... com uns laivos de ficção à mistura.
A querela do «despoletar» é antiga, abundante e recorrente.
Exemplo | exemplo | exemplo | exemplo ... e argumentário esgrimido por Vasco Graça Moura contra o entendimento dominante.
A crónica de Vicente Jorge Silva, "Da violência doméstica à vertigem bancária", disponibilizada no Público em linha às 07h30 de domingo, 10.Mar.2019, termina assim:
«[...] Quando tanto se fala de populismos a nível europeu, estes reflexos cruzados de um país assaltado pelas pragas da violência doméstica entre as classes médio-baixas e dos desvarios do dinheiro entre as elites à sombra do poder constituem um típico caldo da cultura populista e compõem a imagem virtual das ameaças que nos espreitam. Não basta confiar, por isso, num Presidente capaz de despoletar essas ameaças encarnando um populismo “bom” ou num primeiro-ministro que conquista a guerra das audiências cozinhando uma cataplana no programa da Cristina.»
Se bem entendo, VJS admite que a presidência popular, como Marcelo a exerce, constituirá um travão/antídoto/desarme das ameaças populistas, convindo todavia não nos fiarmos demasiado. Neste entendimento, afigura-se pertinente o uso de «despoletar» na acepção propugnada pela generalidade dos entendidos, que acompanho. Pelo que VJS escreveu deliberada e apropriadamente «despoletar».
Eis, entretanto, como saiu a passagem em apreço no Público em papel do dito domingo:
«[...] Não basta confiar, por isso, num Presidente capaz de desencadear essas ameaças encarnando um populismo “bom” [...]».
Adivinho que o revisor de serviço à edição em papel, a edição "nobre", encarando aquele «despoletar» no original de VJS acudiu-lhe de imediato ao brio profissional o "Livro de estilo do Público" — 2.ª edição, Março de 2005 — que reza na página 116:
«[...]
despoletar — É um erro vulgarizado utilizar este termo para significar exactamente o contrário: despoleta-se/descavilha-se uma granada para que não expluda e despoletar uma discussão é amainar os ânimos — precisamente o inverso de "desencadear", "detonar", "activar", "rebentar".
[...]».
E não foi de modas: Vou livrar o Vicente [fundador e primeiro director do jornal] do enxovalho público por uso do «despoletar» em contramão e espero que me telefone a agradecer ter-lho trocado a tempo por um canónico «desencadear.
Nisto, página 4 da edição em papel de 11.Mar.2019, "O Público errou", um inusitado pedido de desculpas:
«Ontem, na crónica de Vicente Jorge Silva, a palavra “despoletar” (no seu sentido correcto, de tirar a espoleta) foi erradamente substituída por “desencadear”. Pelo lapso, pedimos desculpa ao autor e aos leitores.»
Revisor de serviço, para a chefia que acaba de lhe dar nas orelhas: Na pressa, fodi-me. Escapou-me o alcance da frase. Afinal, «despoletar» nem sempre está errado. Peço mil desculpas.
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* Metáfora arriscada, já que no Copy-desk trabalham dois homens e duas mulheres...
Plúvio, Plúvio, porque te esticas tanto?