordo Ortográfico [92]

«Anacleto estava radiante. Já lhe tinham dito lá na repartição mas ele não acreditava. No dia 13, o das aparições lá de Fátima, já podia escrever com menos letras, que alívio. Agora era lei, já não podiam gozar com ele quando escrevia “coação” e lhe perguntavam onde é que tinha comprado o coador. Só podia ser mesmo bênção dos pastorinhos. Ele tinha-se informado, sabia tudo. Até ao dia 13, havia na escrita portuguesa duas ortografias. Uma para Portugal e outra para o Brasil. Um excesso! Agora, a partir de dia 13, passa a haver só duas ortografias. Reparem bem na subtileza: duas e “só duas”.
[…]
Claro que nem toda a gente ia aceitar aquilo, havia muitos conspiradores, sediciosos, sempre prontos a pôr em causa os altos interesses da Pátria. Para isso, ele tinha um remédio: o capitão Windows.
[…]
O capitão Windows ri-se do matraquear no teclado e corrige as más vontades. Só dedos muito atentos e hábeis conseguem despistá-lo. Mas até esses hão-de cansar-se, vão ver!
[…]
o general Bertoldo Klinger (1884-1969), que assinava “jeneral Klinjer” e que, muito antes de apoiar o golpe que instaurou a ditadura em 1964, escreveu uma ousada obra intitulada Ortografia Simplificada Brazileira. Aí, dando largas à ortografia que ele próprio inventara, escreveu: “Etimolojia e Uso têm seu relevante papel, sine qua non, na constituisão, no recrutamento do vocabulário; feito isso, termina, porêm, seu papel: entra em asão a Ortografia, para ficsar fielmente para os olhos o ce a boca emitiu, o ouvido persebeu. Portanto, a Ortografia alfabética só póde ser pronunsiativa, fonética. Seu instrumento é o Ortoalfabéto, de símbolos nesesários e bastantes, sônicos, simples, diretos e imvariáveis. Direto, cér dizer ce o nome do símbolo é ezatamente o do próprio fonema ce ele representa.” 
Anacleto entrara em êxtase.
[…]»
Nuno Pacheco, "O capitão Windows e o general Klinger" | Público, P2, 17.Mai.2015

- x -

«[…]
o absurdo do zelo português num AO falhado e que nos isolará ainda mais. Onde os estragos serão mais significativos é em Portugal, para os portugueses, e para a sua língua. É que o Acordo Ortográfico não é matéria científica de linguistas nem, do meu ponto de vista, deve ser discutido nessa base, porque se trata de um acto cultural que não é técnico, e como acto cultural em que o Estado participa, é um acto político e as suas consequências são identitárias. Não me parece aliás que colha o historicismo habitual, como o daqueles que lembram que farmácia já se escreveu “pharmácia”, porque as circunstâncias políticas e nacionais da actualidade estão muito longe de ser comparáveis com as dos Acordos anteriores.
[…]
Esta comunicação entre uma língua e a cultura que transporta é posta em causa quando a engenharia burocrática da língua a afasta da sua marca de origem, mesmo que essas marcas sejam “mudas” na fala, mas estão visíveis nas palavras. As palavras têm imagem e não apenas som, são vistas por nós e pela nossa cabeça, e essa imagem “antiga” puxa culturalmente para cima e não para baixo.
O AO é mais um passo no ataque generalizado que se faz hoje contra as humanidades, contra o saber clássico e dos clássicos, contra o melhor das nossas tradições. Não é por caso que ele colhe em políticos modernaços e ignorantes, neste e nos governos anteriores, que naturalmente são indiferentes a esse património que eles consideram caduco, ultrapassado e dispensável.
[…]»
José Pacheco Pereira, "Os apátridas da língua que nos governam" | Público, 16.Mai.2015

- x -

«[…]
Milagre! Três vezes milagre! Glória aos deputados que com o seu voto permitiram o AO. Glória aos acordistas que nos salvaram da babel. Glória ao ministro que o decretou obrigatório nas escolas. Louvor e graça a todos os que tornaram as palavras irreconhecíveis. E um aplauso especial para aqueles que, em nome da sacrossanta unificação, onde havia duas grafias nos ofereceram de borla três ou quatro (ou mesmo cinco: deíctico/deítico/dêictico/dêítico/díctico). Salve!
[…]
Interrutor já temos e homologado.
Agora alguém que apague a luz.»
Ana Cristina Leonardo, "Orgulhosamente sós" | Expresso/E, 16.Mai.2015

«[…]
a estupidez a impor pela força o que não consegue impor pela razão.
[…]»
Miguel Sousa Tavares | SIC, 13.Mai.2014

