sexta-feira, 30 de maio de 2014

Eduardo Lourenço na coreografia do PS

«Para uma iconologia política, a imagem mais densa de significado fornecida pelas televisões na noite de domingo passado foi aquela em que se viu Eduardo Lourenço, ladeado por Francisco Assis, recém-eleito deputado europeu, e um alto dirigente do PS (Alberto Martins), a ser conduzido a um lugar na primeira fila da plateia que escutava e aplaudia as palavras que António José Seguro dirigia ao país, cumprindo o ritual seguido por todos os partidos. A coreografia tinha sido bem planeada: o intelectual português que mais escreveu — com empenho,  lucidez e elevação — sobre o sonho e a realidade da Europa, enquanto tarefa política e continente espiritual, traria aos seus anfitriões um suplemento de “política do espírito” que eles poderiam assim reclamar e capitalizar, perante as câmaras das televisões, como o nosso bem soberano, como disse Valéry. Mas enquanto António José Seguro reivindicava uma “vitória estrondosa” do PS, Eduardo Lourenço, nas imagens transmitidas, mantinha-se cabisbaixo, parco nos aplausos e nada inclinado a contribuir para a verosimilhança da festa. A coreografia da aclamação intelectual ao mais alto nível ganhou a feição de uma parábola, em registo de farsa, do rapto da Europa, sob a forma de representação de um Eduardo Lourenço confiscado por um aparelho partidário.
[...]
Em vez do intelectual como conselheiro do príncipe, o que as câmaras captaram reiteradamente foi a sua impaciência e a sua melancolia, a incapacidade de representar o papel que lhe tinha sido atribuído com maior ou menor consentimento (não podemos saber nem isso interessa para os nossos argumentos).
[...]
[...]»