segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Vitor Silva Tavares,

«uma das melhores pessoas que existem em Portugal.» - Hélder Macedo, poeta.

«Quando publiquei A Cona de Irene, de Louis Aragon, pedi a um rapaz que colaborava aqui comigo que fosse ali à livraria Bertrand ver se queriam alguns exemplares para pôr à venda. Resposta do director da loja: ‘Pensa que isto aqui é uma casa de putas?' Indignada, a minha boa amiga Luísa* Neto Jorge pegou ao colo o seu filho ainda bebé e voltou lá. Pediu para falar com o director da loja e, enquanto embalava a criança, disse-lhe com voz cândida: 'Queria o livro A Cona de Irene, têm?' 'Não, não temos mas vou já encomendar', respondeu logo ele todo solícito...
[…]
O formato dos nossos livros [& etcé uma insubmissão. É um luxo táctil. Têm um não sei quê que dá vontade de apalpar, porque a mão que pega no livro é a mesma que pega nas coisas que ama.»
Vítor Silva Tavares | DN, 29.Out.2011

«Não fosse a espessura trágica que se intui sob as histórias cheias de ironia e sarcasmo que conta em catadupa, num tom de tal forma impressivo que deixa os seus ouvintes hipnotizados, poder-se-ia afirmar que Silva Tavares não existe.»

Bom trabalho, Joana, parabéns e muito obrigado.

domingo, 30 de outubro de 2011

O adjectivo palpável *

Ouvi hoje - Dia Nacional da Prevenção do Cancro da Mama - alguém dizer na telefonia:
«O combate ao cancro da mama regista um sucesso palpável.»
Remataria o Crespo: Aqui fica esse registo, tão pertinente ele é.

Declaração de interesses: também tenho um em casa. Um cancro de mama; pequenino, ainda bebé, felizmente.
______________

* «[...] O adjectivo é a prosa a tomar partido. Foi-nos ensinado pelo maior de todos nós, Fernão Lopes, e encaminhado por António Vieira, Camilo, Eça, Ramalho, Fialho e outros mais. O adjectivo não distorce a realidade: evoca-a e convoca-a no colorido que a realidade detém. O texto apenas substantivado é indolor, incolor, afasta-se da verdade imediata, faz derivar a visão para o território frígido onde o calor humano não existe. Uma certeza impositiva: não há texto sem adjectivo. [...]»
- Baptista-Bastos, Nov.2006

No que as pessoas crêem

«A partir dos conhecimentos históricos disponíveis e fundados - Jesus é a figura mais estudada da História -, penso que, apesar das controvérsias que continuam, à pergunta "o que podemos saber hoje sobre o Jesus histórico?", se pode responder minimamente dizendo que foi um profeta escatológico judeu, um sábio, alguém com o dom da cura e um carismático, homem de mesa em comum e rompendo com a distinção entre puros e impuros, que impulsionou um movimento messiânico integrador de marginais, um homem de conflitos e perigoso para a ordem religiosa e social estabelecida, condenado pela oligarquia sacerdotal de Jerusalém e mandado executar na cruz pelo procurador romano, "o seu movimento profético-messiânico manteve-se e transformou-se depois da sua morte" (Xabier Pikaza). Alguns dos discípulos afirmaram que estava "vivo" e que tinha sido elevado à glória de Deus.
[...]
não perturba nada a minha fé que Maria seja virgem ou não: o Credo não é um tratado de biologia. Do mesmo modo, não agride a fé cristã que Jesus tenha tido ou não irmãos e irmãs ou que tenha sido casado ou não. O que a boa teologia diz sobre a Santíssima Trindade é que a unidade de Pai, Filho e Espírito Santo é uma unidade de revelação: "Deus mesmo manifesta-se através de Jesus Cristo no Espírito", escreve Hans Küng. Na Bíblia, não se diz que Jesus é o próprio Deus. Ele é confessado pelos crentes como o Cristo, isto é, Messias e Filho de Deus. Ele é a revelação definitiva de Deus, não o Deus (hó theós).
Quanto à ressurreição, ela não pode entender-se como a reanimação do cadáver. O que foi feito do cadáver de Jesus ninguém sabe: pode inclusivamente ter ido para uma vala comum.»

Vá, José Rodrigues dos Santos, atreva-se.

