quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O canoísta "rapper"

Eu julgava insuperáveis as calamidades corais de Marcoussis, 07.Jul.2016, e de Champigny, 09.Jul.2016, na eurofuteboleuforia lusitana de 2016. Eis que nem 14 meses passados assistimos a uma interpretação porventura mais desastrada do hino nacional.
Desta vez, a uma voz, pelo nosso prodigioso canoísta — Racice, República Checa, 26.Ago.2017.
Sugiro a Fernando Pimenta que na próxima medalha de ouro cante em "playback".

Mas nada se compara ao horror pandémico e inerradicável do "Parabéns a você".
Nos aniversários da minha família é o "Oliveirinha da serra" que entoamos. O espumante cai muito melhor.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Saber e correcção em alta pedalada

«[...] Para já, sabe-se que a premissa grega do corpo são em mente sã sempre esteve correcta. [...]»

Para já, não é corpo são em mente sã (?!) mas mente sã em corpo são.
Por fim, acuso o Expresso de disseminação de falácias.

«[...] Mas ainda há algumas pontas soltas. Resta saber se num tipo de aprendizagem mais intenso e mais trabalhoso haverá os mesmos resultados. [...]»

Pois há, Ana Maria, pois há; pontas soltas de sobra. E quanto a aprendizagens mais intensas não hesite, Ana Maria Pimentel, força nisso! A Universidade Nova de Lisboa também tem por lá uns estudos clássicos.

sábado, 26 de agosto de 2017

O bispo das grandes causas e o tempo quente

Oleiros, ontem à noite
«Ainda no outro dia, e muito bem, um senhor bispo, o bispo de Viana do Castelo, dizia: Esta é uma grande causa nacional e o Presidente da República está certamente atento a ela. E eu telefonei ao senhor bispo de Viana do Castelo a dizer: Olhe, senhor bispo, ainda bem que percebeu, ainda bem que apoia aquilo que é fundamental.»

Uns espalham brasas no «teatro de operações», o presidente-arlequim pulula fogoso de teatro em teatro.

Livre-nos a Senhora d'Agonia, que dom Anacleto trata por tu, de que o bispo de Viana se lembre de falar na Xylella fastidiosa*. Ainda haveríamos de perder o amado professor no imenso olivedo...
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* Não confundir  com Patriccya gasparosa
Carnaxide, sábado, 26.Ago.2017, 9 da manhã
PG1- «Então muito bom dia a todos. Agradecer desde já a vossa presença em mais um brífingue operacional sobre a situação do país em matéria de incêndios florestais.»
Hoje em dia todos os políticos e preopinantes de pacotilha gorjeiam como Patrícia Gaspar. A retórica enfunada fá-los incapazes de coisas simples como «Agradeço», «Quero agradecer» ou «Muito obrigado».

PG2- «Temos pequenas ocorrências em curso sem qualquer, para já, expressão de preocupação, designadamente quatro incêndios em despacho operacional de meios.»
Praticante de língua campanuda, Patrícia Gaspar tem um expressivo fraquinho pela expressão.
Nos mais recentes cerca de 97 brífingues, Patrícia perpetrou, que eu tenha contabilizado, 300 ocorrências de "expressão"/"expressivo".

PG3- «Relativamente à meteorologia, mantém-se a previsão, para já, ... uma alteração que se começa já a fazer sentir hoje mas com maior expressão a partir de amanhã e nos dias de segunda e de terça-feira caso não haja nenhuma evolução em contrário.»
Nem Raul Solnado, na sua mítica previsão meteorológica na RTP — «Amanhã talvez chova, talvez não chova; talvez esteja frio, talvez faça calor.» — acertara tão certeiramente.

«... muito fogo para um homem só ...»

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A prosa manca da doutora Isabel Moreira

A náufraga Visão de hoje traz uma página de propaganda a Fernando Medina assinada por Isabel Moreira. Entre outras coisas a articulista diz as seguintes, previsíveis nela mas tontas sempre:

«Lisboa pode provar que a inclusão de todas e de todos beneficia a cidade»

«Um candidato ou uma candidata à CML não pode ser desligado* da sua filiação partidária»

«Há quatro anos, os lisboetas e as lisboetas eram mais pobres»

«todas e todos assistimos à aposta na reabilitação urbana»

Revelando, porém, uma incongruência estilística assustadora, a azougada parlamentar do PS, jurista, Mestre em Direito Constitucional, ex-professora universitária, profere no mesmo reclame ao alMedina da mesquita as seguintes inesperadas atrocidades:

«os pagamentos aos fornecedores»,  no lugar de «pagamentos às fornecedoras e aos fornecedores»

«temos mais de 300 mil idosos», no lugar de «temos mais de 300 mil idosas e idosos»

«escolas dos nossos filhos», no lugar de «escolas das nossas filhas e dos nossos filhos»

«Ganham os senhorios», no lugar de «Ganham as senhorias e os senhorios»


Tenham paciência mas não posso deixar de denunciar publicamente estes desvarios de lesa-antropologia e de vil atropelo ao asseio gramatical por parte de representantes do povo eleitos num Estado de direito democrático.
De resto, Isabel Moreira não é virgem. Nestas patifarias na Visão, digo.
Para que conste.

