«[…]
Assim começa a carta: Vou
fazer oitenta e dois anos. Encolheste seis centímetros em altura, pesas apenas quarenta e cinco quilos e manténs-te
bela, graciosa e desejável. Há cinquenta e oito anos que vivemos juntos e amo-te
mais do que nunca. Sinto de novo no fundo do peito um vazio devorador que é apenas
preenchido com o calor do teu corpo contra o meu.
[…]
Seja o amor sublime e transcendente, seja a paixão romântica,
seja o desejo erótico: nenhuma literatura inscreveu estas modalidades no
universo conjugal. É certo que o casamento por amor é algo recente, mas ainda
assim as grandes histórias de amor surgidas desta nova condição são histórias
de traição e de adultério. O amor conjugal só produziu literatura, só
encontrou motivação narrativa, enquanto amor ameaçado ou extinto.
[…]»
[Recensão de Carta a D. - História de um Amor, de André Gorz (tradução de Rui Caeiro), Pianola, Nov.2013]