«Duvidar da virgindade de Maria ou da autenticidade da Bíblia talvez espantasse o mundo no século XVIII. No século XXI, o que espanta é ainda haver quem se espante com estes exercícios de marketing e blasfémia adolescente. Se Rodrigues dos Santos quer ‘derrubar tabus’ e ‘agitar as águas’, o Cristianismo é o alvo errado.
O alvo certo talvez fosse apontar as baterias para Meca e levantar sobre Maomé o mesmo tipo de dúvidas que agora se levantam sobre Jesus. Isso, sim, seria inédito: depois de ‘O Último Segredo’, Rodrigues dos Santos produziria finalmente o último livro.*»

O facto de não morrer de amores pelo João Pereira Coutinho nem gostar de quase nada de pelo que ele ideológica e politicamente propugna não me inibe um "muito bem, João!". Além de que me fez rir.
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* Sugiro-lhe, de graça, o título:
Maomé, o maior filho [espaço] [espaço] [espaço] [parágrafo]
da p. da História,
que é para os putos rabinos encanitarem os pais nos corredores da FNAC:
- Páií!, o que é p.?
- Puta, filho.
- Então a História é puta?
- Às vezes, filho.
- Páií!, e porque é que não puseram as letras todas?
- Para que isto acontecesse, filho.

Depois vem a parte em que a Gradiva leva com um petardo nas vidraças e assim sucessivamente.

Adoro perder-me

por onde a tua mão me guia.

sábado, 29 de outubro de 2011

Falemos então de teologia

Acho uma falta de gosto imperdoável que o Google dê zero ocorrências de "tinto exaltante" e que, mais imperdoável ainda, de "exaltante tinto" não dê ocorrência nenhuma. A humanidade anda distraída, só pode.

PS
Já de "isaltino" é um ver-se-te-avias. Que falta de gosto, senhores.

Toma lá

o ípsilon inteiro de ontem e, se te apetecer, encontra onde e a que propósito o magnífico Rogério Casanova escreve
«A epifania diagramática perto do fim é o desenlace possível: um choque de adereços em curto-circuito simbólico, envolvendo uma concha de leite (representando o reino doméstico), o carril do eléctrico (representando a inovação e o “moderno”), e a alusão pacientemente preparada ao carvão incandescente que purifica os lábios do profeta Isaías – tudo amalgamado num capítulo onde dezenas de Molly Blooms vão ao palco declamar a sua deixa.»,
que estou sem paciência.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Alberto Gonçalves

Quando não tem de falar da doutora Manuela Ferreira Leite ou do engenheiro Sócrates, que parece condicionarem-lhe levemente o humor, o Alberto Gonçalves lê-se com ainda maior gosto. É o caso, na crónica da Sábado de ontem, em que fala do Harold Camping, do Karl Marx, do Manuel Carvalho da Silva, do Stefan Ramin, da Marie Dedieu, do Steve Jobs e do Kadhafi; crónica em que fala da fé e de outras crenças e de como o Islão, em particular, vem contribuindo para a decência da humanidade.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Praxe - «Haja alguém que lhes explique...»

«O que mais me impressiona nas praxes é o fenómeno da crescente fetichização do traje académico, movimento que vem dos finais dos anos 80 e da massificação do ensino superior ao longo dos anos 90. Deixando de lado a gargalhada de se andar por Lisboa, Évora e Faro em Setembro com farpelas preparadas para o Inverno coimbrão, a uniformidade do vestuário está involuntariamente a representar a uniformidade do pensamento. O assomo étnico-corporativista que se exibe como farda é a negação mesma da libertinagem criativa e criadora que está na essência da vocação intelectual que inventou a Civilização. Em vez de se exibirem únicos e diversos, os nossos trajados querem é repetir-se na exaltação do conservadorismo mais anti-universitário que é possível conceber. Haja alguém que lhes explique essa relação que antecede todo o pensamento científico, sem a qual qualquer actividade cognitiva gerará apenas opinião: é pelo particular que se chega ao universal.*»
Valupi, "Praxe e praxis" | Blogue 'Aspirina B', 27.Out.2011 

* Chegar à universidade de qualquer maneira também ajuda nesta comiserante gadificação do indivíduo.  