Se o ridículo matasse...
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* «não podem ser desligados», s.f.f.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

A política e o mantra da decepção

O DN traz hoje uma entrevista de Fernanda Câncio, a quem me liga uma antiga e imarcescível sicofilia, à secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca, como Marisa Matias mas na sombra doutra pernada da azinheira, pastorinha do indigesto bonzo de Coimbra. *
A entrevista diz muito de Fernanda Câncio e do actual DN. Graça Fufasseca — trocadilho, perdão, torcadilho soez e gratuito que muito dirá do Plúvio — não diz praticamente nada.
Fernanda Câncio introduz a entrevistada, negritos meus:
«Em Julho, quando três colegas de governo apresentaram a demissão devido ao caso das viagens da Galp, citou o filósofo Daniel Innerarity no Facebook: "A política, especialmente quando queremos distingui-la de outras atividades, exige duas coisas: ter-se dado conta de que o seu terreno próprio é o da contingência; uma especial habilidade para conviver com a decepção."
[...]
Do CES e do estudo da Justiça passou à acção, no respectivo ministério, então — em 2000 — liderado por António Costa. Foi aí que o conheceu e desde então o actual PM levou-a consigo para todo o lado: para o Ministério da Administração Interna em 2006, para a Câmara de Lisboa em 2007, para a lista de deputados por Lisboa nas legislativas de 2015. E para o seu governo, claro.
[...]»

Na parte do Daniel Innerarity repicaram-me sinos na cornadura; mais intensos ainda decerto porque o Big Ben amuou.
Permitam, pois, que repristine uma pequena cronologia.
«[...]
Da política
26.Mai.2001- Daniel Innerarity [Bilbau,1959], político, filósofo e professor basco, publica no El País um artigo de opinião, “Hacer política”,
"A mi juicio, la política, especialmente cuando queremos diferenciarla de otras actividades, exige fundamentalmente dos cosas: primera, haber caído en la cuenta de que su terreno propio es el de la contingencia, y segunda, una especial habilidad para convivir con la decepción. Habrá, sin duda, otras definiciones más exactas, pero seguro que ninguna de ellas deja de recoger, en alguna medida, estas dos propiedades.
[…]
En algún momento hay que recoger el veredicto y hacer con ello la política que se pueda. De ahí que la política sea fundamentalmente un aprendizaje de la decepción. Está incapacitado para la política quien no haya aprendido a gestionar el fracaso o el éxito parcial, porque el éxito absoluto no existe. […]."
2002- Daniel Innerarity publica o livro “La transformación de la política”, no qual plasma, com levíssimas adaptações, o dito artigo.
2005- 1.ª edição portuguesa do livro de Daniel Innerarity, “A Transformação da Política”.
28.Fev.2007- "A seguir ao debate mensal na Assembleia da República, José Sócrates, primeiro-ministro e secretário-geral do PS, juntou-se aos deputados socialistas num colóquio sobre a 'transformação da política na era da globalização', com o filósofo espanhol Daniel Innerarity. […]
Da obra de Daniel Innerarity, que contou ter conhecido quando António Costa lhe ofereceu um livro pelo Natal, Sócrates disse ter retido que 'a política é a aprendizagem permanente do convívio com a decepção', uma frase que o impressionou e iluminou". - Lusa, 01.Mar.2007
13.Mar.2008- Na reportagem da SIC, Sócrates como nunca o viu” [minuto 30:10], José Sócrates flana com Raquel Alexandra: "Sabe, um filósofo espanhol que conheci aliás recentemente — eu leio filósofos espanhóis; eu não conhecia este, é um basco, um homem que conheci aliás pessoalmente —, escreveu um livro que comprei, ou melhor, perdão, que me foi oferecido, aliás, pelo António Costa no Natal de 2005, e que dizia uma coisa muito interessante. Dizia ele que a actividade política é a eterna aprendizagem do convívio com a decepção.
30.Abr.2010- Intervenção de José Sócrates na cerimónia de doutoramento 'Honoris Causa' atribuído pela Universidade da Beira Interior a António Guterres: "Um grande filósofo europeu disse que a política é a eterna aprendizagem do convívio com a decepção. Não posso estar mais de acordo."
18.Out.2010, página 23, folha 115-  "No Salão Nobre do Edifício dos Antigos Paços do Concelho de Lagos, ... a Sra. Vice-Presidente da Câmara Municipal, Maria Joaquina Matos — viria a ser eleita presidente, na lista do PS, em 29.Set.2013 —, parafraseando um filósofo político disse que 'a actividade política é a eterna aprendizagem do convívio com a decepção'."
[...]»

