«[…] Uma boa surpresa, muito acima do mínimo
que sempre constituiria. Trata-se de um documento com princípio, meio e fim.
Escrito num português claro. Frequentemente assertivo. Convido todos os
portugueses a lerem-no […] Estamos de regresso à política no seu melhor. […]»
Daniel Bessa, “Guião da Reforma do Estado” | Expresso/Economia, 02.Nov.2013
«[…] talvez dos textos mais pobres, mais medíocres, mais vazios que eu vi produzido por algum governo em Portugal. […] um borrão de notas que um político toma para fazer um comício. Acontece que este comício foi feito na Presidência do Conselho de Ministros. […] texto cheio de clichés, cheio de slogans e cheio de trocadilhos que, aliás, é a especialidade do doutor Paulo Portas. […] a instrumentalização do Estado ao serviço da mais vulgar politiquice. […] vulgaridades, banalidades, slogans. […] Nunca o Estado português produziu um papel destes, que me lembre. […]»
"A opinião de José Sócrates" | RTP1, 03.Nov.2013
Aceitei o
convite do doutor Daniel e, atento principalmente ao essencial acessório, li o coiso.
Cento e doze
páginas de Arial Narrow, corpo 16, espaçamento de linhas duplo, com
apresentação paleolítica. «Autor: vania.silva».
O padrão ortográfico tem a coerência e segue o preceito dos esgotos e dos aterros sanitários pré-ecológicos. Consoante as gárgulas - as “fontes” da página 112? -, aplicam-se indistintamente e a esmo as três ortografias em uso na actual esquizofrenia linguística portuguesa a que, aposto, Fernando Pessoa jamais ousaria chamar Minha pátria: a boa, de 1945, que, estranhamente contra o consuetudinário governamental, predomina neste coiso; a de 1990, do Malaca, que pintalguei de amarelo, e, aqui e ali, enxertos teratológicos das duas. Depois, incorrecções básicas - também as assinalei -, sem patrocínio ortográfico ou gramatical que lhes acuda, como: rúbrica por 'rubrica', inclusivé por 'inclusive', industria por 'indústria', incluíu-se por 'incluiu-se', interfaces intuitivos e seguros por 'interfaces intuitivas e seguras', melhor enquadrados por 'mais bem enquadrados'; concordâncias e regências defeituosas; vírgula inadmissível entre sujeito e predicado repetida até à exaustão; etc.
Que dizer,
por exemplo, do desleixo de Código de Trabalho por 'Código do Trabalho'?
Finalmente, imagino
quantos de «todos os portugueses» convidados por Daniel Bessa a ler o coiso
estarão em condições de decifrar total e correctamente, sem recurso a
criptólogos e arúspices encartados, o chorrilho de siglas não explicitadas com
que o texto nos massacra: DCI, ENVC, CRESAP, ESPAP, APA, SII, MCDT…
Três ou quatro passagens do coiso:
«em nome do interesse nacional que é de todos»
– página 2 [Ao invés do interesse particular que é só de alguns. Este governo é
um fofo.]
«A demagogia é, portanto, incompatível com as regras de pertença de Portugal ao euro.» - página 17 [E sobretudo vice-versa, diria eu. Confesso que a palavra “demagogia” na boca de Paulo Portas me soa sempre a girândola garrida.]
«a redução gradual do efectivo das Forças Armadas para 30 a 32 mil militares» - página 56 [Ora bolas, pensava eu que reforma do Estado que se preze não haveria de fazer a coisa por menos de uma redução para zero militares... Essa é que seria, ó se seria!]
«Ao lançar estas orientações, o Governo actua com humildade democrática.» - página 3
«É conhecido, ainda, que as experiências de simplificação e de desmaterialização administrativas dos últimos anos já mudaram em muitos domínios a relação directa do Estado com os cidadãos e agentes económicos» – página 109 [Mandaria a decência que em vez de «conhecido» fosse «reconhecido». Nisto da simplificação e desmaterialização administrativas, ao menos quanto a isto, disporia o governo de Passos Coelho de oportunidade excelente para, com a «humildade democrática» aqui proclamada, reconhecer ao governo anterior alguma benfeitoria. Mas tá quietinho, macaco: se nem decente, quanto mais humilde...]
No que havia o mefistofélico Portas de meter a sua queriducha e pinícula Vânia de Azurém…
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* ... e o português claro de Daniel Bessa Fernandes Coelho