sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Rui Nunes - palavras, língua, Deus e o mais

«[...]
A língua não é um dom de Deus; a língua é um instrumento. E quando eu ouço dizer “A língua é sagrada”, ou ouço falar do “respeito pela língua”, tenho medo. A língua não tem nada de sagrado, como uma enxada não tem nada de sagrado. Serve, a enxada, para eu cavar a terra; a língua serve para eu falar, para eu escrever, para eu comunicar. É um meio, um meio que às vezes surge quase como um fim; mas todas as vezes que a língua surge como um fim, é preciso suspeitar. Ela, realmente, é um meio, e é preciso reconduzi-la à condição de meio que ela é, não sacralizá-la. Portanto, todos os processos de contaminação da língua me fascinam. Quanto mais contaminada a língua for, mais plástica se torna, e menor poder tem. Realmente, parece que usam a língua como um meio, um meio para contar histórias, mas não: estão a ser utilizados pela língua. A língua é que sabe as histórias que quer que se conte. Porque a língua tem lá todas as histórias; foram estabelecidas ao longo dos séculos.
[...]
a palavra “Deus”. Nós nascemos com essa palavra, ela está por todo o lado. Na arte, na literatura, na filosofia, na educação, por todo o lado. É uma ideia com um significado fortíssimo, um enorme peso. Como a ideia de justiça, a ideia de bem e de mal. É um conceito. Mas é um conceito de uma importância extrema. Porque, possivelmente, a primeira palavra que eu ouvi foi “Deus”. Como não era muito bem comportado, diziam-me: “Olha que Deus castiga-te.” Mas, como digo num livro, acrescentavam “sem pau nem pedra”. Isso aliviou-me um bocado. Assim, esse castigo não interessa nada. Penso que a minha relação com Deus nasceu aí. O pau e a pedra é que interessam, esses é que magoam; o resto não me afecta. Ou não afectava a criança que eu era. [...] Não sou crente. Infelizmente, digo às vezes. O meu olhar não me permite que eu seja crente. Tudo me diz que Deus não existe. Não é mais do que um conceito. Aliás, seria, para mim, aterrorizador que alguma vez se pusesse sequer a possibilidade de Deus existir.
[...]»
A propósito de "Suíte e fúria"

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Eduardo Lourenço, sejamos justos, não está só

A palavra a João Pedro George:
«[...] Nos últimos anos, sempre que vem à baila a obra de Eduardo Lourenço, parece que toda a gente, tanto à direita como à esquerda, mergulhou numa panela de clorofórmio. Porque, em boa verdade, Eduardo Lourenço pode ser reivindicado por ambos os lados do espectro político. Tanto assim que o mestre de Vence se tornou, hoje, numa espécie de porta-voz do status quo e num senador das letras, investido das funções cardinalícias de administrador não executivo da Gulbenkian.
O pensamento de Lourenço organiza-se em torno de duas ideias. A primeira não é verdadeira e a segunda não é original. [...]»

A palavra a Eduardo Lourenço:
«Por mais maníacos que sejemos, ou megalómanos, nós não somos o centro do universo.» *
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* O professor Eduardo Lourenço não só não é o centro do universo como não está sozinho nele.
A palavra a Bruno de Carvalho:
«já estão a contar que nós sejemos destituídos.»

E nem o doutor Bruno de Carvalho, apesar de ser o centro do universo, está sozinho.
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sejamos, porra!