Não é por nada, mas desde a prenda de Costa ao seu dilecto líder Sócrates, cheira-me a que esta gente desatou a ficar levemente ridícula. Mimetismo parolo.

No clímax — quando a entrevistada acaba de assumir que é com mulheres que a atrai foder, nisso não me distinguindo dela; já o velho Alçada Baptista, aristocrata naftalínico, se proclamava fogosamente lésbico — da peça organizada para propaganda das suas causas [que jornalismo, Fernanda Câncio, que jornalismo!...], a entrevistadora injecta o seguinte considerando à guisa de pergunta:
«Harvey Milk, o político americano dos anos 1970 que é uma referência do movimento pelos direitos dos homossexuais, disse, no início da luta, "a privacidade é a nossa pior inimiga". No sentido em que era preciso dizer "eu sou homossexual" como afirmação política.»

Lembrei-me logo daquele Fevereiro de 2009: «Milk, presumo...»
Isto anda tudo ligado.
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* Vá, Plúvio, confessa agora aqui o valente murro no estômago que levaste anteontem do João Taborda da Gama:
«[...] Law against Law é a tese de doutoramento de Boaventura de Sousa Santos. Boaventura, ao contrário do que acha alguma da direita acéfala, e do que deseja alguma da esquerda invejosa que nunca saiu de Portugal, mesmo tendo saído de Portugal, é dos mais interessantes e sólidos pensadores do direito que nasceu em Portugal e dos poucos reconhecidos na academia global (sem dúvida único na sua geração, hoje acompanhado de nomes como Nuno Garoupa e Poiares Maduro). Fui educado numa academia jurídica onde os seus textos não eram sequer referidos e, com certeza por culpa minha, só descobri o Boaventura jurídico há poucos anos, nos Estados Unidos, ultrapassando o preconceito e lendo de rajada o que pude. Pouco importa que não concorde com muito do que diz, e sobretudo com a linha onde se insere (que aliás não esconde), mas são daqueles textos que nos fazem mais espertos e onde se sente o gozo que teve quem os fez, pensou, escreveu. [...]»
"O morro e o asfalto" | DN, 20.Ago.2017

Muito certamente eu estava a pedi-las. Mas não sei se o João me convence com o «Boaventura jurídico».

Peça interessante de Catarina Homem Marques sobre a menstruação. A diferença de género é uma chatice? A igualdade seria.

Nota final quase a destempo.
Francisco Seixas da Costa rotula de Dignidade — sideral, sem um nome, sem um linque — o que, a meu ver, não passa de mero efeito conjuntural oportunista do anticiclone dos Açores. Nada de surpreendente, os apparatchiks, aparato-chiques e prosélitos, precisam regularmente de se comover uns aos outros. Por exemplo, Eduardo Pitta: mal se entra, o monitor lacrimeja.
Ai de nós, simples e imperfeitos normais.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

«dizia o António»

Diz a Maria:
«Eu penso que em mim há um conceito de liberdade. A professora Maria João Reynaud diz que a minha poesia assenta no conceito radical de liberdade. E eu penso que ela tem razão, é exactamente isso.
[...]
No tempo do fascismo*, era muito difícil fazer poesia naquela altura.
[...]
Nós somos a nossa poesia e isso é uma coisa que nós só temos que agradecer não sei a quem nem a quê. Eu costumo dizer que tenho uma fada madrinha, que é muito relapsa, mas na realidade disse duas coisas: esta menina há-de fazer poesia e esta menina tem olhos azuis. Dois factos importantes para mim.
[...]
A poesia é realmente liberdade livre, como dizia o António.**
[...]
Eu sou extremamente rigorosa.
[...]
A minha poesia tem cheiro, tem cor.
[...]»

«[...]
Costumo dizer que nasci na biblioteca do meu pai. 
[...]
- É erótico o acto de escrever?
É! Sempre erótico. Excepto os poemas, que me dão prazer mas que têm a ver com o lado político e com a resistência fascista.*
[...]»