Chuva

Ia hoje a pé para o trabalho quando a dado ponto do caminho fui surpreendido pela chuva. Voltei para trás. Depois de pela mesma berma ter regredido uns 300 metros sem nenhum propósito, tornei a avançar para o trabalho. Ao atingir pela segunda vez o tal dado ponto, ainda chovia, mas agora sem surpresa. Desprotegido, continuei à chuva até ao meu destino.
Não aprecio a humanidade em geral, mas gosto quase sempre de quando chove.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Criar dá uma trabalheira

«[...] O que não me impede, porém, de olhar para a publicidade como televisão, como trabalho criativo. Aliás, em muitos casos, muito mais criativo do que a televisão propriamente dita. É o caso do novo anúncio da Optimus, que marca a adopção do novo claim da operadora - O que nos liga é Optimus. O material é da responsabilidade da Euro RSCG e é muito bem conseguido. Quer na música, quer nas imagens de Lisboa, quer no conceito dos magotes de gente que se vão juntando ao desfile.
[...]
o anúncio é muito bom. Ponto final.»

Parecendo certo que o jornalista Nuno Azinheira não fez o trabalhinho de casa, resta a curiosidade de saber quanto facturou a Euro RSCG à Optimus na rubrica específica "originalidade".

domingo, 23 de outubro de 2011

Portáctil

«tive um iBook daqueles brancos translúcidos, definitivamente o mais bonito portátil de todos os tempos, tão bonito que dei por mim a fazer-lhe festinhas.»

sábado, 22 de outubro de 2011

Ser ou não

cereja questão.

Carapaus de corrida

Continuo, debalde, à procura de um estabelecimento de "fast food" que os tenha no menu.
[A desenvolver no capítulo "O óbvio improvável" *.]

* Sequela de "O óbvio ululante", de Nelson Rodrigues.

Giulia

Nada a opor, antes pelo contrário*, ao que Carla Bruni chamou à filha. Até porque também já fiz uma coisa dessas. Júlia é, quando o pronuncio por dentro e por fora, o mais belo nome de mulher.
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*- E diga-nos cá, falante Plúvio: antes pelo contrário de nada a opor pode ser tudo a opor?
- Pode, mas não é; muito antes pelo contrário.

Aníbal Cavaco Silva, pai do "monstro"

«E que a mudança de mentalidade é condição primeira para um dia controlarmos o "monstro" foi esta semana exuberantemente exemplificado pelo pai do próprio, o professor de Finanças Públicas Aníbal Cavaco Silva. Ele, que numa década irrepetível de abundância de dinheiros europeus, conseguiu governar com défices de 6% e 7%, ele que acrescentou os funcionários públicos e tornou a Segurança Social insustentável, veio agora revoltar-se contra o governo que ajudou a instalar, porque ousaram tocar na sua pensão de funcionário público e na da sua mulher.»
- Miguel Sousa Tavares, "Precisamos de manter a lucidez" | Expresso, 22.Out.2011 

9%

21:21 de ontem. O Mário Crespo acabara de diabolizar a "fast food", dando a deixa ao doutor Luís Paulino que desatou, severo e façanhudo, a esgrimir contra o colesterol - O colesterol é um problema grave; é o principal factor de risco da aterosclerose e da doença coronária e da doença cérebro-vascular … -, no preciso momento, juro!, no momento exacto em que assomou à ribalta um big mac, crescido e feliz, a lambuzar-se de lucro e a marimbar-se na conversa.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Aníbal Cavaco Silva

«A eleição do dr. Cavaco para Presidente de República foi uma das maiores desgraças que sucederam a Portugal e aos portugueses desde 2006. Mas foi pior do que uma desgraça, foi um erro.*
[…]
O fim do Governo socialista e o advento de uma coligação CDS-PSD trouxeram um certo desassossego ao dr. Cavaco, que, fora repetir algumas lições básicas de economia e finanças, começou, sob vários pretextos, a derivar suavemente para a esquerda. Porquê? Para quem conhecer a sua sobre-humana vaidade, por uma razão muito simples: porque não quer ficar como o homem que presidiu sem protesto à ruína da economia portuguesa.»

