sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Comentários

«[…]
a liberdade de expressão, que desde o Iluminismo se tinha tornado uma reclamação tão importante quanto a de uma universidade moderna enquanto instância de produção, legitimação e socialização do saber, ficava agora mais próxima do seu ideal. Não foi preciso muito tempo para que o ideal soçobrasse e viesse ao de cima a sua face tenebrosa. As caixas de comentários tornaram-se um vazadouro de insultos, de difamações, de indignações automáticas, de trocas de palavras intermináveis e ociosas. Aquilo que era de início visado como objectivo e se pensava que seria a regra — o diálogo com base no princípio da razão e da reciprocidade, o acréscimo de saber e de opinião, a ampliação da esfera pública — tornou-se rapidamente uma excepção: aniquilou-se por hipertelia e foi rapidamente ultrapassado por um conflito de objectivos. Os comentários infames proliferam com uma força colonizadora e de expropriação, impõem a lei, sinalizam o espaço. A ideia utópica de uma paz eterna — ou, pelo menos, negociável em cada momento — entre os jornais e os leitores tornou-se uma guerra que procede pela poluição moral e intelectual (e, para tal, basta uma minoria ruidosa).
[…]»
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Já agora,
«[…]
Esta escrita está para a música do romance como a atonalidade está para a harmonia.
[…]
O espanto, como sabemos, é o princípio da atitude filosófica e da vontade de saber.
[…]
este livro que se chama Armadilha desarma simultaneamente as imposturas literárias, as imposturas ideológicas e as imposturas culturais.
[…]»

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Rogério Casanova


Pastoral Portuguesa
- ‘O döppelganger na sua privacidade’
«[…] Há algo de perturbante na ideia de duplicação humana. […]»
- ‘Consultório literário’ – Margarida e George
«[…] não há muito a fazer quando se tenta colocar escritores num ecrã. […]»

Gente de Outono”, sobre Algo maligno vem aí”, de Ray Bradbury

Já agora,
«Fortemente marcado pela influência de, Rogério Casanova é um expoente da, talvez o melhor desde.
[…]
(R. Casanova) acredita que a “honestidade” é esteticamente um beco sem saída.
[…]»

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Lomba cronista, Lomba pinículo*

«[…]
De repente, e de maneira inesperada, Pedro Lomba tinha emergido como uma figura muito parecida com as figuras literárias da história da bêtise, tais como o Simplicius Simplicissimus e o Schlemiel. Estava a imagem em processo de reparação, eis que Pedro Lomba publica, enquanto secretário de Estado adjunto do ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, um artigo no PÚBLICO do passado domingo intitulado Uma agenda para a imigração.
[…]
Temos aqui um sinal eloquente da idiotia, essa “coisa” da qual Rilke, no seu Lied des Idioten (canção do idiota), diz: “Como é bom/ Nada se pode passar”.
[…]
Será mesmo inevitável que o intelecto se subordine sem reserva ao idioma e ao idiotismo da profissão política e da organização de grupo?
[…]»
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*

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

"Clair de Lune" *

O doodle com a que a Google homenageia hoje Claude Debussy, nos 151 anos do seu nascimento, é uma coisa delicada, muito bonita e tão bem feita que faz crer – pelo menos durante dois minutos e meio – que a Humanidade não esteja irremediavelmente perdida.
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* Parafraseando outro, felizmente há...

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Ainda a consciência tranquila

«[...]
quando um político português diz que está muito tranquilo, fico logo em sobressalto.
[...]»

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Pelo que esconde, a biografia oficial/governamental de Rui Machete é

um epítome de podridão. Náusea, nojo.
Parece-me cada vez mais claro, por saciedade de indícios, que a disciplina de Escrúpulo ninguém na Católica a rege; ou então não se vê quem a aprenda por lá.