«fui militante do Partido Comunista Português durante 14 anos»***
«fiz 17 anos de psicanálise»***
Na dita entrevista ao Expresso.

Em resumo, a Maria afigura-se ligeiramente possuída de si, a tender para o obeso. Não me parece difícil gostar mais da poesia dela do que dela.
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* Fascista não é coisa fácil. Ao que um fascista tem de resistir...

** António Ramos Rosa, se faz favor. Que ideia fazia a Maria de quem fosse escutá-la na RTP? Eu próprio, telespectador com cultura muito acima da média, devo dizer que me convenci por momentos de o António ser este.

*** Causa ou consequência?

domingo, 20 de agosto de 2017

Patrícia certa no lugar errado

Que faz esta mulher no estúdio?
Ponham-na nas «frentes activas» e verão se o lume não recua.
Só com «homens no terreno» e «meios aéreos» não vão lá. Disso é que os lavradores gostam. 

Por que espera, ministra Constança, arre!?
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Patrícia Gaspar, da Autoridade Nacional de Protecção Civil:
Hoje, 1 - Acompanhamos com particular destaque as ocorrências activas e os incêndios dominados.
Hoje, 2 - Vento muito forte e três «frentes activas» no «teatro de operações».

Isto é espectáculo, senhores, isto é propaganda, isto é cagança, isto é pornografia.

Para o que der e vier mantenho o manómetro no verde.

sábado, 19 de agosto de 2017

Graduação da sinceridade

Cardápio:
condolências insinceras, condolências pouco sinceras, condolências assim-assim, condolências sinceras, condolências muito sinceras, condolências mais sinceras ainda, condolências retóricas, condolências cínicas, condolências fingidas, condolências festivas, condolências sentidas, condolências hiperbólicas, condolências sem sentido, condolências profundas, condolências minhas, condolências da minha mulher, condolências nossas, condolências da família, condolências à família, condolências de sua majestade, condolências do país, condolências do governo, condolências de coveiro, condolências de palhaço, condolências de papas franciscos, condolências do coração, condolências expressas, condolências apresentadas, condolências enviadas, condolências no livro, condolensias mal escritas, condolências.

«Relativamente à vítima portuguesa eu queria* exprimir, antes do mais, as minhas mais sinceras condolências à sua família.»


E assim sucessivamente.
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* Inesperado imperfeito pretérito indicativo de delicadeza, já que do professor se espera sempre o canónico condicional presente de cartilagineidade: quereria, pois. 

** lo lo al cil le

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

José Sócrates tragicómico*

Em desagravo da peça de 12 páginas, incluindo a primeira e o editorial, no Público de ontem, "Justiça suspeita de gestão danosa na velha PT", o antigo primeiro-ministro José Sócrates preenche a página 47 do Público de hoje com 11 comentários subordinados ao mote "Não vem ao caso", da autoria do juiz brasileiro Sérgio Moro, e termina assim, negrito meu:
«toda a notícia, o editorial e a primeira página não passam de um serviço aos interesses económicos do proprietário, envergonhando o jornalismo decente e honesto.»

Sabido o fadário da convivência de José Sócrates e seus presuntivos capangas com a história, de 2005 para cá, designadammente da RTP, da TVI, da LUSA, do DN e do JN — e tendo por exemplo em atenção o artigo na Visão de 27.Jul.2017, "Como Sócrates quis comprar o Público" ou "Os planos secretos de Vara para calar os media", no Sol de 12.Ago.2017 —, não consigo deixar de sentir na coda «envergonhando o jornalismo decente e honesto»** a ressonância de um dos momentos mais arrebatadores nos guiões de tragicomédia escritos desde o século II antes de Cristo.

Sílvia Caneco, "Como Sócrates quis comprar o Público" | Visão, 27.Jul.2017 [5 páginas]




Mentira, infâmia, perseguição, cabala, injúria, esgoto, difamação maldosa, ignomínia!

Em tempo - 18.Ago.2017
Depois de fechado o verbete "José Sócrates tragicómico" dei com o testemunho de Henrique Monteiro no 'Expresso diário' de 17.Ago.2017, "Sócrates: para que não se esqueça". Não consigo deixar de citar:
«[...] Nunca conheci alguém que fosse simultaneamente tão malcriado, no sentido de ordinário, exigente no sentido de embirrento e censório. Não podia, em consciência, deixar passar, como se viesse de alguém, digamos, normal, aquela referência ao jornalismo decente e honesto.
Eu vi e sei que decência e honestidade não são conceitos muito aprofundados na consciência de José Sócrates.»

