quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Mantra da lamentação

«Lamentamos mais 33 mortos.»
Em tempo
«Hoje lamentamos 40 vítimas mortais.»

A SIC subiu a parada: passou de lamentar com sujeito indeterminado — há a lamentar, lamentam-se ... — a lamentar ela própria os mortos por covid-19, apenas esses, assimilando bovinamente e sem aspas a retórica dolorida do governo carreada pelos despachos serviçais da Lusa do Nicolau.

Simplesmente lastimosos, para não lhes chamar, como António Guerreiro lhes chamou com as letras todas, estúpidos: 
«como é que gente certamente sensata e inteligente aceita passar por estúpida quando cumpre a sua tarefa profissional?»

Ficamos à espera do dia em que este jornalismo mimético comece, por exemplo, a lamentar os desgraçados, várias dezenas por ano, que morrem debaixo dos tractores com que trabalhavam e, já agora, do dia em que a propaganda de António Costa lhes dedique — acaso não merecem? — luto nacional.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

O «conscionalismo» democrático e o orgulho proléptico de António Costa

«As eleições regionais são sempre uma marca importante do conscionalismo democrático [...]
O PS orgulha-se muito do seu passado, do seu presente e do seu futuro [...]»

Ah valente!

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Covid-19 | Mortes a lamentar

«Hoje há a lamentar mais X mortes
Frase repetida diariamente como um estribilho em todos os noticiários televisivos*, desde o início da pandemia.
Quando não entoa hinos, o jornalismo televisivo recita elegias. A mais insistente deste há meses tem uma fórmula fixa que se exprime retoricamente através da fórmula “hoje há a lamentar”. O sujeito da lamentação é indefinido e podemos presumir que é colectivo. A fórmula diz que toda a morte é lamentável e não há ninguém que não a lamente. Mas porque se repete tal fórmula até ao ponto em que ela se esvaziou de qualquer tom lutuoso e se tornou apenas cómica? Em primeiro lugar, porque a linguagem da dramatização tornou-se um lugar-comum deste discurso jornalístico demagogicamente enfático nas palavras, nos sons e nas imagens; em segundo lugar, por obediência cega a uma “fraseologia” que precisava de ser satirizada por um Karl Kraus renascido, que começaria certamente por perguntar: como é que gente certamente sensata e inteligente aceita passar por estúpida quando cumpre a sua tarefa profissional?»
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* Para ser preciso e justo com as outras televisões, António Guerreiro deveria ter escrito «em todos os noticiários da SIC». Deixem-me remeter para o verbete "Surto de psitacismo na SIC com mortes a lamentar", de 11 de Agosto transacto.
E lá continuam, ridículos e dignos de dó, todos os pivôs da SIC todos os dias a toda a hora, no mantra diário da lamentação. Dois exemplos:
Ana Peneda Moreira, anteontem;