«Um mandamento lavrado sobre as cinzas
do Holocausto impôs um “dever de memória”. O seu contraponto, o seu pólo
dialéctico, começou recentemente a formar-se com um nome que respeita a ordem
da simetria: o “direito ao esquecimento”. Encontrámo-lo nos últimos dias,
reclamado por cidadãos e reconhecido nas mais altas instâncias. Primeiro, foi
um cidadão da União Europeia que exigiu à Google que apagasse todos os links dos seus dados pessoais, o que esteve
na base de uma determinação do Tribunal de Justiça da União Europeia no sentido
de que tal exigência seja cumprida. Depois, foi Strauss-Kahn que também invocou
o “direito ao esquecimento” para impedir a circulação do filme de Abel Ferrara,
baseado nos escândalos sexuais do ex-presidente do FMI. A Internet, tendo-se
apropriado da clássica ars memoriae,
realizou finalmente o que esta nunca tinha conseguido: os dispositivos
mnemotécnicos, convertidos em poderosos algoritmos, que põem à nossa
disposição, virtualmente, o saber universal. Tal utopia teve os seus longínquos
precursores. Recordemos dois: […]
[…]
Tanto no caso de Giulio Camillo como no caso de Warburg, os dispositivos da memória requerem uma disposição espacial.
Eles não tinham ao seu dispor os meios próprios do link, mas, em ambos, a lógica
de funcionamento aproxima-se dele. Finalmente, parece que a Internet realizou
uma antiquíssima utopia, mas começamos a perceber que há um preço a pagar: tudo
nela se torna irreparável, tudo é definitivamente assim, como as penas que se
cumprem eternamente no inferno.
[…]
Na Internet, todo o saber é sem tempo e sem história, um
espectro que nunca ganha corpo. Ela é a impossibilidade do esquecimento. Ora,
nós sabemos muito bem que o esquecimento é a pátria da consciência.»