Repito-me, para esconjuro de dúvidas: votei no PS de José Sócrates nas legislativas de 2005 e, crédulo de mim!, nas de 2009 e nas de 2011. Não tendo nunca morrido idiossincraticamente de amores pela criatura, talvez andasse distraído ou, mais certo, não dispusesse então de conhecimento bastante para enxergar o lastimável farsante que José Sócrates hoje se me afigura.  
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* Espécie de sequela de "O engenheiro e os filósofos

** Sobre jornalismo decente e honesto Fernanda Câncio não diria melhor.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Rebranding* do incêndio

Patrícia Gaspar, da Autoridade Nacional de Protecção Civil [ANPC], é incapaz de abandalhar a conversa. Conforme anotei, esmera-se no rigor neurocirúrgico das quantidades. Assim, não espanta que, seguidora das melhores doutrinas, também contabilize feridos em vez de simplesmente os contar. Ainda ontem de manhã, dada a «dimensão mais expressiva das ocorrências, a contabilidade estava a ser feita».
Não se bastando na alta precisão aritmética, a façanhuda Adjunta de Operações Nacional da ANPC emprega tal sofisticação na linguagem que, de um tiro, pôs o país de António Costa, que não quer bombeiros a confundir o povo, nos píncaros do progresso comunicacional. Cada ponto da situação — briefing, diria Sá de Miranda — costurado pela doutora Patrícia é um banho de elegância estilística. Por exemplo, e é só um exemplo, atente-se no lavrador de Louriçal do Campo que «ao final da tarde ganhou contornos de maior complexidade» e «onde temos não só combate mas também as defesas perimétricas dos aglomerados populacionais».
Eia! Que vai ser de nós quando os lavradores chegarem à vizinhança das casas?

Confesso, no entanto, um estranho fenómeno psicossensorial, um aflitivo receio recorrente sempre que, duas vezes ao dia, Patrícia Gaspar vem brifar os fogos: a qualquer momento vão irromper detrás dos estandartes, dos logótipos, das siglas e de todo aquele intimidante aparato heráldico o bigode de Pinochet num canto, o bigode de Estaline noutro, o bigode de Kadhafi noutro e o bigode de Maduro noutro. O que, convenhamos, com crianças ou humanos mais sensíveis na sala assumiria proporção suficientemente avassaladora para, sei lá, obrigar o presidente-arlequim a montar-se de novo no falcão.

Patrícia Gaspar, ontem, no justo instante em que um acto terrorista na SIC lhe dava cabo da protecção.
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terça-feira, 15 de agosto de 2017

Festas e procissões

ora! Última hora! Última hora! Última hora! Última hora! Última hora! Última h


Ficção, quase.
Corria o presidente-arlequim a toda a brida para Vilar do Torno e Alentém a ver se ajudava a amparar o andor em queda, eis que o chamam por causa de tombo muito maior na pérola do Atlântico. Qual bumerangue alucinado, retorna ao Algarve, saca da primeira gravata preta que encontrou e do primeiro Falcon disponível e toca a voar para o afectuoso abraço a Miguel Albuquerque que, fosse japonês de honra pública, talvez o encontrasse de haraquiri consumado, nisto já o andor do Torno se espatifara e o carvalho do Monte matara 13, com Rui Ochôa sem saber para que ângulo apontar o codaque:
- Ó Presidente, e que fotografo eu agora, o andor ou o carvalho?
- Tudo, Rui, fotografe tudo, tudo! Quero o álbum dos "Dois anos depois" ainda mais vistoso.

Com toda a compreensão pelas perspectivas em presença e independentemente delas, prometo investigar melhor a esotérica correlação do verbo tombar com a susceptibilidade das Senhoras, a da Aparecida e a do Monte, quando lhes fazem festas.

E sempre queria ver, tocasse-lhe a desgraça pela porta ou na pele das suas lindas filhas, se o Plúvio vinha para aqui fazer humor barato a propósito...