- x -

«[…]
Agradeço a continuação das provisórias tréguas, permitindo-me continuar a escrever nessa língua luminosa que é o português herdado dos meus antepassados e não nessa língua de trapos, nessa caricatura de português, congeminada pelos sábios linguistas que se autodeclararam donos da língua e que, por facto consumado e demissão colectiva dos responsáveis políticos, a impuseram à força a todos nós. Um dia, espero bem, alguém fará a história desta congeminada traição ao nosso património, da arrogante incompetência que a promoveu e da estarrecedora inércia que a consentiu, por mera ignorância e terror de enfrentar os “mestres”.
[…]
sugiro ao candidato presidencial Sampaio da Nóvoa, que afanosamente procura um passado de ideias que não se conhecem e um presente de ideias que se entendam (qualquer mais concreta do que declarar-se, por exemplo, um transportador de desassossegos), que abrace esta causa, jurando-nos que, se eleito, tudo fará para pôr fim a este pesadelo. Já terá valido a pena a candidatura.
[…]»

sábado, 16 de maio de 2015

"Fátima: a enganar pessoas desde 1917™" *


No dia 13 de Maio de 1967, sábado, chuviscou o dia todo. Paulo VI veio à Cova da Iria [vá, leitor, são só 45 minutos de História] rezar e fazer as representações do costume ante uma boneca descalça de cedro brasileiro e outros ícones. Eu estava no coro [o que nós ensaiámos naquela semana, com trinta milheiros!], ali ao lado do Papa, da irmã Lúcia, de Américo Tomás e de Salazar, honrados e desvanecidos pela presença tão próxima do Plúvio. Na altura ainda acreditava religiosamente naquilo tudo. Difícil era não acreditar, pois se nascera, em 1953, a quatro quilómetros dali, fora intensamente caldeado desde a infância naquela realidade e estudava num seminário de missionários italianos em Fátima de que sairia em 1970, sem vocação e com a fé já a dar de si: outra música [se Júlia não é o nome mais bonito de mulher, qual é ele?] e, sobretudo, a mini-saia da Maria do Céu, que vendia bugigangas religiosas no hotel Pax, faziam muito mais pela minha saúde e pelo meu entusiasmo de viver do que um terabaite de pai-nossos. Sim, a entoação e o timbre igníferos de Ornela Vanoni também ajudaram. Oh adolescência indefesa!
Pelos 17 anos, o ar do tempo fez-me entrar num processo de reflexão crítica — de mim, da vida, do mundo, das coisas, de tudo e de nada — que me tomou conta das vísceras e do metabolismo e não mais parou, sem nunca me arrimar a um emblema [vejo sempre mais o indivíduo pregado nele do que o contrário] ou me conformar a alguma certeza certa, como a de que azeitonas em excesso fazem mal ou a de que o mal-falante, funâmbulo e colérico António Costa será melhor primeiro-ministro do que Passos Coelho, nossa pinícula provação. Uma infelicidade, em suma.
Voltando às aparições na charneca, vi e ouvi muito, conversei com variadas pessoas do sítio, coetâneas e testemunhas do fenómeno [1917] ou próximas; li tudo — continuo a ler —, de João De Marchi a João Ilharco, de Fina d'Armada e Joaquim Fernandes a Mário de Oliveira**, etc.
E no que deu tanta indagação?
Não digo que a experiência e o conhecimento de Fátima, apesar de relativamente extensos, me confiram qualquer autoridade para validar o ponto de vista de Hugo Gonçalves, mas que me animam o pressentimento de que Hugo Gonçalves está certo, ai isso animam. Concordo vivamente com ele e felicito o Diário de Notícias pela publicação do título arrojado. Arrojado, num país enraizadamente mariano, crente e catolicozinho da treta que elegeu por cinco vezes Cavaco Silva, se inebria nas gordas do Correio da Manhã, segue, babado, Cristina Ferreira, idolatra o gatuno de cantigas Tony Carreira, põe Eusébio no Panteão [o meu cadáver podem depositá-lo no contentor verde-escuro, o do lixo orgânico, e levá-lo para a Valorsul - base rítmica empolgante] e venera com unção o discurso e o pensamento de Jorge de Jesus que conferencia trinta minutos por semana em directo para cinco canais de TV que depois repetem trinta vezes até à conferência seguinte.
Acho Fátima uma aldrabice megagaláctica. De um gajo ficar gago ... com tanta fé e tanto dinheiro que jorram por ali. A galinha é de ovos d'oiro e a bispalhada não é burra.
Enfim, 'Marias do céu', as minhas são outras, e 'mães Maria', mádar méri ... létit bi.
Com todo o respeito. Deus me perdoe.
____________________________________
* Certo azeite — aqui não se mencionam marcas, mas não, não é o "Oliveira da Serra" — começou a cantar dois anos depois.

