«É uma consequência previsível da aquisição precoce de apetites literários que o lixo que consumimos na pré-adolescência nos assombre para sempre; é também uma consequência feliz. Parte do processo é explicada pela sede de autenticidade que ergue altares automáticos a tudo o que nos maravilhou numa idade em que os centros de prazer ainda não tinham sido contaminados pelo discernimento – um sentimento que pode facilmente degenerar num ridículo fetichismo nostálgico, que glorifica tudo aquilo que se leu quando ainda não se sabia ler. O medo do ridículo, no entanto, não deve induzir a fuga para a posição oposta. Renegar os cowboys, corsários, detectives e extraterrestres só porque descobrimos os Modernistas é o equivalente moral a renegar amigos de infância só porque ganhámos o totoloto. Consolidar uma hierarquia de valores não implica necessariamente que se execute um genocídio; nesta, como em tantas outras situações, basta um simples campo de concentração.»
Rogério Casanova, “Literatura de polpa” [sobre a 'pulp fiction' em geral e a 'pulp fiction' portuguesa em particular] | Público/Ípsilon, 04.Nov.2011