Valha-nos Deus na sua infinita bondade e Nossa Senhora no seu desvelo maternal. Amém.
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* Ver Nota 

domingo, 13 de agosto de 2017

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Idiossincrasia da combustão

Por razões de segurança esta chamada vai ser gravada.
- Boa noite. É dos fogos?
Florestal, fátuo e de santelmo, marque zero; pirotécnico e de artifício, marque umjeitomanso; circo, marque marcelo; outros, markzuckerberg
- Boa noite, o meu nome é hipocorístico mas pode tratar-me por Elisabete Vil de Moinhos sem acento. Em que posso ser-lhe útil?
- Boa noite, Betty, desculpe, por acaso tem uma frente activa que me dispense?
- Vem buscar ou quer que leve a casa?
- Pode ser, obrigado. Já agora, desculpe, quantos operacionais no terreno têm?
- Cerca de 344. Mas se precisar de meios aéreos, podemos fazer uma atençãozinha...
- E lavra bem?
- Desculpe. Lavra quem, o quê?
- O fogo. Pergunto que tal lavra ele.
- Meu caro senhor,
do melhor que há no mercado,
quais charruas, qual tractor,
quais bois, qual arado!?
- Então pode trazer-me um com a frente activa.
- Juntos ou em separado?
- Se, parando, não vier a polícia, pode ser juntos.
- Bombeiras e bombeiros, se quiser, temos uma promoção...
- Foda-se, Betty, não me dilga que também é da iga.
- Quer-me parecer que quis dizer diga que também é da ilga. Em qualquer caso, desculpe, sou apenas simplesmente correcta.
- Politicamente correcta, terá querido dizer.
- Ou isso.
A1 cortada na Mealhada, teatro de operações em curso.


- Sim, quem fala? 
- Betty. Desculpe, desde há bocadinho. Fiquei a pensar... Você por acaso não é o Plúvio?
- Ai o caralho. Como descobriu?
- Pela pronúncia e por como virgula

Psitacismo semântico, propaganda, pornografia, negócio

Fogo em Abrantes, 09/10.Ago.2017

«É verdade, foi um incêndio que começou por volta das seis e um quarto e rapidamente tomou proporções avassaladoras.»

«É verdade, quatrocentos e setenta e oito operacionais que estão no teatro de operações; cento e cinquenta viaturas; tiveram durante o final da tarde três meios aéreos; estão neste momento seis máquinas de rastos»

E a detecção precoce? Que é da guarda florestal? Que é da vigilância?
A gente sabe: filhos de um deus menor. 

Insisto: não sei de labareda grande que não comece por lume pequeno.
Não sejamos ingénuos: o combate é que rende.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Meninas da baixa, jornalismo paroquial

Vivem ambas neste quadradinho de Lisboa, uma há 21 anos, a outra há 12.

Fernanda Câncio não esconde. Di-lo em duas peças:
«O meu bairro foi sempre a Baixa, desde que, miúda, a minha mãe me levava às compras e a lanchar na Brasileira (a da Rua Augusta, não a do Chiado; essa foi minha muito mais tarde). Nos mais de 40 anos que passaram desde esse amor à primeira vista muito mudou nas ruas do meu bairro - onde vivo desde 1996 - nem tudo para melhor.» - DN, 20.Fev.2017
«Na minha rua, um prédio de três andares esteve em 2013 à venda por 400 mil euros» - DN, 31.Jul.2017
Ainda assim, recomendável à prática jornalística o mais honesta possível seria que, sempre que viesse ao tema, informasse o leitor, em rodapé: «Isto interessa-me, moro aqui.»

Bárbara Reis, ex-directora do Público, 2009-2016,  admite-o de raspão:
«Há anos que fotografo e filmo os “autocarros ocasionais”, os open-top e os tuk tuk que sobem e descem a minha rua em Lisboa, entupindo a vida a tudo e todos.» - Público, 09.Jun.2017
Mal o saberíamos não fosse a Câncio ter posto a boca no trombone numa reportagem do DN de 01.Ago.2015, "As crianças no coração de Lisboa":
«Caso dos três filhos da jornalista e directora do Público, Bárbara Reis, 45 anos, desde 2005 a viver na antiga freguesia da Madalena, nome, et pour cause, da filha do meio (10 anos), que tinha meses quando se mudaram. "Na parede da Sé há um reforço inclinado, muito polido. Os meus filhos descobriram aquilo e vão lá escorregar. Uma vez vi uma senhora velhota parada a olhar, com um sorriso. Disse que fazia aquilo quando era criança." O perigo certificado da brincadeira não esmorece o embevecimento. "Os meus filhos têm sorte em crescer no bairro mais bonito de Lisboa. Quando a vemos nos rankings mundiais das cidades mais belas é por causa desta zona. Pelas ruas — ir ao talho é uma experiência bonita, ir à lavandaria, à mercearia, podem-se tornar as coisas simples do dia-a-dia em momentos de grande prazer — e pelas casas, que são magníficas, de espaços abertos, amplos, pés-direitos muito altos. Acredito que viver numa casa bonita potencia a felicidade. E tem-se vida de bairro — tenho amigos novos que têm que ver com morar aqui, fazem-se amizades por gostar de viver aqui — e ao mesmo tempo cosmopolita: vai-se ao teatro a pé, à ópera a pé, à FNAC e também ao cinema, e de qualidade, agora que abriu o Ideal, no Calhariz." Pode-se até ir a pé para o trabalho — caso do marido de Bárbara, o arquitecto Pedro Reis, que tem ateliê no Chiado. E as duas filhas mais velhas, porque os pais fizeram questão de que frequentassem "uma escola do bairro", andaram numa pré-primária IPSS a 200 metros de casa. "A partir de certa altura passaram a ir sozinhas. O Sebastião [agora com 5 anos] já não andou lá porque a escola estava com muitos problemas e fechou." Também há uma escola primária na mesma rua, mas, lamenta Bárbara, "não tem pátio. As crianças têm de brincar no corredor. Há essa falha: é preciso investir numa boa escola primária e pré-primária. Porque há imensas pessoas com crianças aqui. Só num raio de cem metros temos dez amigos com filhos destas idades. E os miúdos gostam muito do bairro, que é óptimo para dar os primeiros passos. Se querem comer um gelado, vão os três sozinhos."»
Dum modo ou doutro, recomendável à prática jornalística o mais honesta possível seria que, sempre que viesse ao tema, a jornalista Bárbara Reis informasse o leitor, em rodapé: «Isto interessa-me, moro aqui.»

