quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O engenheiro e os filósofos [1]

Na célebre entrevista ao Expresso de 19 de Outubro corrente, Clara Ferreira Alves perguntou a José Sócrates, sobre a nacionalização do BPN,

- Está arrependido?

José Sócrates respondeu esta coisa destemida e tremenda, sem qualquer endosso autoral ou remissão filosófica,

- Arrependermo-nos é errarmos duas vezes.

Mais para o fim, dizia José Sócrates,

- Citando um filósofo, a política é a eterna aprendizagem do convívio com a decepção.

Como o engenheiro Sócrates não facilitou e a doutora Clara Ferreira Alves não ajudou, fui deixado a pensar, a googlar e a catar papel: onde terá ido ele buscar aquela do arrependimento? Que filósofo definiu assim a política?


Pois bem.

. Do arrependimento

Na na altura muito badalada conferência que proferiu no Collège Universitaire de Poitiers em 03.Nov.2011 [Pagar a dívida é uma ideia de criança. […] As dívidas gerem-se.- lembra-se?], interpelado por um estudante sobre o que mudaria na sua governação de seis anos se pudesse voltar atrás, o ex-primeiro-ministro explicou-se [01:31:10],

- Nietzsche um dia disse uma coisa mais ou menos como esta: arrependermo-nos é errar duas vezes.

Em que obra terá Nietzsche escrito aquilo ou parecido? Tenho e li boa parte da obra de Nietzsche publicada em português; não que Nietzsche tivesse em grande conta o arrependimento ou o remorso, mas não me lembro nem me soa a do ‘errar duas vezes’.

Que tal, por exemplo, Bento de Espinoza [Ética, Parte IV, Proposição LIV]? - «O arrependimento não é virtude nem procede da Razão, mas aquele que se arrepende do que fez é duas vezes miserável ou impotente.»

Cá para mim, foi o Espinoza. 


. Da política

26.Mai.2001- Daniel Innerarity [Bilbau,1959], político, filósofo e professor basco, publica no El País um artigo de opinião, “Hacer política”,

«[…] A mi juicio, la política, especialmente cuando queremos diferenciarla de otras actividades, exige fundamentalmente dos cosas: primera, haber caído en la cuenta de que su terreno propio es el de la contingencia, y segunda, una especial habilidad para convivir con la decepción. Habrá, sin duda, otras definiciones más exactas, pero seguro que ninguna de ellas deja de recoger, en alguna medida, estas dos propiedades.

[…]

En algún momento hay que recoger el veredicto y hacer con ello la política que se pueda. De ahí que la política sea fundamentalmente un aprendizaje de la decepción. Está incapacitado para la política quien no haya aprendido a gestionar el fracaso o el éxito parcial, porque el éxito absoluto no existe. […].»

2002- Daniel Innerarity publica o livro “La transformación de la política”, no qual plasma, com levíssimas adaptações, o dito artigo.

2005- 1.ª edição portuguesa do livro de Daniel Innerarity, “A Transformação da Política”.

28.Fev.2007- «[…] A seguir ao debate mensal na Assembleia da República, José Sócrates, primeiro-ministro e secretário-geral do PS, juntou-se aos deputados socialistas num colóquio sobre a "transformação da política na era da globalização", com o filósofo espanhol Daniel Innerarity. […]

Da obra de Daniel Innerarity, que contou ter conhecido quando António Costa lhe ofereceu um livro pelo Natal, Sócrates disse ter retido que "a política é a aprendizagem permanente do convívio com a decepção", uma frase que o "impressionou e iluminou". [...]» [Lusa, 01.Mar.2007]

