Na célebre entrevista ao Expresso de 19 de Outubro corrente, Clara Ferreira Alves perguntou a José Sócrates, sobre a nacionalização do BPN,
- Está
arrependido?
José Sócrates respondeu esta coisa destemida
e tremenda, sem qualquer endosso autoral ou remissão filosófica,
- Arrependermo-nos
é errarmos duas vezes.
Mais para o fim, dizia José
Sócrates,
- Citando um filósofo, a política é a eterna aprendizagem do convívio com
a decepção.
Como o engenheiro Sócrates
não facilitou e a doutora Clara Ferreira Alves não ajudou, fui deixado a
pensar, a googlar e a catar papel: onde terá ido ele buscar aquela do
arrependimento? Que filósofo definiu assim a política?
Pois bem.
. Do arrependimento
Na na altura muito badalada
conferência que proferiu no Collège Universitaire de Poitiers em 03.Nov.2011 [Pagar
a dívida é uma ideia de criança. […] As dívidas gerem-se.- lembra-se?], interpelado por um estudante sobre o
que mudaria na sua governação de seis anos se pudesse voltar atrás, o ex-primeiro-ministro explicou-se [01:31:10],
- Nietzsche
um dia disse uma coisa mais ou menos como esta: arrependermo-nos é errar duas
vezes.
Em que obra terá Nietzsche escrito aquilo ou parecido? Tenho e li boa parte da obra de Nietzsche publicada em português; não que Nietzsche tivesse em grande conta o arrependimento ou o remorso, mas não me lembro nem me soa a do ‘errar duas vezes’.
Que tal, por exemplo, Bento de Espinoza [Ética, Parte IV, Proposição LIV]? - «O
arrependimento não é virtude nem procede da Razão, mas aquele que se arrepende
do que fez é duas vezes miserável ou impotente.»
Cá para mim, foi o Espinoza.
. Da política
26.Mai.2001- Daniel Innerarity [Bilbau,1959], político, filósofo e professor basco, publica no El País um artigo de
opinião, “Hacer política”,
«[…] A mi
juicio, la política, especialmente cuando queremos diferenciarla de otras
actividades, exige fundamentalmente dos cosas: primera, haber caído en la
cuenta de que su terreno propio es el de la contingencia, y segunda, una especial habilidad para convivir con la decepción. Habrá,
sin duda, otras definiciones más
exactas, pero seguro que ninguna de ellas deja de recoger, en alguna medida,
estas dos propiedades.
[…]
En algún
momento hay que recoger el veredicto y hacer con ello la política que se pueda.
De ahí que la política sea
fundamentalmente un aprendizaje de la decepción. Está
incapacitado para la política quien no haya aprendido a gestionar el fracaso o
el éxito parcial, porque el éxito absoluto no existe. […].»
2002- Daniel Innerarity publica o livro “La transformación de la
política”, no qual plasma, com levíssimas adaptações, o dito artigo.
2005- 1.ª edição portuguesa do livro de Daniel Innerarity, “A Transformação da Política”.
28.Fev.2007- «[…] A seguir ao
debate mensal na Assembleia da República, José Sócrates, primeiro-ministro e
secretário-geral do PS, juntou-se aos deputados socialistas num colóquio sobre a
"transformação da política na era da globalização", com o filósofo
espanhol Daniel Innerarity. […]
Da obra de
Daniel Innerarity, que contou ter conhecido quando António Costa lhe ofereceu
um livro pelo Natal, Sócrates disse ter retido que "a política é a aprendizagem permanente do convívio com a
decepção", uma frase que o "impressionou e iluminou". [...]» [Lusa, 01.Mar.2007]
13.Mar.2008- Na reportagem da SIC,
“Sócrates como nunca o viu” [minuto 30:10], José Sócrates flana com Raquel Alexandra*:
«[…] sabe, um filósofo espanhol
que conheci aliás recentemente – eu leio filósofos espanhóis; eu não conhecia
este, é um basco, um homem que conheci aliás pessoalmente -, escreveu um livro
que comprei, ou melhor, perdão, que me foi oferecido, aliás, pelo António Costa
no Natal de 2005, e que dizia uma coisa muito interessante. Dizia ele que a actividade política é a eterna
aprendizagem do convívio com a decepção. […]»
30.Abr.2010- Intervenção de José Sócrates na cerimónia de doutoramento 'Honoris Causa' atribuído pela Universidade da Beira Interior a António Guterres: Um grande
filósofo europeu disse que a política é a eterna aprendizagem do convívio com a
decepção. Não posso estar mais de acordo.
18.Out.2010, página 13, folha 115- «[…] No Salão Nobre do Edifício dos Antigos Paços do Concelho de Lagos, (…) A Sra.
Vice-Presidente da Câmara Municipal, Maria Joaquina Matos - eleita presidente, na lista do PS, em 29.Set.2013 -, (…) parafraseando um filósofo político disse
que “a
actividade política é a eterna aprendizagem do convívio com a decepção”. […]»