Conheço as composições de Conan Osíris [Tiago Miranda, Lisboa, 05.Jan.1989]. Acho graça às letras e alguma originalidade nos arranjos. As melodias são no geral uma merda maometanocansativa.
Quanto à voz, à representação e à bichanice, quando não fazem lembrar António Variações lembram frei Hermano da Câmara.
Cristina Ferreira: Sabes que eu tenho um amigo meu — e ela a dar-lhe — que me mandou, já há muito tempo, a tua canção e o que ele disse foi «Estejam atentos; quando o Variações chegou também toda a gente o estranhou». Tu sentes um bocadinho isso? As pessoas comparam-te, inevitavelmente comparam-te; são registos diferentes, temos que o reconhecer, mas comparam por isso. Tu gostas dessa comparação?
Conan Osíris: Ó pá, sabes que no início, quando essa comparação começou a surgir eu tava tipo yah, isso é uma coisa, yah, uma coisa grande, ainda por cima uma pessoa que não tá cá. Não me comparem tanto porque os fãs dele podem não achar muita piada porque somos pessoas singulares. E hoje em dia isso já tá tão cansado que eu já tou um bocadinho a entrar na parte de Olha, vamos sentar aqui, eu vou-te dizer uma coisa: o Variações não fazia os álbuns dele completamente sozinho. O Variações não compunha, o Variações não escrevia música. Eu faço isso tudo. Então vamos diferenciar aqui uma bequita, tá? Só hoje...
Dá para perceber que o incomoda sobremaneira o cotejo com António Variações. Escusava era de, na defesa da sua «singularidade», esgrimir a cagança e a ignorância contra a memória de AV, que se foi cinco anos antes de o Tiago cá chegar.
António Variações [António Joaquim Rodrigues Ribeiro, Amares/Braga, 03.Dez.1944-Lisboa, 13.Jun.1984] criava — letra, música, voz — as canções, tamborilando-lhes de modo rudimentar o ritmo. Para as não esquecer e preservar, gravava-as em cassetes. Depois, sim, teve ajuda profissional na produção discográfica.
Não consigo imaginar o emproado Conan Osíris a «fazer completamente sozinho os seus álbuns» com a tecnologia de há 40 anos...
Não consigo imaginar o emproado Conan Osíris a «fazer completamente sozinho os seus álbuns» com a tecnologia de há 40 anos...
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100 paciência
Eu fui à médica ver se era encefalite
Eu fui à médica ver se era uma hepatite
Mas eu não tinha solução
Eu fui à médica ver se era espondilite
Eu fui à médica ver se era amigdalite
Mas eu não tinha solução
E ela gritou
"Vou-lhe receitar clemência
Sei que nem vai aviar
Não sou Nobel da ciência
E eu até tenho experiência
Mas está na sua cara
Você é o 100, o 100
O 100, o 100 paciência, o 100 paciência
Um-zero-zero, o 100, o 100, o 100
O 100 paciência
Um-zero-zero, o 100"
Doutora, doutora, isso é mas é paranóia
Eu até curto de si
Como fadista acho uma jóia
Observe novamente
É que eu devo tar doente
Faça-me um TAC*, um raio X
Vai na volta é algum dente
E a ordinária vira-se e diz
"Tou farta, você deve é ser otário
Eu vi logo pela roupa e essa cara de ordinário
Se não apanha a temática e não tem vocabulário
Eu digo-lhe em matemática
Você é o 100
É um 10 ao quadrado
25 quadriplicado
Um 50 dobrado
E 100 anos num século passado
Você é o 100, o 100 paciência, o 100"
[Esmaga!]
O 100 paciência, o 100"
É mais uma pá balada
Mas eu sou o 100
2 vezes madrugada
Só que eu sou o 100
3000 anos na quebrada
4 horas sem mijar
5 euros uma empada
Mais 6 meses sem cantar
700 almofadas
8 colchas rendilhadas
99 almas penadas
Uma tá no meio da estrada
Eu juro que até parava
Mas é que eu nem tenho a carta
Porque eu sou o 100 paciência, o 100 paciência
O 100, o 100 paciência, o 100
Que desgosto o meu ser o 100
Ser o 100 paciência
Que desgosto o meu
80, 90 é bom
Só que eu sou o 100
Ó Osíris, pá, informa-te, despe-te da diva e aprende a quadruplicar. Tá, puto? Yah, meu? E boa sorte com os telemóveis em Telavive, sei lá, «óbvio que aí é onde eu vou tipo arquitecturando» [sic] a cena ... como quem tricota a glória.
E assim sucessivamente. Tás a ver, Conan?
E assim sucessivamente. Tás a ver, Conan?
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* uma TAC, s.f.f.