quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Daniel Jonas

«Esta entrevista nasceu da forte interpelação lançada pelo último livro de Daniel Jonas (Porto, 1973), Passageiro Frequente (Língua Morta). Não é uma surpresa para quem já tinha lido Os Fantasmas Inquilinos e Sonótono (publicados pela Cotovia, em 2005 e 2007, respectivamente), mas agora tornou-se evidente que estamos perante um dos autores mais fortes da poesia portuguesa actual. Há momentos neste livro em que o leitor acede a regiões bem altas, excepcionais (leiam-se, por exemplo, os poemas Casas, Imitação de vida e Paredes de vidro). A poesia de Daniel Jonas atravessa tempos diversos: o clássico, o romântico, o moderno, numa apoteose de rastos e linhagens que comparecem subtilmente. Nela encontramos, no mais alto grau, a ideia da linguagem poética como concentração e densidade. Ela é hábil nos jogos retóricos e de palavras, mas nunca deixa que isso se torne um exercício fútil e gratuito. De igual modo, a sua forte dimensão conceptual (de poesia pensante e auto-reflexiva) não elimina de modo nenhum o lado permeável às grandes tonalidades afectivas, por vezes até num grau exasperado, de poeta “decadente”, impregnado de consciência do fim. Esta entrevista resulta de uma troca de e-mails. O método não foi decidido pelo facto de entrevistado e entrevistador estarem distantes (Daniel Jonas vive no Porto), já que se tratava de uma distância fácil de transpor. A entrevista por escrito correspondeu antes à vontade de entrar num “jogo” diferente daquele que é próprio das conversas gravadas.»

 

Daniel Jonas:

«[…]
O que noto é que, sendo a minha poesia pouco amiga do leitor, pouco dada a grandes ajuntamentos fruitivos, é também geradora de uma certa estupefacção, uma certa curiosidade, interpelando um gosto vago, sem uma classificação particular.
[…]
Penso que se alguma coisa define o que faço é uma certa heresia em que tudo é convidado a entrar. E creio que alguma da minha poesia é razoavelmente imediata, instantaneamente refrescante.
[…]
Os leitores de poesia são, não poucas vezes, leitores rancorosos, se não reaccionários, que alienam preventivamente aqueles por quem julgam poderem vir a ser alienados. Mas em todo o caso a poesia não tem sentido. Não é que não faça sentido. E é, não raramente, uma descarga purulenta de matéria residual de espíritos nervosos, obsessivos e algo abstractos.
[…]
A poesia é uma forma de nos estamparmos de mota na segurança do lar.
[…]
Há também o outro lado, em que me induzo um estado inicialmente postiço de sofrimento de modo a poder abrir um canal que faculte a erupção criativa. Há poetas cuja alucinação chega ao ponto de imaginarem um desastre pessoal preventivo de forma a experimentarem um dado estado melancólico onde incubam a verve que procuram. Nesse aspecto tudo é cómico e devasso. Certamente me incluo neste grupo.
[…]
Os poetas são, aliás, seres proverbialmente estranhos ao seu mundo, entes deslocalizados cuja sensibilidade se manifesta na sua linguagem, que é sempre expressão do seu desacordo com o século. Diria, aliás, que isso é um definidor de poesia, esse linguajar estranho ao nosso mundo. O poeta é marcado por um sinete em brasa, por vezes encomiasticamente, por vezes depreciativamente. Essa marca aponta aquele gado como pertencendo a outras pastagens. As pastagens são linguísticas. Quando se diz de alguém que “é um poeta” ou que teve uma saída à “poeta”, fala-se de linguagem e do efeito de frases e do que as frases podem fazer por nós e pelo nosso conceito de mundo, ou seja, coisas que a linguagem quotidiana não é capaz de fazer. Mas não tenho a certeza de que o tempo da minha poesia seja o meu. Por vezes, pareço habitar numa região lógica pouco compatível com aquilo que faço nas regiões das musas. Que regiões são essas, a que tempo pertencem, di-lo-á o carbono 14 exegético de quem me lê.»
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Respondendo como a minha filha mais nova sempre que quer muito uma coisa quando lhe perguntam se a quer,
- Pode ser.
Se calhar, também é.