«[…]
Não gosto de radicalismo, da atitude de sim
ou sopas! Os que dizem que metade de um prazer não é um prazer não sabem que
metade de um prazer ainda é um prazer. E que o caminho do reformismo é o
caminho.
[…]
É preciso medir as consequências da boa
acção. O exemplo clássico é o de Kant, na ‘Metafísica dos Costumes’. Já o li
umas dez vezes. O deontologismo filiado em Kant diz: age de modo a que da tua
boa acção resulte uma lei universal. E portanto, diz Kant, nunca mentir. E lá
vem o exemplo clássico do judeu escondido na nossa casa. Devemos mentir para o
salvar? Como Kant, concluiríamos que não, nunca. Dizer a verdade é a lei
universal. E quem pratica a má acção não somos nós, é quem prende o judeu.
Ora, a isto eu digo não, é uma cobardia moral. Sempre me filiei nas correntes
do consequencialismo e do utilitarismo, o utilitarismo de Bentham e de Stuart
Mill. A boa acção é aquela de que resulta mais felicidade e menos sofrimento. É
um cálculo. […] Toda a minha vida foi passada a calcular o mal menor; na merda
da política, é isso sujar as mãos. Torno-me um deontologista na questão da vida
e do sofrimento. Mas, digo na tese, esta discussão entre deontologismo e
consequencialismo não leva a lado nenhum, temos de discutir as consequências da
acção à luz de uma moral individual e de uma moral pública. Uma ética da
responsabilidade que é parte do político. E afirmo que os cálculos que se fazem
entre o sofrimento causado e as vidas que se salvam por causa dele estão mal
feitos.
[…]
Só sei viver em determinação, em
contingência. Não sou um filósofo, não olho para uma situação com a ideia de a
entender mas de a alterar.
[…]»
José Sócrates, entrevistado por Clara Ferreira Alves [11 páginas]
Fotografias de Tiago Miranda na arquitectura magnífica da torre de controlo do porto de Lisboa
Expresso/Revista, 19.Out.2013
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