«[...] as pessoas sentem como intolerável que o poder político se ocupe de questões que não lhe dizem respeito e que não podem ser submetidas ao arbítrio de quem detém o monopólio da violência legal. O Governo legisla hoje sobre a norma ortográfica como legisla sobre a nossa saúde, o nosso corpo e a nossa vida. É a isto que se chama biopolítica. Mas as razões de indignação surgem agravadas por um outro factor: o Governo arroga-se o direito não apenas de exercer essa violência legal, mas de o fazer em relação a uma matéria da qual manifestamente não percebe nada. À violência junta-se a ignorância. E, a somar à violência e à ignorância, há ainda uma razão estratégica absurda e anedótica: a de fazer da unificação ortográfica (que, afinal, é uma miragem e, por agora, já resultou num desacordo mais fundo do que aquele que tínhamos antes) um instrumento de conquista de poder e de influência da língua portuguesa no mundo. Por último, a coroar todas estas razões, há a desordem ortográfica a que afinal ficámos submetidos [...]»
António Guerreiro, "O Acordo Ortográfico e os seus trolhas" | Público/Ípsilon, 29.Mar.2013
António Guerreiro, "O Acordo Ortográfico e os seus trolhas" | Público/Ípsilon, 29.Mar.2013