«A defesa que Correia de Campos fez de Rui Machete* (“amigo de 30 anos” e ex-colega na administração da FLAD), merece uma palavra de estupefacção.
[…]
pensará Correia de Campos que a sua responsabilidade se esvai pelo facto de ter lá estado em “ilustres companhias” – ou seja, os “ilustres” protegendo-se uns com os outros, para que ninguém tivesse de saber coisa alguma?
[…]»
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Por amor de Deus, ó doutor Correia de Campos [admito que hoje se sinta arrependido], amizades dessas guarde-as na esfera da sua privacidade; melhor, clandestinidade.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Mérito, meritocracia e Zink

«[…]
é preciso distinguir o mérito da meritocracia. Certamente que ninguém deixará de apreciar os méritos dos estudantes e dos professores, identificando-os com a inteligência, a cultura, o espírito crítico, o empenhamento no trabalho, enfim, as diversas capacidades. Mas a meritocracia é outra coisa completamente diferente, como sugere a composição da palavra, que estabelece uma relação entre mérito e poder: é um projecto de engenharia social em que a identificação do mérito de uns é a outra face da selecção negativa de muitos outros. Esta crítica da ideologia meritocrática está longe de ser exclusiva da esquerda e não recai necessariamente no igualitarismo.
[…]»
- x -
«[…]
convém não esquecer que estamos em Portugal. Um país onde os cobardes são as pessoas mais susceptíveis e onde a meritocracia disfarça o oposto da meritocracia.
[...]
Os [escritores] dos países sempre em crise têm mais sumo para contar e, se lhes der para num bar tentar seduzir uma pessoa, são mais românticos. Eu não posso competir em sangue com um argentino e "las madres de la Plaza de Mayo". Já me aconteceu e perdi, a australiana passou a noite com ele.
[…]»

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O prestígio da Universidade Católica e a consciência tranquila

Joaquim Pais Jorge - muito provavelmente ninguém lhe arrebatará o recorde de “o pinículo de mais curto consulado”, 37 dias de 02.Jul a 07.Ago.2013 – é apenas um, mais um, ainda que desajeitado como nenhum, entre os multiplicados figurantes do capitalismo ultraliberalóide que pouco parecem dever ao desinteressado rigor da verdade e praticamente nada à ética cristã, formados e ungidos pela Universidade Católica Portuguesa.
Pressinto – uma muito estudiosa intuição, enfim - que os cursos de Direito e de Gestão/Economia/Ciências Sociais da Católica, com a devida resssalva das, muitas boas e algumas santas, almas que de lá saem, vêm crescentemente constituindo o útero da mais reputada e refinada sabidice arrangista na classe dirigente deste tão maltratado país. É vê-los por aí, em enxame, nos pelouros da governação [perco o fôlego a contar as lapelas pinículas do Governo de Passos Coelho  moldadas na Católica ou que nela tenham tirocinado…] e das empresas, possessos de bom nome e de êxito profissional, sem prejuízo, claro, da presumida exigência didáctica do ensino superior concordatário.
Apetece perguntar, por exemplo ao excelentíssimo poeta Tolentino, padre lúcido e Vice-Reitor da Universidade Católica Portuguesa, que merda de catolicismo se anda por lá a inculcar nas cabecinhas brilhantes e crismadas dos alunos da burguesia que depois dão nisto. Onde está o sentido de serviço, missão, dádiva, despojamento, entrega, escrúpulo, verdade? Que faz esta gente ter, por exemplo, alergia à bela e nobre palavra trabalhador, como se fosse léxico do demo, usando e mandando usar na sua vez um dos mais repugnantes e mal-intencionados eufemismos do nosso tempo – colaborador?

Já agora, e só de passagem, estará alguém com saber e em condição, e com coragem, de revelar aos contribuintes exangues quanto confiou a Igreja Católica portuguesa, em toda a sua extensão e desdobramento institucional, vascular e capilar [paróquias, dioceses, congregações, conventos, seminários...], no e ao BPN, o mais mastodôntico e incomparável crime perpetrado na democracia portuguesa? De génese cavaquista, há que relembrá-lo sempre.
A padralhada será tudo menos ingénua.

