terça-feira, 22 de março de 2016

Maomerda em Bruxelas

Com a infinita e omnipresente ternura de Deus do Papa Francisco e uma leitura correcta do Alcorão, o afecto do presidente-arlequim e a clarividência de todos os BEatos do planeta, mal é que a coisa não se resolva.

Terça-feira santa, 22 de Março de 2016
. 10h35, António Costa, nos Açores, reagindo, com pensamento estagiado em longos e acarvalhados séculos de ponderação, ao assassínio de César por Bruto e ao seu próprio não envenenamento cada vez que engole sílabas da 'constituição' e das 'instituições':
«Não podemos estar sempre a responder por impulso cada vez que há um atentado. […] Por cada atentado que ocorre há dezenas de atentados que não ocorreram.»
Ai de nós se o doutor António Costa fosse impulsivo.

«Eu vinha hoje para o estúdio acompanhada do meu filho de oito anos a pensar que quando eu tinha a idade dele ninguém me falava de terrorismo, eu não ouvia falar de terrorismo. Quando ouvia falar de terrorismo, estava associado a uns grupos de guerrilheiros algures na América latina e até havia uma espécie de áurea, quase nobre, passe a expressão, nesses grupos.»
Isabel Estrada Carvalhais nasceu em 1973. Se por alturas de 1981, aos oito anos, não ouvia senão aquilo acerca do terrorismo, é porque não lhe permitiram saber o que o terrorismo já vinha sendo, o que, convenhamos, tratando-se de criança de oito anos, não era grave nem importante.
Grave e deveras penoso é que Isabel tenha chegado a professora doutora, escritora, colunista e comentadora especializada, sem ter ouvido falar no erro tosco da troca do substantivo 'aura' pelo adjectivo 'áurea'.

«Tive oportunidade, já, de transmitir a Sua Majestade o Rei dos belgas — ena! — o pesar, o repúdio e a solidariedade do povo português e estou a acompanhar atentamente a situação, incluindo no que respeita à nossa compatriota ferida num desses ataques.»

. 12h47, Sónia Ferrador, enfermeira em Bruxelas, parceira de quarto da 'nossa compatriota ferida':
«Ela não está ferida, não tem qualquer ferimento.» *

«Aprofundando um pouco a análise…, a radicalização e o radicalismo nunca vão desaparecer no espaço europeu, no espaço das sociedades democráticas, nas sociedades ocidentais. Porquê? Há-de haver sempre o choque entre a expectativa e a dimensão factual. Ora bem, no choque entre a expectativa e a dimensão factual, nem sempre a dimensão factual permite que a expectativa seja cumprida […] Essa mesma radicalização tornou-se permeável a uma outra narrativa […] Neste caso, é uma narrativa puramente identitária.»
Pum!!!

«Não se pode continuar a cultivar isto como se fosse uma guerra de civilizações e uma questão identitária.»
Ai pode, pode, senhora doutora! De civilizações é que estas merdas, maomerdas, são também, se não principalmente.
Quem passou a juventude, com o esqueleto ainda em consolidação, a charrar Boaventura de Sousa Santos é inevitável que desemboque nesta clarividência.

Todas as televisões 'acompanharam em permanência'. Foi o que lhes valeu. Estas merdas rendem; maomerdas destas, então, nem se fala.

«Um, dois, experiência; um, dois, experiência ... Chama-se Deus à cabina de som, repito, chama-se Deus com urgência à cabina de som. Obrigado.» 
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* Parece haver frustração noticiosa sempre que não há portugueses, um luso-descendente de 4.ª geração que seja, relacionados com a estas merdas e maomerdas. Force-se pois a imaginação: enfermeira de Coimbra ferida de susto em Bruxelas; trolha da Covilhã vítima de enxurrada no Sri Lanka, no seguimento de rotura de um autoclismo.