13.Mar.2008- Na reportagem da SIC, “Sócrates como nunca o viu” [minuto 30:10], José Sócrates flana com Raquel Alexandra*: «[…] sabe, um filósofo espanhol que conheci aliás recentemente – eu leio filósofos espanhóis; eu não conhecia este, é um basco, um homem que conheci aliás pessoalmente -, escreveu um livro que comprei, ou melhor, perdão, que me foi oferecido, aliás, pelo António Costa no Natal de 2005, e que dizia uma coisa muito interessante. Dizia ele que a actividade política é a eterna aprendizagem do convívio com a decepção. […]» 
30.Abr.2010- Intervenção de José Sócrates na cerimónia de doutoramento 'Honoris Causa' atribuído pela Universidade da Beira Interior a António Guterres: Um grande filósofo europeu disse que a política é a eterna aprendizagem do convívio com a decepção. Não posso estar mais de acordo.
18.Out.2010, página 13, folha 115- «[…] No Salão Nobre do Edifício dos Antigos Paços do Concelho de Lagos, (…) A Sra. Vice-Presidente da Câmara Municipal, Maria Joaquina Matos - eleita presidente, na lista do PS, em 29.Set.2013 -, (…) parafraseando um filósofo político disse que “a actividade política é a eterna aprendizagem do convívio com a decepção”. […]»

Ou seja, o basco não disse exactamente assim, estas coisas pegam-se mas o sentido está lá.


. Do mais

Sábado que vem, 02 de Novembro, fiéis defuntos, veremos como Sócrates vai responder à pergunta parola: O que é que dizem os seus olhos? **

Não espantará se sacar do coldre um filósofo.

 

Do ‘tsunami Sócrates’ destes dias – com o marketing da Babel a espevitar a onda -, li, além da conversa com Clara Ferreira Alves, a entrevista a João Céu e Silva no DN, vi o homem no Herman 2013, assisti ao lançamento d’ A Confiança no Mundo, ouvi a entrevista à TSF … mais as conversas com a Ana Daniela Soares e com a Maria Flor Pedroso, uf!

Nem de tudo gostei e daquilo no Museu da Electricidade, a que um beócio atarantado da CMTV chamou Fundação Mário Soares, não gostei quase nada.

Mas, claro, tenho-me comprazido à tripa-forra, mormente na blogosfera já que não tenho conta no livro das fuças, com a fogueira de fel, sânie e ódio que esta pessoa, porventura o melhor primeiro-ministro de Portugal – um patriota com recorte, visão e determinação de estadista, essa é que é essa*** – nos últimos 100 anos, pese o feitio esquinudo [anguloso, diz ele de si] e certa e determinada idiossincrasia que me encanita particularmente, que José Sócrates, dizia, atiça na caceteiragem passista e filocavaquista. Será que ainda os incomoda a coinceneração por que Sócrates porfiou com admirável valentia para asseio deste país? Se calhar é disso. Ou será do simplex?

Afinal, com que mais posso entreter-me? Com rebites, enxós, palpites e trenós?

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* Sim, a mesma, a que flana. 

** Eu acho que os meus olhos exprimem satisfação e contentamento e felicidade. Ou não? Não acha? [SIC, 02.Nov.2013/14:30] 

*** Dois amigos, que lidaram de perto com o governante José Sócrates em circunstâncias de laboração diversas e não coincidentes no tempo, e se desavieram dele, advertem-me recorrentemente: Como muita e muito boa gente, andas enganado, pá. O Sócrates é a mais refinada representação diabólica do mal; parece uma pessoa e é diametralmente outra. Abre os olhos, convence-te disso.

Ainda não me convenceram nem quero convencer-me.

domingo, 27 de outubro de 2013

Para que se relembre e conste

Amadeo de Souza-Cardoso só viveu de 14 de Novembro de 1887 a 25 de Outubro de 1918. Se isto é um Deus justo, vou ali, já venho.  

À velocidade da inquietação” – ganda título - é um documentário de 58 minutos redentores escrito por Anabela Almeida e realizado por António José de Almeida que compôs igualmente a música, “Amadeo”. Foi estreado na RTP2 em 11.Dez.2012 e entretanto objecto de algumas reemissões.