O pinículo Pais Jorge é também mais um, como todos, que sai de consciência limpa - Saio sem qualquer arrependimento e de consciência limpa; ainda que a maioria use dizer, em situações de tal vezo, estou/saio de consciência tranquila. Como se a limpeza ou a tranquilidade da consciência do tratante nos pudesse tranquilizar. A mim desconforta-me muito mais a consciência sossegada de um bandido do que o seu eventual desassossego.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

António Guerreiro

Sobre os exames de Português e de Literatura Portuguesa 
«[…]
A dificuldade reside sobretudo em nos colocarmos em perfeita sintonia com as perguntas, em aceder à sua lógica, em aceitar as evidências interpretativas que elas pressupõem. Em suma: em falar o mesmo “idioma” que elas. Trata-se sempre de perguntas que não convidam o aluno a ler e interpretar, mas a repetir leituras e interpretações que lhe foram fornecidas.
[…]
A doutrina correctiva que acompanha cada prova tem a função de não permitir qualquer discrepância,  aspira a uma justiça infalível e universal: introduz o rigor do regime digital no mundo do analógico.
[…]»
-  “A Teologia dos exames”, 28.Jun.2013

Sobre a “Obra Completa” do Padre António Vieira – 30 volumes – em edição pelo Círculo de Leitores
«[…]
Um Padre António Vieira lido pura e simplemente em chave superficialmente barroca, com incidência exclusiva na exuberância retórica dos seus sermões (ou seja, a imagem de um Vieira que deleita com o seu engenho discursivo e representa um lugar supremo do génio linguístico português) é uma maneira de anular uma outra dimensão de grande amplitude que a sua obra contém, como podemos vislumbar em A Chave dos Profetas, por onde começou este projecto grandioso de edição da Obra Completa do Padre António Vieira.
Nota: Uma questão problemática, nesta edição, levantada com ênfase por Vasco Graça Moura*, é a aplicação das normas do novo Acordo Ortográfico, com o argumento de que ele está em vigor. Como neste momento são utilizadas pelo menos três normas ortográficas diferentes no espaço da língua portuguesa e não se sabe como é que vai ter fim a confusão instalada, a questão ortográfica levantada por esta edição é um sintoma eloquente da trapalhada causada pelo AO/90.»
- “Tão grande o génio, tão longo o delírio”, 28.Jun.2013

Sobre Francisco José Viegas e o Acordo Ortográfico
«Durante muitos anos, a cultura foi para Francisco José Viegas uma religião civil: ecuménica, extensiva, capaz das mais maleáveis operações de síntese. Até que um dia este soldado da paz se deixou recrutar e foi servir, como general, no campo de batalha. Não fez uma campanha gloriosa, nem tal se esperava, mas não seria correcto dizer que saiu com o rabo entre as pernas: mal recuperou os direitos civis, mandou a hierarquia que tinha servido – ou parte dela – “tomar no cu”. Começava aí uma saída dolorosa e declinada no gerúndio: tratava-se de ir saindo até que o ex- (do ex-secretário de Estado da Cultura) fosse completamente sacudido das suas vestes.
[…]
Desta vez, o ex-secretário de Estado da Cultura vem dizer que “o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa está cheio de normas ridículas que deveriam ser corrigidas ou simplesmente rasuradas” e que ele “não deveria ter entrado em vigor sem que estivesse encerrado o Vocabulário Ortográfico”. Nesta matéria - como na outra, escatológica - o ex- é muito mais claro e afirmativo do que o secretário de Estado e até podemos pensar que está a querer demiti-lo retroactivamente.
[…]»
- “Francisco José Viegas nunca foi secretário de Estado”, 05.Jul.2013

Sobre o comentário político e o português miserável de um catedrático, ex-ministro
«[…]
O que leva esta horda de comentadores — que ora passam do comentário à prática, ora da prática ao comentário — a repetirem-se sucessivamente? A resposta é fácil: estão convencidos de que o nome próprio basta para caucionar o que dizem, porque uma estereotipada encenação os coloca no lugar do sujeito-suposto-saber.
[…]
Talvez seja tempo de dizer que não é do “comentário político” que precisamos: é do comentário filológico e gramatical.
[…] dá erros tão crassos (Vítor Gaspar, na carta de demissãoque a sua “redacção” não passaria com sucesso pelos critérios de correcção que o Ministério do seu ex-colega Crato elaborou para os exames do Secundário. É ele que escreve que “essa urgência tornou-se inadiável”, quando quer dizer que a sua substituição, que antes era urgente, se tornou inadiável; é ele que escreve “estou convencido que”, em vez de “estou convencido de que”; é ele que comete este elementar erro de concordância: “Assegurar as condições internas de concretização são uma parte deste fardo”.
[…]»
- “A gramática como arma política” 12.Jul.2013

