«[…]
Tal entidade — o povo — só existe como uma elaboração
ficcional, ou, pelo menos, sob a forma de uma pluralidade de figuras que nada
têm a ver umas com as outras: o “povo soberano” da democracia não é a mesma
coisa que o “povo jurídico” de Kant; e ambos são diferentes do “povo
trabalhador” que o movimento comunista elevou a sujeito da História; e nenhum
deles se confunde com o povo definido por uma relação orgânica com o solo e o
sangue (de onde advém a ideia de um Volk, que foi, em todo o lado, um mito nefasto e quase
sempre criminoso).
[…]
esta esquizofrenia: no mesmo jornal ou na mesma cadeia
de televisão onde os directores e responsáveis não se coíbem de fazer discursos
contra o populismo político, promove-se e alberga-se o mais descarado populismo
cultural, que consiste em fornecer aquilo que é objecto de um consenso
fabricado por quem decide o que agrada e interessa ao maior número.»