A locução esmerada é de Inês Meneses, Paulo Rocha e Pedro Ramos e tem lá dentro a depor, entre estimáveis e competentes pessoas, a Maria Helena de Freitas, mulher linda de fala encantadora, nascida em Lisboa em 1958.

As cartas que Amadeo escrevia deixam-me siderado. Como é que, por exemplo, se podiam dizer aos 19 anos coisas daquelas e naquela deslumbrante letra-charrua? E a carta ao irmão António, a poucos meses de, fez agora 95 anos, a gripe espanhola o levar, céus!?

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Há quem queira acabar com a RTP2. Meus ricos e bem aplicados impostos. Porque não acabam antes com as Forças Armadas, hã? Isso, sim, é que seria poupança na despesa do Estado e ganho na decência da Civilização.

02.Mar.1942 - 27.Out.2013, a walk ...

Vinda sabe-se lá donde, uma pessoa aparece, faz umas coisas por cá e vai-se sabe-se lá para onde, à direita de um hífen.

sábado, 26 de outubro de 2013

Prémio Pessoa pelos séculos dos séculos... [3]

O português com maior irradiação cultural no século passado era...?
Se ainda houver Expresso, o português com maior irradiação cultural no século XXII será...?
E se continuar a haver Expresso, o português com maior irradiação cultural no século XXIII continuará a ser...?
Se já houvesse Expresso, o português com maior irradiação cultural no século XIX teria sido...?
Ipsis verbis, mutatis mutandis, etc. e tal, Fernando Pessoa.

Vamos que o português com maior irradiação cultural nos 13 anos que este século já leva é, feitas umas contas por alto, Saramago?...
Ah, mas esse prémio já existe. Pois já. Desencalacrem-se. Vai uma sugestão?
«... cuja designação se inspira no nome de um dos portugueses com maior irradiação cultural universal, Fernando Pessoa.»
Não têm de quê.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Politicomente falando

«Quando lemos a entrevista de José Sócrates feita pela Clara Ferreira Alves percebemos que a mentira de ontem e de hoje, a dos sucessivos governos passados e, no mais alto grau (certamente porque a mentira em curso nos fere e escandaliza mais do que aquela já revogada), a do governo em funções, cobre a textura inteira do real.
[…]
fácil é perceber que o comentário político, sobretudo quando entregue a políticos de profissão, é um lugar de irradiação da mentira política
[…]»

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Refresco

Resumo alargado do Benfica, 1 - Olympiakos, 1, na TVI24.

Em cenário pós-pluvi..., perdão, pós-diluviano, no arrozal da Luz, todos os jogadores e árbitros encharcados até aos ossos, o Benfica substitui Enzo Pérez e Nicolas Gaitán por Rúben Amorim e Rodrigo.

Comentador Pedro Ramalho para comentador Luís Francisco- O que tentou Jorge Jesus fazer com estas trocas?

Luís Francisco, sério e sem um pingo de ironia: Eu penso que acima de tudo tentou refrescar.

domingo, 20 de outubro de 2013

temos medo e está escuro

«[...]
tudo o que é importante acontece em pouco espaço. O corpo abre os braços e depois fecha-os. Abre e fecha os olhos. As pernas podem andar, muito ou pouco, mas depois param.
Nunca se morre em grandes espaços, por exemplo. A morte é uma coisa minúscula. Mesmo quem morre no grande deserto morre no corpo e este é sempre o oposto do largo e complicado mundo, é simples, modesto e pequeno; uma coisa que respira e come e fala e, depois, a partir de um certo momento, já não respira e já não come e já não fala.
No fundo, temos medo e está escuro, e nunca nos aproximaríamos dos outros se o ponto de partida não fosse já esta derrota.»

sábado, 19 de outubro de 2013

Acção

«[…]

Não gosto de radicalismo, da atitude de sim ou sopas! Os que dizem que metade de um prazer não é um prazer não sabem que metade de um prazer ainda é um prazer. E que o caminho do reformismo é o caminho.

