«[…]
Por exemplo, um
sociólogo como António Barreto, a partir do momento em que começou a ter um
discurso que já não é limitado pelas regras, pela ordem e pelo método de um determinado
campo disciplinar, começou a ser chamado “pensador” […] Estes “pensadores”, ao
contrário dos filósofos, têm um pensamento completamente transitivo,
exclusivamente orientado para um objecto exterior. Têm uma pretensão de verdade
e de revelação, e isso verifica-se no “estilo” e nos protocolos discursivos.
Tendem, por isso, a ser ouvidos como
oráculos. A filosofia, pelo contrário, conhece desde sempre o modo como o
pensamento implica a linguagem. Para o filósofo, ao contrário do que acontece
com o nosso “pensador”, não há pensamento que não seja pensamento do pensamento,
não há pensamento que não seja experiência da linguagem. O “pensador” — a categoria
portuguesa com este nome — está cheio de visões do mundo, mas falta-lhe aquilo
que desde sempre sobra no filósofo: uma visão da linguagem, uma interrogação
sobre o significado das palavras. Daí a ilusão de transparência que transmite,
que é uma transparência ingénua, semelhante à dos poetas que têm muita coisa
para dizer e muitos sentimentos para exprimir. São, à sua maneira, realistas alucinados.»