Concordo quase sempre muito e discordo quase sempre muito do Vasco Pulido Valente. Mas como o sacana escreve bem que se farta, tendo a concordar quase sempre mais do que a discordar.
* Eu diria por exemplo assim: “O dr. Cavaco, primeiro-ministro e Presidente da República,  foi a maior desgraça que sucedeu a Portugal desde o 25 de Abril”. É, de resto, o que convictamente acho.

Michael Lewis

«De todos os livros sobre a crise económica global, Michael Lewis escreveu talvez os dois melhores. O primeiro, “The Big Short” (2010), reunia uma série de perfis sobre um quinteto de excêntricos que antecipara o colapso e ganhara dinheiro com isso. O segundo foi publicado no início do mês com o título “Boomerang”, mas foi sendo escrito ao longo de três anos nas páginas da “Vanity Fair”, que soube propor o negócio certo ao homem certo: aproximadamente de seis em seis meses, enviá-lo para uma nação à beira do abismo, com a missão de enviar um postal ilustrado sobre o passo em frente. Os resultados foram extraordinários.
[…]
Islândia, Irlanda, Grécia. Há uma ausência notória nesta lista, que os adeptos ainda aguardam com expectativa. Só podemos sonhar com o que este intrépido turista de abdominais bem delineados faria com material tão promissor como o bunker de Oliveira e Costa na Vidigueira, ou a aritmética acrobática da Pérola do Atlântico.»
Rogério Casanova, “Turismo pós-apocalíptico” | Público/Ípsilon, 21.Out.2011

«o futuro

deixou de ser outra coisa senão a catástrofe e, mais do que nunca, o bom Deus, neste mundo secularizado, está apenas alojado nos detalhes.
[...]
a organização do mundo deixou de poder contar com o livre arbítrio.
[...]
deixou de haver política e há apenas gestão.
[...]
Primeiro, com a comunicação electrónica instantânea, perdemos o sentido da distância; agora, já vivemos em curto-circuito permanente: o futuro está a ser, o que significa que já foi.»
António Guerreiro | Expresso/Atual, 15.Out.2011

Prémio Pessoa pelos séculos dos séculos, ... [1]

Quem será o português com maior projecção cultural neste século?
Ainda não sei nem arrisco.
Mas sei que os premiados vêm mudando desde o Mattoso, em 1987, quando a coisa foi instituída; os sete mil contos vão em 60 mil euros, o patrono mantém-se Fernando mas os jurados têm variado; a CGD tomou em 1998 o lugar da Unisys; a ortografia do regulamento é já a do terceiro milénio.
O que cá para mim continua a escapar-lhes no "copy paste" desde 2001 é que o século é outro e não estamos livres – o mundo não é uma entidade lúcida - de que o José Rodrigues dos Santos ainda venha a firmar-se até 2100 como o português de maior projeção cultural.
… ámen.

Cadáver de Kadhafi

soa, por acaso soa [akázussoa], mas nunca é coisa bonita, nunca.
Os rebeldes continuam bonzinhos.

Fritava os inimigos

em óleos de estimação.

O Rénio, o Ósmio e o Irídio

ou de como às vezes me dá para uma escrita mais densa.

PS
Também sei escrever com elevação:
Denali, Elbrus, Kilimanjaro, Aconcágua, Carstensz, Kosciuszko, Vinson, K2.*
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* Está bem, faltam o Everest, o Monte Sinai e o Torres Couto, mas eu detesto sensacionalismo, não me chamo Paulo Coelho e isto não é a RTP Memória.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

«Desespero fértil»


Eu não conto histórias.

Temos tendência a julgar em vez de entender. A partir da altura que entendemos, deixamos de julgar.

Só escrevi o livro, não o li. Portanto, estou em desvantagem.

«Como é que você, que é tão novo, já fez tão pouco?» [ALA citando Robert Oppenheimer]

Descobri muito cedo que é muito simples darmo-nos com as outras pessoas. Basta tomá-las por aquilo que elas pensam que são e não por aquilo que eu penso que elas são.

Quando o desespero não é fértil, a nossa vida deixa de ter sentido.

Substituímos um horror por outro. Por exemplo, a vida dos casais. Quando vejo um casal num restaurante, uma refeição inteira sem sequer olharem um para o outro, isto é terrível; outra maneira de matar, mas matar pela usura.