[…]

É preciso medir as consequências da boa acção. O exemplo clássico é o de Kant, na ‘Metafísica dos Costumes’. Já o li umas dez vezes. O deontologismo filiado em Kant diz: age de modo a que da tua boa acção resulte uma lei universal. E portanto, diz Kant, nunca mentir. E lá vem o exemplo clássico do judeu escondido na nossa casa. Devemos mentir para o salvar? Como Kant, concluiríamos que não, nunca. Dizer a verdade é a lei universal. E quem pratica a má acção não somos nós, é quem prende o judeu. Ora, a isto eu digo não, é uma cobardia moral. Sempre me filiei nas correntes do consequencialismo e do utilitarismo, o utilitarismo de Bentham e de Stuart Mill. A boa acção é aquela de que resulta mais felicidade e menos sofrimento. É um cálculo. […] Toda a minha vida foi passada a calcular o mal menor; na merda da política, é isso sujar as mãos. Torno-me um deontologista na questão da vida e do sofrimento. Mas, digo na tese, esta discussão entre deontologismo e consequencialismo não leva a lado nenhum, temos de discutir as consequências da acção à luz de uma moral individual e de uma moral pública. Uma ética da responsabilidade que é parte do político. E afirmo que os cálculos que se fazem entre o sofrimento causado e as vidas que se salvam por causa dele estão mal feitos.

[…]

Só sei viver em determinação, em contingência. Não sou um filósofo, não olho para uma situação com a ideia de a entender mas de a alterar.

[…]»

José Sócrates, entrevistado por Clara Ferreira Alves [11 páginas]

Fotografias de Tiago Miranda na arquitectura magnífica da torre de controlo do porto de Lisboa

Expresso/Revista, 19.Out.2013

- x -


«Este governo, o de Pedro Passos Coelho, nasceu de uma infâmia.

[…]

Um governo que começa com uma mentira e uma fraqueza em cima de uma chantagem não acaba bem. Houve eleições, esse momento de vindicação do pequeno espaço político que resta aos cidadãos, e o PSD ganhou, proclamando a sua pureza ideológica e os benefícios da anunciada purga de Portugal. Os cidadãos, zangados com o despesismo de Sócrates e do PS, embar­caram nesta variação saloia do mito sebástico. O homem providencial. Os danos e o sofrimento que esta estupidez tem provocado a Portugal são impossí­veis de calcular. 
Consumada a infâmia, a campanha contra José Sócrates continuou dentro de momentos. Todos os dias aparecia uma noticiazinha que espalhava pingos de lama ou o Freeport, ou a Face Oculta, ou a TVI, ou todas as grandes infâmias de que Sócrates era acusado.

[…]»

05.Jun.1935 - 18.Out.2013

- Tá, é do quando o telefone toca?

- Sim, faz favor.

- Olhe, eu queria…

- … mas antes tem de dizer a frase, por favor.

- Com pepsodent, sorriso permanente.

- É quase isso mas enfim; peça lá o disco.

- Queria ouvir os vampiros do José Afonso.

- Lamento, minha senhora, mas essa não temos.

- Não têm?! Nesse caso…, uma qualquer do António Mourão.

- Com certeza, minha senhora.

- Posso dizer o meu nome?

Etc.

Mais um que se desprendeu do hífen.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A "cena literária"

«[…]
Parece que todos nós, que participamos de uma maneira ou de outra na coisa literária e exercemos no interior dela alguma função, por mais modesta e ínfima que seja, somos compelidos a seguir em frente, a avançar sem nos determos porque há uma força anónima e poderosa que pensa por nós. E, no entanto, quando nos detemos, vemos que foi tudo pulverizado, que a autonomia já só existe praticamente em curtas margens do sistema ou para aqueles que, tendo-a conquistado noutro tempo, quando ela era ainda uma condição geral e necessária, estão em condições de mantê-la.
[…]
aí temos, com carácter hegemónico, o maravilhoso mundo da world fiction.»

