“Pastoral Portuguesa”
- 'Dantés e Jay
Gatsby – Viajantes no Tempo'
«[…]
O impulso para
modificar o passado e cancelar um erro era, nos contos de fadas, concretizado
por magia ou intervenção divina; na ficção científica, pela tecnologia. No vasto
território entre estes dois pólos, as soluções encontradas pela literatura para
o erro humano, para o fim de uma Era, para a inacessibilidade do passado
variaram entre a penitência (Lord Jim),
o rancor elegíaco (Reviver o Passado em
Brideshead) ou a fetichização da memória (Proust). Na verdade, quase todo o
realismo moderno assenta na ideia de que o passado é a única circunstância que
não pode ser alterada.
[…]»
- ‘Consultório literário’
«[…] gostaria de lhe pedir recomendações de
leitura sobre substâncias intoxicantes, ou com personagens que consumam
substâncias intoxicantes. Excepto álcool. […]»
“No museu
Barthelme” – a propósito de “40 Histórias”, de Donald Barthelme, Antígona/2013
«[…]
A indiscrição
deliberada sobre os processos ficcionais, a mistura de registos, a colagem, a
farsa: tudo isto são armas familiares do arsenal pós-moderno, cuja principal “epifania”
foi que a impossibilidade de voltar a ler histórias da mesma maneira (quando já
se conhecem os truques todos e não há nada que suspenda a descrença) deve evitar que se escrevam da mesma maneira.
[…]
Numa época
definida pela sobrecarga de informação, muitos dos elementos que compõem o
nosso repertório cultural (figuras do folclore ou da arte clássica, conceitos
filosóficos ou científicos) sobrevivem em formas abreviadas, mediadas ou
abastardadas. Poucos conhecem Freud ou o existencialismo senão como resumos de
enciclopédia; poucos conhecem o arquétipo do pirata ou o mito do Barba-Azul nos
seus contextos originais; sobre figuras históricas como Tolstói ou Paul Klee
sabemos factos biográficos arbitrários e temos uma ideia (mais ou menos vaga)
da sua “relevância”; e ainda menos pessoas conhecerão a rotina de um guarda-costas,
a não ser através de representações ficcionais no cinema ou na televisão. Quase
tudo o que temos chega-nos como uma herança danificada: bocadinhos de algo que
ainda pode ser inteiro para alguém, mas não é inteiro para todos.
[…]»