sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Quem foi J. D. Salinger [01.Jan.1919-27.Jan.2010]?

«[…] Salinger, o recluso, o “cidadão privado”, o auto-exilado, o homem na sua torre vigiando os intrusos (que não tão raras vezes acolhia, mas sobretudo afastava), era incapaz de conviver com a realidade, e a ficção que escreveu não foi mais do que o resultado dessa incapacidade. É esta a tese do livro-sensação da rentrée norte-americana,uma biografia polémica, povoada de vozes […]»
Isabel Lucas, “Ainda à espera de J. D. Salinger *

SalingerPynchon - Blanchot
«[…]
Salinger tornou-se um fantasma da literatura norte-americana do século XX, o “fantasma de Cornish”, como foi chamado. Fantasma porque destituído de um corpo biográfico e porque paira, com a sua presença incorporal, sobre a vida literária, na sua dimensão mais fanérica. Por isso, é muitas vezes nomeado ao lado de dois escritores seus contemporâneos: Thomas Pynchon (E.U.A., 1937) e Maurice Blanchot (França, 1907-2003). […] Pynchon, ao contrário de Salinger, desapareceu antes de a obra existir e continuou a publicar. O seu desaparecimento é estratégico, foi pensado para que os seus livros resplandecessem sob a condição da ausência do seu autor. Por isso, não se livra da suspeita — publicamente explicitada por alguns dos seus pares — de trabalhar, com cálculo, para a mitificação e a glória literária.
[…]
a retirada e a invisibilidade de Blanchot são acompanhadas por uma obra onde se desenvolve uma concepção da literatura em que a escrita implica a morte do autor: a obra não é senão o fluxo nu e anónimo da linguagem, e a literatura só começa com a despossessão do Eu e nasce, em seu lugar, uma terceira pessoa, um neutro. Blanchot levou, pois, ao extremo, a questão do apagamento do autor, cujo império tinha sofrido um abalo enorme com Mallarmé. Flaubert também se situa legitimamente nessa mesma constelação. São suas, estas palavras: “O artista deve fazer crer à posteridade que não viveu.” […]
Salinger é uma espécie muito mais rara no seu meio, sem antecedentes nem elaboração teórica legitimadora, do que Blanchot. Este, com a sua atitude radical e, em certos aspectos, inquietante, leva às últimas consequências uma mística da literatura completamente estranha ao autor de À Espera no Centeio.
[…]»
António Guerreiro, “Invisível como Salinger -  Há uma categoria de escritores que renegou a ordem social da República das Letras e se exilou no desaparecimento.”

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* Isabel Lucas usa sempre assassinato, palavra feia; assassínio é mais bonita e melhor.