Perguntam pelo meu "fascista de estimação";

se o execrei, se me cansei de o postar.
Antes de mais, o meu "fascista de estimação" não é fascista. Se a cara leitora, a quem agradeço a interpelação, não sabe o que é fascista, e manifestamente não sabe, informe-se.

O meu “fascista de estimação” escreve bem como poucos – é, de resto, um dos melhores -, tem muita graça e óptima dicção.

Distribui-se entre Matosinhos, onde nasceu em 1969 num T2 pequenino, e Vimioso. Casado, sem filhos e sem querer tê-los; melhor, possuí-los, como ele fala de quem os tem. Nunca, nem sob ameaça de arma, conduziria na companhia de uma criança. Tem variados cães que adora. Freud lembrava que a devoção de um cão ao dono é o único amor incondicional; e, citando Milan Kundera, o cão é o elo do homem com o paraíso.

A trisavó materna pedia esmola à porta da igreja. A bisavó paterna emigrou para o Brasil onde vendia tapetes na rua. A bisavó materna, operária fabril, era analfabeta.

Dos 4 avós, apenas um frequentou o liceu e só os homens concluíram o ensino primário. O avô materno, gerente de uma das maiores fábricas alimentares nacionais, nunca teve carro, telefone, TV a cores ou máquina de lavar roupa. O avô paterno alistou-se voluntariamente na tropa, aos 15 anos, para fugir à fome.

Os pais nunca tiveram brinquedos em crianças. O pai concluiu a licenciatura depois de em rapazola ter sido varredor no porto de Leixões. A família da mãe, que não concluiu a licenciatura por um triz, alimentava por caridade um vizinho que haveria de se tornar ministro da Justiça e da Defesa.

Licenciado em Sociologia; a professora primária chamava-se Julieta.    

Já gostou mais de futebol – Pelé, Cruijff … - e deixou praticamente de ser benfiquista. Hipocondríaco. Tabagista militante, mas nunca fumo no automóvel.

Pede desculpa quando erra.

Frequento poucos restaurantes, raramente vou a cafés. Amesenda no Solar Bragançano.

Odeia de morte, José Sócrates e Che Guevara [só falta morrer um]. Abomina o Estado, a RTP e a Casa da Música. Não vota nas autárquicas. Detesta socialistas em particular, comunistas e sindicalistas em geral. Despreza o pensador Pierre Bourdieu. Detesta Barack Obama e estima Cavaco Silva que hoje em dia tem, bondosamente – integrou a Comissão de Honra da recandidatura do bronco de Boliqueime à presidência da República -, apenas por presidente fraquinho.

Ama os Estados Unidos da América e Israel [questão judaica, Holocausto, diáspora e isso].

Viciado em séries de TV e em teatro musical norte-americano. Gosta de “cinema clássico”. Nutre uma paixão particular por Franz Kafka de e sobre quem tem 50 biografias e estudos. É afeiçoado ao colunismo anglo-saxónico.

Detém vários milhares de discos e uma dúzia de guitarras e ukuleles. Detesta o Bruce Springsteen e o José Mário Branco e não morre de amores por José Afonso; mas quem ele não suporta é o Zeca. Gosta muito de Lou Reed, Johnny Cash, Paul Morrissey/The Smiths, Leonard Cohen, Samuel Úria. Adora a Amália Rodrigues e a Ferreira Leite – ai, Manuela!

E agora tomai lá para desjejum, meus carentíssimos gonçalvistas da corda,  as 25 crónicas que o horrendo e admirável Alberto publicou na Sábado entre 11 de Abril e 17 de Outubro de 2013.

Lambuzai-vos, indignai-vos, coçai-vos, ride.