O pai é uma instância que existe entre nós e a morte e que em certo sentido nos protege da morte. Depois do pai morrer, se a morte tocar à campainha somos nós que temos de ir abrir.

MC- Que lágrimas são as suas?
ALA- Eu acho que choro para dentro, como as grutas.

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E para resfriar um bocadinho, António Guerreiro sobre “Comissão das Lágrimas”:
«quando lemos “Comissão das Lágrimas”, defrontamo-nos, até à exasperação, com uma espécie de recitativo ou de litania caracterizada pela homogeneidade.
[…]
Aquilo que é prometido como polifonia não passa de uma algazarra de vozes indistintas.»

* Também num exercício de vaidade recíproca, mas isso é sempre e se calhar nem é pecado.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

domingo, 16 de outubro de 2011

Pipocas no cinema

«O cinema é uma empatia grupal ritualizada, a sagração da emoção intelectual, e devia ser um direito inalienável de toda a gente experimentá-la. Não me misturem isso com pipocas, vá lá. Respeito.»

Duas em cada 10 vezes discordo da Fernanda Câncio. Esta pertence, com veemência,  às oito em cada dez.
10 em cada 10 vezes, a Fernanda Câncio escreve bem.

Não desespere, Catarina.

O senhor Jobs manda dizer que de momento não está disponível; apenas isso.

sábado, 15 de outubro de 2011

Na praça

A mulher cheirava tão persistentemente a fruta que a fruta passou a cheirar a ela.

PS
Cheirar a fruta é uma ambiguidade, sei.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

- Mas, oiça ...

- Diga, professor …

Não consigo explicar a principal razão por que gosto desta entrevista da Irina Fernandes a um homem de 92 anos, meu contemporâneo e conterrâneo.
Tenho, porém, de confessar que entre as razões explicáveis que me fazem gostar dela assume importância relevante a de o José Hermano Saraiva não ser a Alexandra Lencastre.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Terminada a entrevista de fundo,

o jornalista e o entrevistado subiram.

Aquele fio condutor

nunca se sentava ao volante sem o boné posto.

domingo, 9 de outubro de 2011

queríamos e não queríamos, não queríamos e queríamos

«Momentos.
[…]
O momento glorioso em que o sangue se acelera na certeza de que sim, fomos reconhecidos, e sim, talvez. E o seguinte em que, sem ir mais ao baralho, aceitamos expor a nossa mão e ver a do outro.
É a partir daí, quando se torna mesmo perigoso, quando tememos ficar sem rede sobre o abismo, que respiramos fundo.
[…]
Há então uma manhã – é sempre de manhã, não é? – em que tudo o que nos surgia magnífico, exacto, sem mácula nem reparo, arranha, abre fissuras.»

sábado, 8 de outubro de 2011

Escrita

O Alberto Gonçalves é mauzinho, é muito bom, é insuportável, é insuperável.
Certo é que o Alberto Gonçalves é constantemente do melhor que anda a escrever por aí, incluindo títulos.

«vamos lá falar sinceramente: mesmo para homem, a dona Iriny é feia. Muito feia.»
- “Garotas de Ipanema”

«dói assistir à decadência pública de quem, em privado, iluminou as nossas vidas. Em vez de debater angústias adolescentes, Allen faria bem em observar uma reles evidência: o talento esgota-se.»
- “Woody Allen, post mortem

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Chega-lhe, Isabel!

«Excelentíssimo Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa, Eminência: ouvi as preocupações recentemente manifestadas por Vossa Eminência, em entrevista televisiva a pretexto da celebração dos seus 50 anos de vida eclesiástica, a respeito das famílias e dos cidadãos mais afectados pela actual crise e o apelo que na sequência fez a um reforço da solidariedade social por parte dos portugueses e, suponho, muito especialmente dos cristãos por cujo múnus Vossa Eminência tem particulares responsabilidades. Partilho dessas preocupações e congratulo-me com o apelo da Igreja Católica através do seu mais alto dignatário* em Portugal.
O que porém me leva a dirigir-me a Vossa Eminência é a sua declaração, na mesma entrevista, a propósito da actual situação política, social e económica do País: "Ninguém sai da política com as mãos limpas." (sic)**
[…]
Ouso, pois, interpelar Vossa Eminência para que se digne esclarecer, no que ao meu caso diz respeito, o sentido da afirmação supracitada. Por que razão acha que estariam as minhas mãos sujas após ter deixado a vida política?
Na expectativa da benesse desse esclarecimento, apresento a Vossa Eminência os meus mais respeitosos cumprimentos.»
Isabel Pires de Lima, "Carta aberta ao Senhor Cardeal Patriarca" | DN, 07.Out.2011

