«A crítica,
especialmente a crítica literária dos jornais e revistas, está moribunda.
[…]
há os melancólicos,
os canonizadores, os avaliadores, os mediadores, os animadores do gosto, os
caçadores de tendências e os que são tudo isto ou várias coisas ao mesmo tempo
porque tal é preciso num meio em que a procura é escassa e a autonomia
reduzida.
[…]
aqueles a quem
se devia dirigir em primeiro lugar a crítica, aqueles que, em última instância,
detêm o poder de legitimá-la e de prolongar o diálogo que ela deveria estabelecer,
foram excluídos ou excluíram-se voluntariamente porque o discurso deixou de
lhes dizer respeito.
[…]
Prescindir do
juízo dos pares, dispensar a sua função legitimadora, colocá-los à distância,
não procurar a autorização conferida pelas regras do campo específico da
disciplina ou da actividade intelectual que se exerce — tudo isso resulta num obscurantismo
disfarçado de entretenimento. Nestas condições, a tagarelice não será
interrompida porque quem estaria em condições de a denunciar já se demitiu até
de entrar nos lugares onde ela reina e se por acaso ou imprudência se cruza com
ela limita-se a virar a cabeça para o lado. Não tenhamos ilusões: o crítico
pode hoje ser inócuo e medíocre impunemente porque se ausentaram os que o podiam
criticar.»
António Guerreiro, “O crítico póstumo”
- x -
A propósito, que
diz a crítica de A confiança no mundo – Sobre a tortura em democracia, de José
Sócrates?
«[…]
Mais raro é o
facto de governantes portugueses em idêntica situação procurarem adquirir
conhecimentos ou aprofundar leituras e optarem pelo estudo da teoria política
enquanto ganham distância em relação à arena onde se embrenharam durante anos a
fio e à qual muitas vezes pretendem regressar.
Nem que seja por ter tomado esta opção — exemplar, sobretudo para uma classe
política pouco preocupada com questões teóricas e intelectuais — o livro de José
Sócrates merece ser lido por críticos e académicos interessados nessas mesmas
questões.
[…]
Quanto a Kant,
estranha-se apenas que o autor tenha afirmado que lera mais de dez vezes a A Metafísica dos Costumes e esta obra não surja sequer citada na bibliografia
final (não confundir com A
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, também de Kant, como o autor fez notar numa inflamada, extensa e desproporcionada resposta a uma crónica do Comendador Marques de Correia/Henrique Monteiro, publicada
no Expresso).
[…]
estamos em
presença de um trabalho de mestrado, nem mais nem menos do que isso. Um trabalho
competente para os fins circunscritos a que se destinava, e que o aluno logrou
alcançar com êxito. Este livro não deve ser avaliado,
positiva ou negativamente, em função da personalidade e da carreira públicas do
seu autor. Pelo contrário, a apreciação deve cingir-se ao estrito propósito universitário
que esteve na génese deste livro.
[…]»
Diogo Ramada Curto