sexta-feira, 22 de abril de 2022

Existenciais breves ou quase

Esta manhã lavei-me no mar

Não é fácil escapar de si; se calhar é impossível.

Isto de uma pessoa se levar a sério acaba por se tornar numa chatice.

Dois os motores do meu valer a pena viver: memória e curiosidade.

Nada ressuscita mais do que a fome, a saudade, a sede, a curiosidade…
Passo a vida a matá-las.

Que sucederia se não cagássemos, perdão, obrássemos, isto é, fizéssemos cocó?
Pois, isso.

Perdi a fé não porque tenha chegado à conclusão de que mas justamente porque não cheguei a nenhuma conclusão.

Atire a primeira pedra quem nunca removeu cerúmen com a chave da caixa do correio.

Nada há de mais repetitivo do que o coração. Talvez por isso ninguém consegue mobilizar-me contra a rotina. 

Que faz o homem que Deus não faça melhor?

Poesia na piscina?
Inspiração debaixo de água pode não ser grande coisa.

Nenhum pássaro se suicida por defenestração.

Gosto de agrião e não gosto menos de canja, mas há palavras que dão mais com umas do que com outras e quanto a isso, nicles batatóides, jamais sacrificarei o veredicto do verbo ao veredicto do prato.
Hoje a alternativa era entre sopa de agrião e canja e eu sabia que no fim iria agradecer à menina Dulce. Não restava outro critério: Com qual das sopas vai soar mais agradável a palavra «obrigado», já que simpatizo tanto com a menina Dulce? — eu para os meus botões, botões de chuva — Com a de agrião, claro!, até Pitágoras acharia o mesmo.
De modo que…
Menina Dulce- Então, e hoje, doutor Plúvio, canjinha ou uma sopinha de agrião?
Eu- Hoje vou pelo agrião.
Menina Dulce, depositando-me nas mãos a malga fumegante- Aqui tem, agrião.
Eu- Obrigado.
E assim fomos felizes, a menina Dulce e eu, durante 15 segundos.
O que é demais enjoa. Se não enfartar.

É surpreendente como, na imensidão do Google, ainda ninguém tenha respondido «A minha biografia.» à pergunta corriqueira «Qual é o livro da sua vida?».

Porque complicamos tanto, se a vida é tão breve e o orgasmo nem se fala?

Aprendi que a nossa importância é da importância que nos dão e não da que temos.
- Quanto é a importância?
- ... €. Deseja com número de contribuinte?
- Pode ser.
  
Na lavandaria
Aos 69 sinto-me às voltas na última centrifugação.

Quem mas faz paga-mas. Deixarei de falar a todos os amigos que não forem ao meu funeral. 

Parir pedra
Sei da vossa avidez por notícias do meu corpo.
Ei-las. Tendo sobrevivido ao meu suicídio, não consegui impedir a vizinha Elisabete de me levar de charola — lugar do morto como convinha — para a urgência hospitalar. Dor intensa, vómito, transpiração, tez lívida.
A eco de emergência acusou um areal nos rins onde, obtido o necessário financiamento, tenciono montar uma barraca para venda de gelados. Só me falta mar.
- E o sangue na urina, doutora?
- Três litros de água por dia.
De resto, tudo bem.

Adeus, até à próstata.