sábado, 19 de outubro de 2013

Acção

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Não gosto de radicalismo, da atitude de sim ou sopas! Os que dizem que metade de um prazer não é um prazer não sabem que metade de um prazer ainda é um prazer. E que o caminho do reformismo é o caminho.

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É preciso medir as consequências da boa acção. O exemplo clássico é o de Kant, na ‘Metafísica dos Costumes’. Já o li umas dez vezes. O deontologismo filiado em Kant diz: age de modo a que da tua boa acção resulte uma lei universal. E portanto, diz Kant, nunca mentir. E lá vem o exemplo clássico do judeu escondido na nossa casa. Devemos mentir para o salvar? Como Kant, concluiríamos que não, nunca. Dizer a verdade é a lei universal. E quem pratica a má acção não somos nós, é quem prende o judeu. Ora, a isto eu digo não, é uma cobardia moral. Sempre me filiei nas correntes do consequencialismo e do utilitarismo, o utilitarismo de Bentham e de Stuart Mill. A boa acção é aquela de que resulta mais felicidade e menos sofrimento. É um cálculo. […] Toda a minha vida foi passada a calcular o mal menor; na merda da política, é isso sujar as mãos. Torno-me um deontologista na questão da vida e do sofrimento. Mas, digo na tese, esta discussão entre deontologismo e consequencialismo não leva a lado nenhum, temos de discutir as consequências da acção à luz de uma moral individual e de uma moral pública. Uma ética da responsabilidade que é parte do político. E afirmo que os cálculos que se fazem entre o sofrimento causado e as vidas que se salvam por causa dele estão mal feitos.

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Só sei viver em determinação, em contingência. Não sou um filósofo, não olho para uma situação com a ideia de a entender mas de a alterar.

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José Sócrates, entrevistado por Clara Ferreira Alves [11 páginas]

Fotografias de Tiago Miranda na arquitectura magnífica da torre de controlo do porto de Lisboa

Expresso/Revista, 19.Out.2013

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«Este governo, o de Pedro Passos Coelho, nasceu de uma infâmia.

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Um governo que começa com uma mentira e uma fraqueza em cima de uma chantagem não acaba bem. Houve eleições, esse momento de vindicação do pequeno espaço político que resta aos cidadãos, e o PSD ganhou, proclamando a sua pureza ideológica e os benefícios da anunciada purga de Portugal. Os cidadãos, zangados com o despesismo de Sócrates e do PS, embar­caram nesta variação saloia do mito sebástico. O homem providencial. Os danos e o sofrimento que esta estupidez tem provocado a Portugal são impossí­veis de calcular. 
Consumada a infâmia, a campanha contra José Sócrates continuou dentro de momentos. Todos os dias aparecia uma noticiazinha que espalhava pingos de lama ou o Freeport, ou a Face Oculta, ou a TVI, ou todas as grandes infâmias de que Sócrates era acusado.

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