«[…] Salinger,
o recluso, o “cidadão privado”, o auto-exilado, o homem na sua torre
vigiando os intrusos (que não tão raras vezes acolhia, mas sobretudo afastava), era
incapaz de conviver com a realidade, e a ficção que escreveu não foi mais do
que o resultado dessa incapacidade. É esta a tese do livro-sensação da rentrée norte-americana,uma biografia polémica, povoada de vozes […]»
Isabel Lucas, “Ainda
à espera de J. D. Salinger” *
Salinger –
Pynchon - Blanchot
«[…]
Salinger tornou-se
um fantasma da literatura norte-americana do século XX, o “fantasma de Cornish”,
como foi chamado. Fantasma porque destituído de um corpo biográfico e porque paira,
com a sua presença incorporal, sobre a vida literária, na sua dimensão mais
fanérica. Por isso, é muitas vezes nomeado ao lado de dois escritores seus
contemporâneos: Thomas Pynchon (E.U.A., 1937) e Maurice Blanchot (França, 1907-2003).
[…] Pynchon, ao contrário de Salinger, desapareceu antes de a obra existir e
continuou a publicar. O seu desaparecimento é estratégico, foi pensado para que
os seus livros resplandecessem sob a condição da ausência do seu autor. Por
isso, não se livra da suspeita — publicamente explicitada por alguns dos seus pares
— de trabalhar, com cálculo, para a mitificação e a glória literária.
[…]
a retirada e a
invisibilidade de Blanchot são acompanhadas por uma obra onde se desenvolve uma
concepção da literatura em que a escrita implica a morte do autor: a obra não é
senão o fluxo nu e anónimo da linguagem, e a literatura só começa com a despossessão
do Eu e nasce, em seu lugar, uma terceira pessoa, um neutro. Blanchot levou,
pois, ao extremo, a questão do apagamento do
autor, cujo império tinha sofrido um abalo enorme com Mallarmé. Flaubert também
se situa legitimamente nessa mesma constelação. São suas, estas palavras: “O
artista deve fazer crer à posteridade que não viveu.” […]
Salinger é uma
espécie muito mais rara no seu meio, sem antecedentes nem elaboração teórica
legitimadora, do que Blanchot. Este, com a sua atitude radical e, em certos
aspectos, inquietante, leva às últimas consequências uma mística da literatura
completamente estranha ao autor de À Espera no Centeio.
[…]»
António
Guerreiro, “Invisível como Salinger - Há uma categoria de escritores que renegou a ordem social
da República das Letras e se exilou no desaparecimento.”
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* Isabel Lucas usa sempre assassinato, palavra feia; assassínio é mais bonita e melhor.