sábado, 28 de setembro de 2013

Aceleração celerada

«[…]
Um antigo agricultor que plantava cenouras, da espécie antiga, que levam alguns meses a crescer, não sentia que estava a perder tempo e não decidia passar à monocultura dos nabos, que crescem em poucas semanas. Ele desconhecia o princípio de que "time is money". Para ele, cenouras e nabos tinham um ciclo temporal idêntico: nascem, desenvolvem-se e, se não são colhidos, tornam-se duros e lenhosos, primeiro, e depois apodrecem. Ora, para a agricultura industrializada, o princípio fundamental é o de que "time is money", e se ainda comemos cenouras foi porque a engenharia genética tornou possível chegar a novas espécies que crescem em metade do tempo (e ficam em débito relativamente ao sabor, na natureza também não há almoços grátis). A competição diacrónica originada pela aceleração explica a questão da dívida. Os países endividam-se porque nós somos todos seres vivos em débito. Se só recentemente é que nos começaram a fazer ver isso, não é porque a dívida possa ser saldada - ela só pode ser reproduzida. É porque o débito do ser vivo é a modalidade da sua sujeição.»
António Guerreiro, "A competição diacrónica" | Público/Ípsilon, 27.Set.2013 *
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 * Inclui "O compromisso traído", recensão a Despaís - Como suicidar um país, romance de merda publicado recentemente por Pedro Sena-Lino.