** Mário de Oliveira não se cala; faz bem. Certo que, desacreditando Fátima, crê, todavia, em Jesus Cristo, filho de Deus e da tal senhora mais brilhante que o Sol que o, ups!, O teve por partenogénese, e acredita em Deus, pai de Jesus e parente de não sei quem. É lá consigo, padre Mário.
"Fátima, $.A.", pois.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Marcelo e Daniel

«[…]
Nos convites e nos comunicados à imprensa haveria de ler-se: "Deus calcula e o mundo faz-se".
[…]
Não é que a convocatória feita a Marcelo Rebelo de Sousa, para o lançamento do livro [Daniel de Oliveira - "A década dos psicopatas", 14.Mai.2015], seja obrigatoriamente um sinal de partilha, com o autor, de opiniões e escolhas políticas. Devemos, aliás, presumir o contrário.
Mas há, logo à partida, um dado com base no qual se institui um consenso fundamental: ambos aceitam entrar no jogo de encenações e papéis completamente estereotipados que empesta todo o debate político e desencoraja a simples ideia de entrar nele. A questão é esta: Marcelo Rebelo de Sousa representa, ao mais alto nível, um discurso que quer passar por análise ou comentário políticos, mas de onde a política foi evacuada.
Ele assimilou completamente a política quer à luta pelo poder, quer ao exercício e ao objecto desse poder. Para ele, toda a política é uma questão de tácticas e estratégias, de fintas e simulações. E ganha o que for mais cretino. É desta matéria que são feitas as suas prelecções, enquanto animador do crochet televisivo.
E, nesse posto, ele é “o professor”, isto é, aquele que ocupa o lugar da verdade e detém o saber do expert. Esta ideia de uma inteligência que sabe da coisa política e se dirige às pessoas que não sabem, e que por isso lhe fazem perguntas para obter a resposta oracular, é uma negação da política.
[…]»

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Acordo Ortográfico [91]

«[…]
O caos ortográfico a que chamam acordo é algo que a política quis e quer impor, à força, à ciência.
[…]
a verdade é que em Portugal ele já é aplicado em grande parte da máquina do Estado e no ensino, optando a sociedade civil por escrever com ele ou contra ele. Vantagens visíveis? Nenhuma, além do caos gerado com facultatividades, duplas grafias e palavras que antes eram iguais em Portugal e no Brasil e agora, por milagre da "unificação", passaram a escrever-se de forma diferente em cada um dos países.
[…]
todo o esforço acabou nisto. Uma deriva ortográfica inqualificável e regras que a política quis e quer impor, à força, à ciência. Neste cenário, ignorá-las-emos.»

- Direcção editorial, "A inqualificável deriva ortográfica actual"


- x - 

«[…]
8. Destarte, há mais tempo pela frente do que a data de 13 de Maio de 2015, antes de nos depararmos com o cenário de “democracia totalitária”, verdadeiramente orwelliano, de imposição de uma “novilíngua”.
[…]»
- Ivo Miguel Barroso, "O Acordo Ortográfico de 1990 não é obrigatório a partir de 13 de Maio de 2015"



segunda-feira, 11 de maio de 2015

11.Mai.1925 - Viva Rubem Fonseca!

Dissertando na mesa/tema "A escrita é um risco total":
«Nesta mesa [Almeida Faria, Ana Paula Tavares, José Carlos de Vasconcelos, Eduardo Lourenço, Hélia Correia, Rubem Fonseca], somos todos loucos.
[…]
Ele [Flaubert] sabia que não existem sinónimos. Não existem sinónimos!, estão ouvindo? Cada palavra tem um significado diferente. Essa coisa de sinónimo é conversa mole para boi dormir dos gramáticos.
[…]
E vocês aí não pensem que não sendo escritores também não são loucos.»

"Poema da vida*
«Olho fascinado mulher andando na rua, imagino a estrutura de tecidos orgânicos entre as suas pernas, o estojo com pequenos e grandes lábios, e entre os pequenos a protuberância carnuda e eréctil conhecida como clitóris.
[…]
Não existem duas iguais. Como as chamarei?
Vagina?
Vulva? (Nome horrível.)
Prefiro boceta. Faz-me recordar a Boceta (ou Caixa) de Pandora, que encerra (segundo a mitologia grega) todos os males do mundo. Que importam os males que a boceta pode causar: obsessões, manias, vícios, castigos malthusianos e outras coisas maléficas? Não existem duas idênticas, sua unicidade, sua singularidade a torna fascinante ― e ao mesmo tempo assustadora.
Preciso olhar e cheirar e tocar e sentir o gosto da boceta na parte externa e interna, preciso chupar o clitóris, necessito desse prazer paradisíaco.
[…]
E ela mostrou sua boceta.
- Posso cheirar?
- Pode, ela respondeu.
- Posso lamber?
- Pode.
Era um néctar, digno dos deuses do Olimpo.»

Rubem Fonseca é grandeI -  II  III  -  IV
______________________________________
* Um dia não são dias e como hoje é dia de anos, aqui têm, leitores gulosos,
"Borboletas"
«[...]
Então, por puro exibicionismo, fodi Ariadne novamente.
[...] 
Pensei, pobre Ariadne, essas velhotas solitárias são mais vulneráveis do que uma borboleta.
E pensei também, que frase mais idiota, eu era mesmo um escritor de merda.»
- idem, ibidem