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terça-feira, 6 de novembro de 2018

Fernanda, Tânia, Felícia

«CMTV vai a julgamento por divulgar vídeos de interrogatórios de Miguel Macedo
Três funcionárias da estação vão a julgamento por divulgação das inquirições do ex-ministro, em 2015. [...]»
«O pudor e o respeito
Cara Fernanda, funcionária de Proença de Carvalho e subalterna dos dois jornalistas* que o namorado queria ver à frente de um dos grupos que manda na comunicação social. Escrevias tu, há dias, que eu, funcionária da Cofina, com carteira profissional de jornalista, iria ser julgada por violação de segredo de justiça por divulgar os interrogatórios no processo Vistos Gold. Insurgias-te com a CMTV pelo trabalho no caso da viúva Rosa para terminares, onde querias começar, no processo Marquês e na divulgação do que o teu ex-namorado disse à Justiça. Li-te também quando destilavas ódio no Twitter contra os PSP que divulgaram as fotos dos assaltantes. Dizias que não diferiam dos assassinos da Arábia Saudita. Sabes... Pedir uma casa de três milhões a um namorado também não te deixa muito distante de algumas actividades que eu conheço. Pior: o que vos separa nem sequer é o pudor. É mesmo a falta de respeito pela inteligência alheia.»

«[...] Fernanda Câncio. Conheço-a desde que ela se introduziu nesta área com um grupo de anarquistas que tentaram dar algumas luzes àquela cabeça [...]»

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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A crise leonina

Qual Bruno, qual Jesus, qual Varandas, qual Peseiro, qual Keizer, qual quê...
Enquanto não limparem a vírgula do felídeo — À LEÃO, É TER ORGULHO EM MOSTRAR O CARTÃO. — o Sporting não irá a lado nenhum.

domingo, 4 de novembro de 2018

De que se morre?

A Maria Guinot*, por exemplo, foi «de infecção respiratória na Parede».
E se o Diário de Notícias o diz é porque foi.
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* Maria Adelaide Fernandes Guinote Moreno, 20.Jun.1945 -** 03.Nov.2018. Guinote, sim; nada como uma apócope artística para aditivar o pedigree...

sábado, 3 de novembro de 2018

Contraponto

«[...]
Agosto de 2018, pico da silly season. Numa daquelas entrevistas curtas e superficiais, questionários de Proust com farinha Maizena para encorpar, e sem que se esperasse, eis uma nova coroação, desta feita não às mãos de um outro editor, veterano medalhado e ferido de perdidas batalhas, mas da própria jornalista que orientava a entrevista. Por esta ficámos a saber que o novo imperador a ostentar a incómoda coroa da linhagem de quase falidos editores nacionais é um jovem “coordenador cultural da Porto Editora”, que, além do atributo real, herdou também a casa-mãe da dinastia: a Contraponto, essa mesma fundada por Luiz Pacheco, de que ele é agora apresentado como “relançador”, e na qual lançará, porventura à laia de justificar a unção da sua jovem cabeça, umas biografias de gente que conheceu o fundador da Contraponto e nela foi publicada (Natália, Herberto). Num mesmo corpo, um novo imperador e uma reencarnação. Em suma, um acto messiânico, um verdadeiro milagre oferecido ao distraído leitor comum, entre um mergulho e outro.
[...]»

Quem será a «própria jornalista»? Quem é o «novo imperador»? Onde foi publicada a «entrevista»?
Gostei da peça, nutro admiração antiga pelos galimares em apreço, concordo muito com o autor, mas ponho-me no lugar do desprevenido e indocumentado freguês do Público e pergunto: que razões estranhas impedem o excelente Pedro Piedade Marques de "chamar os bois pelos nomes" [Inês Maria Meneses, Rui Couceiro]?; era preciso envolver esta página do Expresso de 11 de Agosto de 2018 em tão críptica névoa?
Coisas que me encanitam.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Crónica do caralho

«[...]
o "bicho", o "coiso", o "careca", o "ceguinho", o "surdo", o "sacana", o "membro", o "amigo", o "pai de todos", a "felicidade das mulheres"
[...]
não é de admirar a sintomática insistência na fisionomia bélica, mortífera ou aniquiladora do pénis, como uma máquina de guerra que avança semeando caos e sofrimento, e que coisa alguma faz vergar. *
[...]»
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* Há-de tomar-se por distracção desculpável que o magnífico cronista não tenha acrescentado, a este vergar, «ou não fosse ele próprio também "verga"»...