Embirro desde sempre com o sujeito, o que facilita não dizer bem dele.
Na conversa longa publicada em 10 páginas da defunta NS' de 18.Dez.2010, fazia Pedro Abrunhosa [Porto, 20.Dez.1960] 50 anos, a jornalista extasiada, Sónia Morais Santos, apresentava-o assim:
«Pedro Abrunhosa é culto, cultíssimo. Tão depressa cita Borges ou Faulkner, como recorda Rembrandt ou Leonardo da Vinci. Tão depressa compara o panorama político actual com outros períodos da História, que conhece bem e com rigor, como indica as teorias de sociólogos, antropólogos, escritores ou músicos que estudou com minúcia e que lhe enriquecem o discurso. Fá-lo naturalmente, sem pretensiosismos bacocos.» a)
Quanto a «bacocos», concedo; já quanto a «pretensiosismos», duvido. Mas que é «cultíssimo», se calhar é:
Há um epifenómeno sociológico de consentaneidade da identidade nacional política com a identidade sociológica. - id., ibid.
Quem dera a Tony Carreira ou à acordeonista de Pegões...
Industrial pró$p€ro do entretenimento, continuo a achar PA um cabotino esperto, pretensioso, exibicionista; compositor e executante medíocre.
A criador com este arcaboiço curricular exigir-se-ia criação mais rica e variada do que a linha isoeléctrica de coração parado donde parecem brotar, com raríssimos fogachos de estro, os sucessivos sucessos dos últimos 30 anos — sucessivos sucessos, Plúvio?!
É certo que António Carlos Jobim fez "Samba de uma nota só" ou "Águas de Março", mas só é linear como Jobim quem pode. ACJ podia, PA não.
a) Se Abrunhosa já era tudo isto em 2010, imagine-se 12 anos depois. A cada intervenção sua o firmamento rutila.
Não? Ora vejam.
Guerra na Ucrânia. Pega-se num verso de São João da Cruz, noutro de Dylan Thomas; embrulham-se numa capa de António Lobo Antunes, e vai disto.
"Que O Amor Te Salve Nesta Noite Escura"
Que o amor te salve nesta noite escura,
E que a luz* te abrace na hora marcada,
Amor que se acende na manhã mais dura,
Quem há-de chorar quando a voz se apaga?
Ainda há fogo dentro!
Ainda há frutos sem veneno!
Ainda há luz* na estrada!
Podes subir à porta do templo,
Que o amor nos salve.
E há uma luz* que chama,
Outra luz* que cala,
E uma luz* que é nossa.
Que a manhã levante a rosa dos ventos
E um cerco apertado à palavra guerra,
Ninguém nesta terra é dono do tempo,
Não é deste tempo o chão que te espera.
Ainda há fogo dentro!
Ainda há frutos sem veneno!
Ainda há luz* na estrada!
Podes subir à porta do templo,
Que o amor nos salve.
E há uma luz* que chama
E outra luz* que cala
E há uma luz* que é nossa.
O princípio do mundo começou agora,
A semente será fruto pela vida fora.
Esta porta aberta nunca foi selada
Para deixar entrar a última hora.
Ainda há fogo dentro!
Ainda há frutos sem veneno!
Ainda há luz* na estrada!
Podes subir à porta do templo,
Que o amor nos salve.
Porque há uma luz* que chama
E outra luz* que é nossa
E há uma luz* que cala.
Ainda há fogo dentro!
Ainda há frutos sem veneno!
Ainda há luz* na estrada!
Podes subir à porta do templo,
Que o amor nos salve.
Podes subir à porta do templo,
Que o amor nos salve.
Porque há uma luz* que chama
E outra luz* que é nossa
E há uma luz* que se acende.
PA só sabe fazer assim, clone múltiplo de si mesmo, embora aqui levemente menos genial.
«[...] a forma que encontrei para me salvar, porque me sinto incapaz para ir agir no terreno, é escrevendo canções [...] canção despida para tempos difíceis [...] foi escrita em apenas duas horas [...]»
Não sei se os amáveis leitores conseguem imaginar um sexagenário tripeiro, de óculos escuros e fisga assestada a desbastar russos na noite escura duma pradaria ucraniana...
Eu consigo. Não só consigo como garanto que sou capaz de em menos de duas horas fazer uma cagada com maior qualidade e menor pretensão.
Morte a Putin!
Meu rico Jorge Palma!
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* A propósito, quem mais senão um comerciante talentosíssimo como PA conseguiria com tão esplendoroso brilho pôr à venda de olhos vendados — venda de olhos vendados, Plúvio?! — a própria Luz?
Lembro-me: 'Paradise Garage', terça-feira, 26.Jun.2007.
Até o arlequim compareceu. Isto anda tudo ligado.
Já agora, salvo nos casos de explicação fotossensível e de outra índole sanitária, ou por circunstanciais e estimáveis caprichos de imagem [imagem de marca® é outra coisa], acho o uso de óculos escuros não só pindérico como má educação não se tirarem quando falamos com interlocutores próximos.
É por isso que me apetece concordar com a proclamação de Joel Neto, sportinguista excelente, em 23.Abr.2011: «Declaro que os óculos escuros são a maior pinderiquice dos séculos XX e XXI.»