Rogério Casanova

na LER de Outubro de 2013 e a revista LER segundo Clara Ferreira Alves*:

Pastoral Portuguesa
- “Room 237 – O quarto escuro da interpretação” [Teorias estrambólicas  sobre “The Shining”, de Stanley Kubrick]
«[…]
Ver alguém partir de premissas erradas para aplicar as técnicas erradas ao objecto errado e assim chegar a conclusões tão distantes da realidade que nem sequer se podem classificar como “erradas” é quase sempre divertido, desde que não resulte em fatalidades.
[…]»
- ‘Consultório literário’
«[…] gostaria de o convidar a especular sobre uma possível correlação entre a evolução das práticas clínicas e as doenças de que personagens literárias foram padecendo ao longo dos tempos […]»

Lolita – Estado de graça”, sobre Lolita, de Vladimir Nabokov, Relógio d’Água/Julho de 2013Uma nota estupefacta para a presente tradução**, que representa um avanço estratosférico sobre a anterior versão portuguesa***, e que, no esforço que exerceu para verter uma prosa cuja eufonia funciona quase exclusivamente à base de aliterações, é um trabalho de quase inacreditável competência e criatividade.»]
________________________________________ 
* «Subvalorização é coisa que não existe na “novíssima” literatura portuguesa. São todos sobrevalorizados: os que publicaram, os que publicarão, e mesmo os que nunca pensaram publicar e um destes dias, sem querer, ganham um prémio. A inexistência de massa crítica e de discórdia, o facto de a única revista literária portuguesa, “Ler”, ser um produto de lobby (o de Francisco José Viegas, com o seu índex de inimigos e desagrados), e um “meio” pequeníssimo inquinado pela recusa da polémica (toda a gente se conhece e todos dependem uns dos outros) faz com que os autores nunca sejam sujeitos a um juízo literário liberto de constrangimentos e cumplicidades. Que alguns mereciam. A “Ler” instituiu uma ditadura do gosto e do marketing e exerce um poder de canibalização  que ninguém ousa contrariar. No corredor, pratica-se o escárnio e maldizer. E lá vamos andando.»

Ao mesmo tempo que se aprecia o desassombro com que Clara Ferreira Alves, que não trabalha para a LER e a quem o Francisco que paga é o Pinto Balsemão, escreve estas coisas no Expresso sem precisar de tomates, espera-se que, apetrechados com dois pares deles, os canibais José Mário Silva e Pedro Mexia, plumitivos residentes na LER e com bancada crítica permanente no Expresso, não demorem a vir contrariar publicamente – no corredor não vale - a sua façanhuda e plumitiva colega. De preferência, libertos de constrangimentos e cumplicidades

** De Margarida Vale de Gato. Parabéns, Margarida!

*** Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues para as Publicações Europa-América, 1974; depois, para a Editorial Teorema, Círculo de Leitores, etc.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Nuno Crato | João Carlos Espada

«[...]
A sua [de Nuno Crato] batalha contra o “eduquês” baseou-se num método comum e eficaz, quando o alvo é um público de espectadores: consiste em encontrar um adversário-fantasma e dar-lhe um nome. A escola e os programas de ensino tinham e têm problemas. Mas aquilo a que Crato e a constelação onde ele brilhou chamaram “eduquês” nunca passou de um diagnóstico superficial, muitas vezes errado, sempre demagógico.
[…]
Desta constelação de novos “realistas”, o elemento mais caricato, aquele que a revela em toda a sua mediocridade — e que, como não podia deixar de ser, integra o novo Conselho Científico — é João Carlos Espada, uma versão dura do “realismo” cratiano.
[…]
O novo realista só encontra conforto e segurança nas proposições dogmáticas do senso comum, da doxa (a opinião, pois claro) e por isso está sempre a chamar à ordem quem delas se afasta. O seu gesto preferido consiste em agitar espectros porque os argumentos de que dispõe e que repete exaustivamente só valem contra um adversário fantasma e não servem para nenhum verdadeiro debate. Um Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanas que integra o João Carlos Espada vale, em si mesmo, como um programa de investigação.»

