«... so get fuckin’ used to it! Em tradução
livre, este slogan, que surgiu nos Estados Unidos da América, nas manifestações
dos homossexuais pelo reconhecimento, pode ser assim dito, em português: “Somos
bichas, estamos aqui e habituem-se, caralho!”. O “estamos aqui” significava que esta exigência de reconhecimento
pretendia também desarmar a forma de “assimilação” pelo lado do autoapagamento e
da discrição, que a ordem heteronormativa tanto aprecia, pois nessa condição pode
ser pródiga na “tolerância”, mantendo impecável a máquina social. A questão da
adopção de crianças por
parte de casais homossexuais parece ser a última etapa desse reconhecimento.
Mas não é.
[…]
É, portanto, a
questão do “não natural” que perturba tudo, na medida em que induz a percepção
de que o considerado “natural” é uma grande impostura, necessária para a
manutenção de uma determinada ordem simbólica.
[...]
Mais interessantes,
do ponto de vista que temos vindo aqui a seguir, são os argumentos usados em
nome de uma posição dita “liberal”: a co-adopção deve ser legalizada porque, de
qualquer modo, a situação não natural já existe à partida e qualquer resolução
que a venha quebrar é sempre uma violência para os que estão implicados nela;
mas a adopção por casais homossexuais já é outra coisa: o Estado — dizem — está
a interferir através da lei na criação de núcleos familiares, está a criar uma
manigância que interfere numa ordem que, sendo social, é dada como mimetizando
o que é “natural”.
[…]
até parece que
o casamento — e tudo o que dele decorre — não é a instituição mais regulada e
promovida pelo Estado. Estes mitólogos de feição liberal tudo fazem (uns por
cálculo, outros por ingenuidade) para que não se perceba que o Estado exerce um
biopoder, com a solicitude, a vigilância e o zelo controlador com que o pastor
cuida do seu rebanho.
[…]
Por isso é que
afirmação homossexual se faz tantas vezes através de uma teatralidade: muitos daqueles
que se querem libertar da heterossexualidade pressuposta e evidente que os oprime
precisam frequentemente de elevar a voz e gesticular de maneira provocatória.
[…]
esse Estado que
quer governar apenas o suficiente para governar o menos possível precisou de
desenvolver um conjunto de práticas e tecnologias que nos vigiam e comandam de
todos os lados, 24 horas por dia.»
António Guerreiro, “We’re queer, we’re here" | Público/Ípsilon, 24.Jan.2014
António Guerreiro, “We’re queer, we’re here" | Público/Ípsilon, 24.Jan.2014