sexta-feira, 6 de junho de 2014

Populismo | cultura popular vs. cultura de massas

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A reacção ao resultado das eleições tinha acabado de mostrar que estas ora fabricam legitimidade, ora fabricam vencedores, consoante as necessidades, as argúcias e o jogo das aparências. Por efeito de um relato jornalístico conformado às regras actuais do storytelling, toda a disputa política a que estamos assistindo no interior do PS decorre em termos de competição desportiva ou de novela. Até ao limite do nauseabundo. O sucesso de Marcelo Rebelo de Sousa deve-se precisamente ao facto de ele entrar sem pudor nesta linguagem, “naturalizando-a” para consumo das massas. Ele é o mais alto representante do populismo cultural (algo que devia ser radicalmente incompatível com a função de professor universitário), um conjunto de procedimentos e convenções vindos precisamente daqueles que acenam com o perigo do populismo político e que se encontra sediado nos media. Este aparente paradoxo de um populismo cultural que se instalou sem resistência por intermédio daqueles que não parecem alimentar simpatias pelo populismo político diz-nos que toda a questão do populismo (ou do conjunto de fenómenos que a palavra hoje designa, no discurso corrente) precisa de ser vista de outra maneira. Precisa, em primeiro lugar, que se observe e analise esta regra geral: sempre que há uma intenção populista, é o povo que falta. Por isso é que se revela tão necessária uma distinção, em que Hannah Arendt insistiu, entre cultura popular e cultura de massas. Outro paradoxo deste populismo cultural (observável hoje até nos modos de circulação e legitimação de muita da cultura erudita) reside no facto de ele, nos momentos em que se entrega a arremedos de reflexão, gostar tanto de denunciar a “decadência” e a “crise moral”, ou dos “valores”. Sempre que alguém fala desta maneira, sempre que alguém apela aos “valores”, podemos ter quase a certeza de que está a reivindicar um novo conformismo, uma ideologia kitsch reactiva e restauradora, inimiga de todo o pensamento. A reivindicação dos “valores” segue a par de uma ideologia ética que se tornou sinónimo de moralidade e se satisfaz com todos os retornos.
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Ainda António Guerreiro, no Público/Ípsilon de hoje,
«Evitando cair nas questões mais controversas da historiografia judaica, Simon Schama empreendeu um trabalho de grande ambição.
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A história que este livro nos dá a ler abrange um período de dois milénios e meio: começa por volta do ano 1000 a.C., trazendo à luz o mercenário Shalomam, ao serviço do exército da Judeia em Elefantina, uma ilha do Nilo, e acaba em 1492, com a expulsão dos judeus da Península Ibérica.
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Uma tese fundamental atravessa esta História dos Judeus: a de que eles não se auto-segregaram, por rigidez e puritanismo cultural e religioso, e sempre tiveram ao longo da sua história uma atitude favorável à miscigenação; nunca quiseram ser uma parte separada do mundo em que viviam e, por isso, misturaram-se com os canaanitas, os egípcios, os persas, os gregos, os romanos, os árabes, etc. A segregação foi-lhes infligida: o pluralismo judeu é uma das linhas de sentido desta história de Schama.
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