sexta-feira, 5 de junho de 2015

Dedicar, desdedicar

«A crítica mais ilegítima e intolerável que se pode fazer a um escritor é a de ter apagado, rasurado, modificado ou reescrito o que antes tinha publicado. Ainda que haja a generalizada convicção de que isso pode ter sido mau ou até desastroso para a sua obra, ninguém tem o direito de querer limitar a soberania de um autor, que às vontades e caprichos dos leitores e do público em geral deve responder à César Monteiro: “Eu quero que o público se foda. Seria esta a resposta mais adequada a uma acusação de que José Saramago tem sido alvo: até há poucos dias de maneira informal, na semana passada, em letra de forma e de jornal online, o Observador, num longo artigo intitulado Isabel da Nóbrega, a musa que Saramago apagou da (sua) história, da autoria de Joana Emídio Marques. O motivo é este: na primeiras edições de Memorial do Convento havia uma dedicatória “À Isabel, porque nada perde ou repete, porque tudo cria e renova”. A Isabel a quem é dedicado o livro é a escritora Isabel da Nóbrega, que viveu com José Saramago mais de uma dezena de anos. A partir de uma das reedições, essa dedicatória desapareceu.
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Quem pôs uma dedicatória é livre de a retirar. E só poderia ser acusado de uma acto de obliteração estalinista se mandasse – no caso de ter poder para tal - apagar a dedicatória nos livros que foram depositados nos arquivos e nas bibliotecas públicas. Ora, não consta que Saramago tivesse assaltado as bibliotecas. De dedicatórias que desapareceram dos livros está a literatura cheia. 
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