«Esta
entrevista nasceu da forte interpelação lançada pelo último livro de Daniel Jonas (Porto, 1973), Passageiro Frequente (Língua Morta). Não é uma surpresa para quem já tinha lido Os Fantasmas Inquilinos e Sonótono (publicados pela Cotovia, em 2005 e 2007, respectivamente), mas agora tornou-se evidente que estamos
perante um dos autores mais fortes da poesia portuguesa actual. Há momentos
neste livro em que o leitor acede a regiões bem altas, excepcionais (leiam-se,
por exemplo, os poemas Casas, Imitação
de vida e Paredes de vidro). A poesia de Daniel Jonas atravessa
tempos diversos: o clássico, o romântico, o moderno, numa apoteose de rastos e linhagens
que comparecem subtilmente. Nela encontramos, no mais alto grau, a ideia da
linguagem poética como concentração e densidade. Ela é hábil nos jogos
retóricos e de palavras, mas nunca deixa que isso se torne um exercício fútil e
gratuito. De igual modo, a sua forte dimensão conceptual (de poesia pensante e
auto-reflexiva) não elimina de modo nenhum o lado permeável às grandes
tonalidades afectivas, por vezes até num grau exasperado, de poeta “decadente”,
impregnado de consciência do fim. Esta entrevista resulta de uma troca de e-mails. O método não foi decidido pelo facto de
entrevistado e entrevistador
estarem distantes (Daniel Jonas vive no Porto), já que se tratava de uma
distância fácil de transpor. A entrevista por escrito correspondeu antes à
vontade de entrar num “jogo” diferente daquele que é próprio
das conversas gravadas.»
Daniel
Jonas:
«[…]
O que noto é
que, sendo a minha poesia pouco amiga do leitor, pouco dada a grandes ajuntamentos
fruitivos, é também geradora de uma certa estupefacção, uma certa curiosidade,
interpelando um gosto vago, sem uma classificação
particular.
[…]
Penso que se
alguma coisa define o que faço é uma certa heresia em que tudo é convidado a entrar.
E creio que alguma da minha poesia é razoavelmente imediata, instantaneamente
refrescante.
[…]
Os leitores de
poesia são, não poucas vezes, leitores rancorosos, se não reaccionários, que alienam
preventivamente aqueles por quem julgam poderem vir a ser alienados. Mas em
todo o caso a poesia não tem sentido. Não é que não faça sentido. E é, não
raramente, uma descarga purulenta de matéria residual de espíritos nervosos, obsessivos
e algo abstractos.
[…]
A poesia é uma
forma de nos estamparmos de mota na segurança do lar.
[…]
Há também o
outro lado, em que me induzo um estado inicialmente postiço de sofrimento de
modo a poder abrir um canal que faculte a erupção criativa. Há poetas cuja
alucinação chega ao ponto de imaginarem um desastre pessoal preventivo de forma
a experimentarem um dado estado melancólico onde incubam a verve que procuram.
Nesse aspecto tudo é cómico e devasso. Certamente me incluo neste grupo.
[…]
Os poetas são,
aliás, seres proverbialmente estranhos ao seu mundo, entes deslocalizados cuja
sensibilidade se manifesta na sua linguagem, que é sempre expressão do seu
desacordo com o século. Diria, aliás, que isso é um definidor de
poesia, esse linguajar estranho ao nosso mundo. O poeta é marcado por um sinete
em brasa, por vezes encomiasticamente, por vezes depreciativamente. Essa marca aponta
aquele gado como pertencendo a outras pastagens. As pastagens são linguísticas.
Quando se diz de alguém que “é um poeta” ou que teve uma saída à “poeta”, fala-se
de linguagem e do efeito de frases e do que as frases podem fazer por nós e
pelo nosso conceito de mundo, ou
seja, coisas que a linguagem quotidiana não é capaz de fazer. Mas não tenho a
certeza de que o tempo da minha poesia seja o meu. Por vezes, pareço habitar numa
região lógica pouco compatível com aquilo que faço nas regiões das musas. Que
regiões são essas, a que tempo pertencem, di-lo-á o carbono 14 exegético de
quem me lê.»
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Respondendo como a minha filha mais nova sempre que quer
muito uma coisa quando lhe perguntam se a quer,
- Pode ser.
Se calhar, também é.