Claude Lanzmann: “Shoah” e “O último dos injustos",

- Luís Miguel Oliveira, “Um homem no labirinto do Holocausto[Inclui conversa telefónica com Claude Lanzmann]
- José Marmeleira, “Diante de Shoah, o espectador transforma-se num homem
- António Guerreiro, “Uma metafísica das imagens  -  Com Shoah, Claude Lanzmann quis construir um 'monumento' que mostra os sobreviventes do Holocausto entregues à trágica experiência de trazerem para o presente um passado que não passou.
«[…] no filme de Lanzmann, Shoah, perpassa o discurso do irrepresentável ou do interdito da representação, de tal modo que, nele, como observou Jacques Rancière num texto incluído no volume citado, L’Art et la Mémoire des Camps, o que há a representar não são os carrascos e as vítimas, é o processo de uma dupla supressão: a supressão dos judeus e a supressão dos rastos da sua supressão.
[…]
Esta estética negativa, como sabemos, aproxima-se perigosamente da noção de sublime. O Holocausto como objecto sublime por excelência — eis o ponto a que se chega depois de se dar a volta pelo “irrepresentável” e “inimaginável” do horror. E isso tanto dá origem a uma estética negativa (a de Lanzmann) como a um kitsch erudito (que se fixa no paroxismo do irrepresentável e não consegue esconder uma ambígua exaltação face a ele). Num livro de 1998, Quel che resta di Auschwitz, Giorgio Agamben criticava todo o discurso que envolve Auschwitz de uma aura carregada de poder extático e sacralizador. Nesse discurso, via ele a intromissão de categorias teológicas que fazem do Holocausto uma nova teodiceia: Que Auschwitz tenha sido um fenómeno único (pelo menos, em relação ao passado, quanto ao que o futuro nos reserva só podemos ter esperança) é bastante provável (…). Mas porquê indizível? Porquê conferir ao extermínio o prestígio da mística? Que espécie de trânsito ou analogia, apesar de todas as diferenças, podemos descobrir entre esta mística do indizível e a estética negativa do inimaginável do filme de Claude Lanzmann?»
- António Guerreiro

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Povo e populismo

«[…]
Tal entidade — o povo — só existe como uma elaboração ficcional, ou, pelo menos, sob a forma de uma pluralidade de figuras que nada têm a ver umas com as outras: o “povo soberano” da democracia não é a mesma coisa que o “povo jurídico” de Kant; e ambos são diferentes do “povo trabalhador” que o movimento comunista elevou a sujeito da História; e nenhum deles se confunde com o povo definido por uma relação orgânica com o solo e o sangue (de onde advém a ideia de um Volk, que foi, em todo o lado, um mito nefasto e quase sempre criminoso).
[…]
esta esquizofrenia: no mesmo jornal ou na mesma cadeia de televisão onde os directores e responsáveis não se coíbem de fazer discursos contra o populismo político, promove-se e alberga-se o mais descarado populismo cultural, que consiste em fornecer aquilo que é objecto de um consenso fabricado por quem decide o que agrada e interessa ao maior número.»

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Portugal demencial

Pelas 22:40 de ontem, domingo, vi e contei 24 pessoas - uma única mulher, ah benditas mulheres! - a perorar em directo, na televisão portuguesa, sobre a jornada futebolística do dia. Às 22:42, a todos os doutos preopinantes da bola* foi interrompido o pio para que os senhores telespectadores dos cinco canais em causa pudessem escutar, em directo do estádio António Coimbra da Mota no Estoril, um burgesso milionário chamado Jorge Jesus que iria proferir umas patacoadas cruciais para o destino da Humanidade.
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* Decepciona-me, em particular, ver nestes painéis de torrencial e redundante salivação o bom do João Gobern, ainda por cima já contagiado, decerto pelo seu amigo e parceiro Pedro Rolo Duarte, com o peçonhento tique «dito isto,» - «isto dito,», na variante sofisticada - que grassa entre a fauna psitacídea de bem-falantes da comunicação social, como se, antes de dito aquilo, não se pudesse avançar para o que vai ser dito a seguir sem ter deixado a populaça devidamente esclarecida acerca do ciclo das marés e da ameaça da peste. Tanta pesporrência à solta, céus!, incluindo a do presente post.