quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Alá, em Chefchaouen; em Roma, Deus

Gosto da palavra 'purtroppo'. Não tanto do que significa. De etimologia caprichosa, soa-me lindíssima.

Todos os dias cai gente e morre gente em buracos. Tragédias multiplicadas.
Ao fim da tarde de terça-feira, 01.Fev.2022, um menino de 5 anos caiu num poço estreito e seco, e ficou entalado a 32 metros de fundura.
Este caso marroquino originou horas e horas de transmissão televisiva planetária, numa orgia de angústia interminável. Por cá, a CNN Portugal — mimese sofisticada e cosmopolita da CMTV — foi a que mais se alambazou no horror inane, mantendo-se em quase contínuo "directo ao vivo", com uma legião de analistas a acrescentarem nada ao insuportável nada, do início da tarde de sexta-feira, 05.Fev, às primeiras horas da noite de sábado, 05.Fev.2022. 

Sei disso porque também assisti; sei disso porque não sou menos curioso mórbido do que os demais; sei disso porque não faço uso profiláctico de botões que dizem "off"; sei disso porque sou reformado e tenho tempo. Sei disso, enfim, porque tenho uma "box".     

Quem, pelos vistos, também não resistiu a acompanhar e a aproveitar a obscenidade mediática foi Francisco, o Papa de Catarina Martins, que no domingo, 06, predicou, da janela habitual:
«[...] todo um povo se juntou para salvar o Rayan. O povo inteiro a trabalhar para salvar um menino. Deram tudo por tudo.* Infelizmente - purtroppo -, não conseguiram. [...]»

E Deus-Alá, omnipotente, misericordioso e justo..., quem salva, afinal? Quem ajuda? A quem acode?
Francisco, que lida com Ele de perto, talvez saiba.
Sim, teodiceia.

Com o devido respeito.
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* «Um povo inteiro a trabalhar para salvar um menino»? Tenha Vossa Santidade paciência, mas o que se viu foi uma amostra indisciplinada de povo ululante, talvez melhor, Alá-lante,  a dificultar o trabalho dos bombeiros, profissionais de saúde e agentes de protecção civil...