terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Camarate - 40 anos depois, que se pode ainda contra a legião dominante de crédulos e intrujões?

Pouco.
A fé move montanhas, a fé dissolve a verdade.*

«A avioneta caiu em Camarate por falta de gasolina no motor esquerdo e por precipitação do piloto. Os aviões obedecem às leis da física e da mecânica, não escolhem quem vai lá dentro para cair ou não cair.
O Presidente da República, valendo-se da vasta experiência do professor Marcelo, resolveu criar um novo “facto político” ao comunicar aos portugueses a sua “convicção pessoal” no que respeita à tragédia de Camarate. Foi sabotagem!
É claro que esta revelação é um acto de fé. Respeitável, como qualquer outra crença ou convicção. Mas é apenas isso mesmo, uma convicção. Porque nem o Presidente nem o professor Marcelo são capazes de apontar uma prova, uma só que seja, de que houve sabotagem em Camarate. Não cabe aqui voltar à farsa que foram as dez comissões parlamentares de inquérito a Camarate e aos 33 anos durante os quais elas se arrastaram.
[...]
Quanto ao presente, o cidadão comum, como eu, tem duas opções. De um lado estão mais de duas centenas de testemunhas, uma centena de peritos e de organismos especializados, independentes e oficiais, portugueses e estrangeiros, e as deliberações de 32 magistrados e juízes de tribunais portugueses e europeus. Isto é, estão as provas: não foram encontrados indícios de sabotagem. Do outro lado, temos um “facto político” novo baseado na “íntima convicção” do cidadão Marcelo Rebelo de Sousa que, acessoriamente, é também Presidente da República, primeiro magistrado da Nação, professor catedrático de Direito e ex-representante da família de uma das vítimas.
No que me diz respeito, opto por ficar do lado da seriedade e das instituições democráticas e independentes que nasceram no meu país quando ele reencontrou a liberdade.
[...]»

Em tempo
Reacção de Ricardo Sá Fernandes,  com o habitual ardil de aranha religiosa materialmente interessada.  -  "Camarate, resposta a Cunha Rodrigues e a Barata-Feyo" | Público, 13.Dez.2020
 
Depoimento exaustivo e siderante, sem política nem sentimentos, do coronel piloto aviador (reformado), Victor João Lopes de Brito  -  "Acidente de Camarate", 08.Dez.2020
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* «Os espíritos mais puros inquietam-se, perturbam-se, não sabem como orientar-se e repetem angustiadamente a pergunta de Pilatos ao próprio Cristo: O que é a verdade?
[...]
A verdade é por essência imutável e a adesão do espírito à verdade, ou seja as certezas do espírito são essenciais ao progresso das sociedades humanas.»