A propósito, leio na blogosfera liberalóide fecalóide, estrebuchante de vindicta, que um socialista com poder é inevitavelmente um vigarista. Repugna-me concordar.
Acredito, por exemplo, em que a socialista, entre tantos, Isabel Pires de Lima, ex-ministra da Cultura, não foi uma vigarista no poder; nem é uma vigarista.
* E decerto não será o não saber escrever dignitário que macula a sua probidade.

**  RTP  ***

***  Por via das dúvidas, informo que é uma piada. ****

**** Foda-se, Plúvio, quando deixas de subestimar os teus sábios leitores?

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Acho fascinante a palavra «pâncreas»;

«cancro», nem por isso.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Rogério Casanova

na LER deste Outubro:

O António Lobo Antunes

diz quase sempre o mesmo em todas as conversas.
Desta vez, no Diário de Notícias de ontem, o João Céu e Silva conseguiu que ele dissesse outras coisas.

Adeus

«A despedida talvez seja a parte mais difícil da esperança.
[...]
Termo-nos visto uns aos outros partir e regressar, dizer adeus e olá com a certeza de que nada se interrompe, voltar a ouvir mil vezes a voz dos que amamos, prolongando assim o extraordinário, o interminável encontro.
Precisamos também do socorro de outras palavras, e elas chegam se as quisermos ouvir. Vêm em nosso socorro essas palavras maiores, que não são para compreender talvez, mas que nos seguram enquanto certas despedidas (sobretudo as mais dolorosas) desprendem o seu vazio lentíssimo.»

Foto do Albert G., flash do Alberto G.

«Tudo nas touradas me é desagradável. As roupas, das peúgas aos chapéus. O vocabulário, do 'bandarilheiro' à 'ganadaria'. A música, da corneta ao cornetim.
[...]
Mas não há nada de tão repulsivo nas touradas quanto os sujeitos que se juntam em protesto contra as touradas.»

domingo, 2 de outubro de 2011

Traquejo

era requisito indispensável para aquele emprego de gestão, enchimento e esvaziamento de vasilhame de gás comprimido.
Descontraidíssimo e inchado de confiança, a entrevista de recrutamento não poderia ter-lhe corrido melhor: arrotos deu quatro e quatro arrotos abortou; soltou cinco peidos e deteve outros tantos; à sexta bufa sub-reptícia, tinha o lugar mais do que garantido.


- Então, doutora, que tal o candidato? 
- Muito bom ar, doutor, muito bom ar, do mais assertivo que já vi.

Ser coerente

«Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural. A coerência, a convicção, a certeza, são, além disso, demonstrações evidentes – quantas vezes escusadas – de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade. [...]
Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre coerentes.»
- Fernando Pessoa, O Jornal, "Crónica da vida que passa", 05.Abr.1915

Acordo Ortográfico [24]

«Percebo muito bem Teixeira de Pascoaes e o seu lamento (a propósito da reforma ortográfica de 1911) sobre o fim do y em abysmo e lyrio, como me revolto por cair o p em Egipto quando, ainda por cima, se mantém em egípcio, ou me arrepio por actor, com c, deixar de o ter, ruptura passar a rutura (e assim se confundir com rotura com o) ou, incompreensível para mim, infeccioso, cujo primeiro c sempre li, poder ser agora infecioso. E fico irremediavelmente decepcionada por decepção passar a deceção. Sei, claro, que me habituarei: não é a primeira vez, longe disso, que a grafia muda e as pessoas se habituam.
Aliás, confesso que não alinho na maioria das críticas que têm sido feitas a este acordo, baseadas em simples e tacanho conservadorismo, em mero oportunismo politiqueiro ou, pior, nacionalismos inflamados e a roçar a xenofobia que não se ensaiam em falsear os factos para tentar marcar pontos, como quando garantem que facto passará a fato quando - e isso até eu já sabia - é um facto, com c, que as consoantes não mudas não caem.»