«[…]
Alexandra
Carita- Se pudesse escolher, em que
época e em que sítio gostaria de ter nascido?
Rui Chafes-
Em 1266, na Francónia, na Baviera.
[…] Sou
absolutamente contra o diletantismo na arte. Acho que é um acumular de anedotas
e experiências que nunca passam da superfície. Eu gosto de ir ao fundo, ao
osso, à origem do problema.
[…] acredito
que uma obra de arte só existe quando é vista pelos outros. […] ao contrário de
muitos artistas, trabalho para os outros. Nós vivemos porque os outros existem.
Não conheço ninguém que viva sozinho. Morremos… morremos sozinhos. Morremos na
mais completa solidão, mas a nossa razão de existir é o facto de os outros
também existirem. […] Nós existimos porque existem outras vozes, existem olhos
que nos olham.
[…] A morte
é o que nos mantém despertos. Não é uma preocupação. […] Acredito que a vida é
um milagre, que é preciso defendê-la, que é preciso considerá-la um privilégio.
[…] Chegámos a um mundo materialista que passa pela banalização do pensamento científico como pela banalização da
vida enquanto acontecimento não milagroso.
[…] Acho que a existência de Deus é um detalhe. Todas as
doutrinas, e são muitas, que se dedicam ao pensamento mais sistemático e à
teologia das diversas possibilidades são doutrinas de raiz filosófica mas que
se relacionam com a existência de Deus, que para mim é um detalhe, não a
questão. Muito antes da existência de Deus, é o milagre da nossa fragilidade que é mais importante. Em qualquer
caso, não tenho dúvida nenhuma de que foram os deuses que criaram os homens,
mas também foram os homens que criaram os deuses.
[…] Sou um
mero artesão dessas vozes superiores, que me dizem para fazer formas que não
entendo. Mas, vendo esse lado telúrico da criação, devo dizer que isso é
o que acontece com todos os artistas, a menos que se trate de artistas que
acreditem na comunicação e no design, que não é o meu caso.
[…] as obras de arte e as esculturas devem existir no sítio onde fazem
sentido. E esta exposição — “O Peso do Paraíso”, Gulbenkian, Centro de Arte Moderna, de 13 de Fevereiro a 18 de Maio de 2014 —, que mostra
25 anos de trabalho e expõe esculturas no exterior e no interior, coloca bem
essa questão. Ou seja, as minhas peças existem na natureza mas poderiam existir
numa igreja, no espaço sagrado. […] Vejo as
galerias, os museus e todos os espaços neutros como asilos onde chegam as peças
muito doentes, que não têm onde cair e já perderam o seu terreno. Ao passo que,
quando estão no exterior, na natureza, ou no sítio para onde foram criadas, têm
vida própria. […]
AC- É um esforço acrescido para si montar uma exposição aqui?
RC- Não é um
esforço, mas é um exercício de estranheza. Mas para o fazer fora daqui seriam
precisas várias igrejas, várias arquitecturas não profanas. Por outro lado, é
como digo, a arte moderna e a igreja cortaram relações.
AC- Você não cortou relações com a igreja?
RC- Não
cortei relações com a igreja, mas também nunca fui à igreja. Ou seja, não sou
um artista católico, nem protestante, nem budista. Sou um artista tecnicamente
agnóstico. […]
AC- Porquê
o ferro?
RC- A partir
de 1988 comecei a trabalhar a pedra. Isto corresponde a um período em que
estava nas Belas-Artes, era estudante, e como tal podia experimentar várias
coisas até descobrir e encontrar o meu caminho. Comecei com os materiais,
madeiras, plásticos, canas, e aterrei na pedra, no mármore e no calcário. Depois percebi que o ritmo era monumental,
lento e que tinha a ver com a polis, e eu não queria ter a ver com a polis,
queria ter a ver com o nomadismo. E o ferro é como uma faca que se leva no
bolso. Além disso, descobri que a relação com o ferro e com o fogo estava
dentro de mim e era o meu futuro, o meu destino.
AC- Mas é um homem de poesia também.
RC- De
palavras, sim. Gosto mais de palavras do que de imagens. Ao contrário do que se
diz, acredito que uma palavra vale mais
do que mil imagens. Acredito
mais no poder redentor e salvador de uma palavra do que de uma imagem. Uma palavra pode matar, fazer viver ou curar.
[…] olho sempre para o meu trabalho como uma tentativa,
uma tentativa quase sempre falhada. Existem poucas peças, tirando o primeiro entusiasmo
— digo sempre que é a melhor peça que já fiz —, que não considere um fracasso. Tenho sempre a ideia de que tudo o que faço
são apenas tentativas, são apenas possibilidades, não houve até agora objectos
definitivos, não há ainda resultados. […] tenho sempre o receio de que haja uma nova geração de
artistas que não tenha essa ética de trabalho. Só acredito no trabalho
que tenha uma persistência e uma ética
na sua própria natureza. Portanto, todas essas esculturas que tenho
feito existem porque há uma oficina.
Eu visto o fato de macaco para
trabalhar.
[…] A beleza não é a da forma. Mais importante do que a forma é a não-forma, mais importante do que o
mundo é o anti-mundo. Ou seja, é tão importante o visível como o invisível, e
as palavras, tal como as esculturas, apresentam-nos uma porta de acesso ao
invisível. Uma escultura não é bela pela sua forma, mas é bela pelo mundo
invisível a que abre as portas. Tal como a leitura. Quando uma criança é
estimulada a ler um livro, não é pela beleza das palavras, mas pelo acesso ao
mundo invisível. Os dois mundos, visível e invisível, são tão importantes um
como o outro. Acontece que há pessoas que só têm acesso ao mundo visível, e
isso é pouco. São pessoas que só vêem o que está à frente delas. E a procura da
beleza tem a ver com aquilo que está noutro plano e que não se vê.
[…] Acho que a arte não é para todos, não é para as
massas, nem é para a multidão. A arte é um segredo para algumas pessoas. […] A
arte é para minorias, para aquelas pessoas que têm ouvidos e olhos e que
conseguem ouvir esse sussurro. […] Um artista popular, no sentido de
popularidade, é um mal-entendido. Não é um artista. […] essa oferta cínica de
uma coisa que parece arte não passa disso mesmo, de um acto de cinismo e de um
grande mal-entendido. É mais ignorância da mesma ignorância. Não é arte, é
outra coisa qualquer. É um parente do futebol.
[…] A minha ideia é fazer ferro fátuo. É como fazer
uma coluna de fumo em ferro. Não acredito em objectos. Acho que as minhas
esculturas são acontecimentos no espaço, são sombras. Portanto, trabalho com
sombras, com fogo, com palavras, com ferro, mas produzo acontecimentos no
espaço. […] Tenho muitas dificuldades com o chão. […] Não sou um escultor do
peso, sou um escultor da leveza. […] eu tento que as peças, mesmo que tenham
três toneladas, voem. Interessa-me a leveza. […]
AC- O que
significa esta exposição antológica para si?
RC- É uma responsabilidade, porque estou a olhar para
coisas que foram o caminho que me trouxe até aqui. O caminho foi este, não foi
outro. E é um misto de felicidade, mas também de espanto.»