É em tais circunstâncias que leio o que uma e outra vêm opinando urbi et orbi, em campanha crescente, sobre gentrificação, alojamento local ou turismo na cidade [de Lisboa, claro!] e não pára de me acudir à camada sub-reptícia do pensamento a seguinte lucubração:
Está bem, abelhinha, nota-se nitidamente que não te move qualquer interesse pessoal no assunto...     


Bárbara Reis no Público

«Medina está a tirar os autocarros gigantes do centro da cidade e começou pelo centro histórico. Eleitoralismo? Não. É respeito pela cidade. O mínimo que se pede a um autarca.»

-na!, Me-di-na!, Me-di-na!, Me-di-na!, Me-di-na!, Me-di-na!, Me-di

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro

«Cristiano Ronaldo é um homem simples e que parece bem formado.»

«Ponho as mãos no fogo pelo carácter e pela idoneidade do senhor Cristiano, quer enquanto homem quer enquanto atleta. [...] Portanto, aqui fica o meu registo claro e inequívoco: ponho as mãos no fogo pelo seu carácter e pela sua idoniedade, quer enquanto atleta quer enquanto homem.»*

quer enquanto homem quer enquanto atleta
quer enquanto atleta quer enquanto homem

O que é «homem simples»? O que é «bem formado»?
O que é «carácter»? O que é «idoneidade»?
O que parece que não seja? O que é que não pareça?
Aguardam-se notícias do engenheiro Fernando Santos na unidade de queimados?
«quer ... quer ...» leva vírgula? 

E tu, Plúvio, quem és? Que fazes aqui? Que sabes?

Elevador encravado na subcave do discernimento?
Talvez.

Ia tão bem na idoneidade... Porque se espalhou na idoniedade? Deslumbramento?
Deixe lá, ó engenheiro, que não fica só. Aqui lhe trago a companhia de um gabado jornalista escritor.
«O Luís Pedro Nunes é dos jornalistas que eu conheço que melhor escreve.»
Daniel Oliveira — "Eixo do Mal", 04.Jun.2017 [minuto 49:20] — que, falasse ele bem, teria dito «que mais bem escrevem». 
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É quase sempre assim: só dou o verbete por próximo de pronto quatro dias depois, no mínimo; no máximo, nunca.
Livro de estilo

Gusón Benítez, investigador da reprodução do touro bravo por partenogénese e da cravagem de bandarilhas sem mãos


Deparou-se-me no Público de anteontem, 31.Jul.2017, a cara risonha de uma luso-palestina em que nunca antes reparara.
Julgo tratar-se da primeira página de opinião que Shahd Wadi assina no diário de Belmiro de Azevedo, de David Dinis (medíocre), do Bloco de Esquerda e do "fervor em manobras" em geral; de há muito a esta parte o melhor diário português, que compro e leio, sem falhas, desde o começo em 05.Mar.1990, e vai para 15 anos assino. Deus guarde e conserve, muito mais do que ao Amorim, o senhor engenheiro Belmiro.

