quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Rogério Casanova


Pastoral Portuguesa
- 'Dantés e Jay Gatsby – Viajantes no Tempo'
«[…]
O impulso para modificar o passado e cancelar um erro era, nos contos de fadas, concretizado por magia ou intervenção divina; na ficção científica, pela tecnologia. No vasto território entre estes dois pólos, as soluções encontradas pela literatura para o erro humano, para o fim de uma Era, para a inacessibilidade do passado variaram entre a penitência (Lord Jim), o rancor elegíaco (Reviver o Passado em Brideshead) ou a fetichização da memória (Proust). Na verdade, quase todo o realismo moderno assenta na ideia de que o passado é a única circunstância que não pode ser alterada.
[…]»
- ‘Consultório literário’
«[…] gostaria de lhe pedir recomendações de leitura sobre substâncias intoxicantes, ou com personagens que consumam substâncias intoxicantes. Excepto álcool. […]»


No museu Barthelme” – a propósito de 40 Histórias”, de Donald Barthelme, Antígona/2013
«[…]
A indiscrição deliberada sobre os processos ficcionais, a mistura de registos, a colagem, a farsa: tudo isto são armas familiares do arsenal pós-moderno, cuja principal “epifania” foi que a impossibilidade de voltar a ler histórias da mesma maneira (quando já se conhecem os truques todos e não há nada que suspenda a descrença) deve evitar que se escrevam da mesma maneira.
[…]
Numa época definida pela sobrecarga de informação, muitos dos elementos que compõem o nosso repertório cultural (figuras do folclore ou da arte clássica, conceitos filosóficos ou científicos) sobrevivem em formas abreviadas, mediadas ou abastardadas. Poucos conhecem Freud ou o existencialismo senão como resumos de enciclopédia; poucos conhecem o arquétipo do pirata ou o mito do Barba-Azul nos seus contextos originais; sobre figuras históricas como Tolstói ou Paul Klee sabemos factos biográficos arbitrários e temos uma ideia (mais ou menos vaga) da sua “relevância”; e ainda menos pessoas conhecerão a rotina de um guarda-costas, a não ser através de representações ficcionais no cinema ou na televisão. Quase tudo o que temos chega-nos como uma herança danificada: bocadinhos de algo que ainda pode ser inteiro para alguém, mas não é inteiro para todos.
[…]»