Sobre a degenerescência da política e o consenso
«[…]
Crise da política significa, como sabemos, o fim da sua autonomia, passagem a uma posição subalterna relativamente à economia (o que faz dos governos comités de negócios), despolitização do agir público, ideia hegemónica da opinião pública (isto é, uma ideia passivamente neutra da política), incorporação da ideologia da anti-política, perda das duas grandes subjectividades históricas de onde ela tinha retirado toda a sua força: as massas politizadas (que deram lugar à gente apolítica) e o Estado, que já não é concentração de poder e nem sequer já detém o monopólio da violência.
[…]»
- “Requiem pelos partidos”, 19.Jul.2013

Sobre o carisma na política, à luz de Max Weber
«[…]
a sua - de Max Weber - sociologia do carisma, assim como a sua reflexão sobre a política como profissão (ou vocação, Beruf), são uma paragem obrigatória para, entre outras coisas, percebermos o que está em causa quando ouvimos dizer que faltam, em Portugal e na Europa, “grandes homens”, políticos com carisma. Esta reclamação recorrente é altamente perigosa: o século XX foi o século das patologias do carisma, tanto o nazismo como o estalinismo foram formas extremas de dominação carismática.
[…]
Contra um axioma liberal que conheceu e conhece versões radicais, Weber defendeu que a ideia de cumplicidade entre capitalismo e democracia é uma infantilidade ideológica, o que o levou a esta pergunta inquietante sobre a qual devíamos estar todos a meditar: ‘Como é que a democracia e a liberdade podem ser mantidas a longo prazo sob as condições do capitalismo avançado?’.»
- “A boa dose de carisma”, 26.Jul.2013

Sobre os etólogos Bernardo Mendonça e Tiago Miranda, de Paço de Arcos,  em interacção com «uma vistosa e alta figura loura» na Comporta
«[…]
A única coisa que vem perturbar esta harmonia pré-estabelecida é o nosso olhar viciado pelo demónio da reversibilidade, esse olhar que nos leva a concluir que não é o cão que foi condicionado, foi ele que condicionou o seu dono e sabe que, salivando, este lhe oferecerá comida. Ora, por esse mesmo fenómeno da significação reversível, nada garante que estes ricos que dizem brincar aos pobrezinhos no Verão da Comporta não sejam pobrezinhos que brincam aos ricos durante as outras estações.
[…]
Assim, por via da reversibilidade, o parque natural e temático da Comporta, observado na viagem exploratória de um etólogo da estação científico-laboratorial de Paço d’Arcos**, surge desvelado aos olhos do leitor em posição invertida: no rico laboratório da Comporta foi acolhido para estudo um exemplar do parque natural de Paço d’Arcos**. Como toda a gente sabe, a ciência, ao contrário do jornalismo, não é coisa de pobres.»
- “Brincar aos pobrezinhos”, 02.Ago.2013 [António Guerreiro, magistral.]

Sobre Como Uma Flor de Plástico na Montra de um Talho, de Golgona Anghel, editado por Assírio & Alvim
«[…]
O poema como uma contra-poesia ou um pensamento do contra, como manifestação herética perante a religião da literatura e as devoções de que ela é objecto, cruza-se aqui com uma muito respeitável tradição literária: a da sátira, a do escárnio, a do riso.
[…]»
- “No bordel das musas”, 02.Ago.2013
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* Vasco Graça Moura - José Carlos de Miranda - Isabel Lucas - Miguel Esteves Cardoso - Vasco Graça Moura, no Público de 03, 04 e 06.Abr.2013.

** Et pour cause... Sede do Expresso, cuja Revista dedicou 11 páginas à reportagem "Comporta, o refúgio hippie-chique", texto de Bernardo Mendonça e fotografias de Tiago Miranda [27.Jul.2013]:
Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 PAÇO DE ARCOS