"O que aconteceu em Jerusalém?" abre assim: «Milhares de palestinianos e palestinianas* encheram as ruas de Jerusalém na sexta-feira passada».
Cheirou-me logo a esturro, mas resisti até ao fim. Na única ocorrência do adjectivo «extremista» e na única ocorrência do adjectivo «terrorista» era a dois judeus que a doutora Shahd se referia. Só depois de saber o que entretanto apurei, percebi que lhe estaria geneticamente vedado escrever «assassínio de dois agentes de polícia» em vez do que escreveu, «morte de dois agentes de polícia».
Enfim, sinais mais do que bastantes para não me resignar à etiqueta sumária, neutra, com que o Público introduzia a articulista — «Investigadora em Assuntos Palestinianos e Feministas» — e ter de ir googlar a criatura.
É certo que o Público não mente mas poderia ter ajudado o leitor a entender melhor o que iria ler, e ao que vinha a autora, ainda por cima sendo a primeira vez, se a tivesse apresentado assim, mais coisa menos coisa: «Feminista e activista da causa palestina, candidata pelo Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu em 2014».
É que "investigadora das causas" não tem de, necessariamente, ser "praticante das causas". A maioria das vezes, aliás, não será.
Por outras palavras, os "fervorosos" do Público sabem muito e não andam a pé... 

A propósito e antes de que me esqueça, Gusón Benítez não é campino nem toureiro. Trata-se de um simples cientista.

Pesquisando sobre Shahd Wadi, dá-se com ela, entre variadas paragens mais ou menos recomendáveis ao asseio mental, aqui e aqui
Incluo-me nos que intuem insanável, desde o início e pelos milénios fora enquanto esta merda não estoira de vez, a desavença entre os netos e os terabisnetos de Abraão. 
Na parte genealógica que me toca nauseia-me o bedum mas a ter de ser por um lado serei, sem alternativa, por Israel. Já os palestinos são, como se sabe, malta meiguinha, inofensiva, civilizada, democrata e fixe, sempre por Alá. Mas também há por cá. No Público, por coincidência — coincidência com quê, Plúvio? — o mais aguerrido bastião antitourada entre os grandes órgãos da imprensa nacional, adoram-nos.
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* Se o ridículo matasse … 

Por exemplo, Isabel Moreira. 

Concedendo à irrequieta colunista da Visão que frases como 
«Sendo evidente que todas e todos queremos cuidados paliativos de qualidade e abrangentes», 
«o seu compromisso não é com os valores da Constituição laica que dá a cada uma e a cada um a possibilidade de fazer as mais íntimas escolhas pessoais»
ou 
«ignorando a autonomia de cada uma e de cada um para encher de sentido o conceito de "valor da nossa própria vida"», 
constituem padrão aceitável de redacção — t'arrenego! —, então tem de se admitir que a senhora deputada do PS, jurista, Mestre em Direito Constitucionalex-professora universitária, é uma deficiente a escrever.

Assim, onde na crónica em apreço  escreveu …,  deveria ter escrito … :

sessão legislativa sobre os direitos dos doentes em fim de vida / 
sessão legislativa sobre os direitos das doentes e dos doentes em fim de vida

Transcreve para um diploma todos os direitos dos doentes em fim de vida que já se encontra consagrados / 
Transcreve para um diploma todos os direitos das doentes e dos doentes em fim de vida que já se encontram consagrados 

única alternativa do doente / 
única alternativa da doente e do doente 

impor um único modelo de cidadão / 
impor um único modelo de cidadã e de cidadão 

os democratas-cristãos sabem por todos o que é melhor para todos / 
as democratas-cristãs e os democratas-cristãos sabem por todas e por todos o que é melhor para todas e para todos 

dom de Deus à imagem do qual fomos criados / 
dom de Deus à imagem do qual fomos criadas e criados 

argumentos que têm a humanidade de descerem à terra / 
argumentos que têm a humanidade de descer à terra 
Uf!


Por exemplo, Sandra Cunha, deputada BEata.
«Um Estado democrático tem de garantir a igualdade de direitos a todos e a todas»

«Mais de 67% das pessoas não revelam a sua orientação sexual** no trabalho» 
Oh admirável e BEndita precisão

Se o ridículo matasse
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** Como se qualquer "orientação sexual" não fosse, per se, uma desorientação...

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Nada

O Diário de Notícias de domingo, 30.Jul.2017, consagra a capa e 16 páginas da edição em papel à mais extensa e pomposa entrevista de sempre — vá lá, desde Mouzinho da Silveira — de um alto estadista português aos jornais.
- E, Plúvio, que retirastes vós dela?
- Nada.

Que mais, de resto, se poderia esperar de um jornalista banal à conversa com um presidente-arlequim, Cartilaginus rex, no seu reduto?

Aqui ficam, para preservação do vazio, as 17 páginas.