No formigueiro das redes partilha-se o embaraço vivido pelo jornalista Francisco David Ferreira quando, às 14h46 de ontem, prestando-se a conversar em directo acerca da pobreza energética em Portugal com João Fernandes, jurista da DECO*, se lhe depara no outro lado da mesa um investigador em Ciência Política na Universidade do Minho, atónito.
O momento teve graça. Também eu o trago aqui, no tamanho com que entendi filmá-lo, por não ter visto enfatizar o seguinte:
- Francisco David Ferreira, com inteligência rápida, calma e profissionalismo apreciáveis, dominou a situação, cotejando-a, num rasgo de felina oportunidade, com a antológica rábula protagonizada por Lídia Franco e Herman José, no papel de José Manuel Garcia Marques Severino, pasteleiro — Eu é mais bolos... — , no programa da RTP "Hermanias Especial", de 31.Dez.1991, na passagem de ano para 1992, numa altura em que FDF andaria de bibe;
- acompanhei toda a entrevista e em nenhum momento a realização identificou o verdadeiro entrevistado, fazendo-o constar, por exemplo, em rodapé ou num oráculo. Nem sequer o terá soprado pelo auricular ao pivô desamparado para que ele próprio pudesse interpelar Miguel Ângelo Rodrigues pelo seu nome.
Mal, CNN.
E pronto, era isto: omissão, preguiça e falta de brio, recorrentes nas aceleradas e impiedosas redes sociais salivantes, no que respeita a contextos e a nomes.
Parabéns, Francisco David Ferreira!
________________________________________* DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, cujo embrião integrei com empenho e entusiasmo juvenil, em 1974. Desvinculei-me de associado e de subscritor da revista Proteste em 2008 por objecção de consciência.
A DECO, lastimo dizê-lo, não tem nada, hoje em dia e desde que se congregou num colosso editorial belga de consumerismo, do espírito e dos valores que lhe nortearam o início. Transformou-se numa lubrificadíssima organização de escopo mercantil. A revista Proteste pede meças à Reader's Digest..., e não digo mais por falta de tempo. Oiça-se Mário Frota:
«[...]
como eternos impostores
perdidos na intelecção
de preceitos clareadores,
os egrégios defensores
dos dinheiros da nação
preterem os consumidores
de negação em negação
e ao denegarem os meios
às associações de valia
adensam-se os receios
de afronta à cidadania
associações de consumidores
autênticas, autónomas e genuínas
contam-se pelos dedos de uma só mão,
escassíssimas as com o símbolo das quinas,
à cata do milhão
e sem quaisquer omissões
em ano não recuado
facturou 47 milhões
neste rincão do oeste
por grosso e atacado
a famigerada Proteste
e os tempos são de protesto
isso sim,
quando a inefável Proteste
nos invade a privacidade
'inda que por mal conteste
não se exime à indignidade
pelos dados pessoais
que usa a seu belo talante
mas também pelos tribunais,
e de modo acutilante
deixa claro dos propósitos
como empresa mercantil
soma lucros e depósitos
de modo nada subtil
conquanto se arvore em lenda
com requebros impostores
exime-se à contenda
defrauda os consumidores
e quem se propõe intervir
em nome da dignidade
tem de todo de esgrimir
o gládio da probidade
e assim de modo impante
mas com laivos de orfandade
em pugna tão exaltante
[...]»
"Tempo de antena" da apDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo, emitido na RTP1 em 04.Dez.2020