«Agastada com o aumento significativo de obras literárias
nos novos programas de Português do Secundário, a presidente da Associação de
Professores dessa disciplina lamentou publicamente* a inclusão “de um sem
número de autores e de obras literárias”, fazendo do Português uma “disciplina
de literatura portuguesa”.
[…]
Voltada para as
exigências da literacia, a disciplina de Português, língua materna, passou a
ser ensinada quase como se fosse uma língua estrangeira. Por exigências da
literacia não devemos entender apenas a preocupação com as graves falhas nas
competências línguísticas dos alunos, no domínio da escrita e da compreensão.
Trata-se de algo muito mais complexo, quase uma ideologia, que tem que a ver com
uma nova racionalidade comunicativa que substituiu uma antiga ideia de cultura
e está relacionado com o que um universitário norte-americano** chamou “nova
literacia vocacionalista”, isto é, a aquisição de uma literacia restrita que
fornece competências num código específico. A guerra actualizada nas
declarações recentes da presidente da Associação de Professores de Português é
aquela entre os que acham que os textos
literários são obstáculos na aprendizagem e no treino a que os alunos devem ser
submetidos e os que acham que nenhum texto literário é um empecilho, nada
impede e muito fornece: quem aprender a ler um soneto de Camões é também capaz
de consultar um horário de comboios (exemplo que traz à memória um poema de
Enzensberger que começa assim: “Não leias odes, meu filho, lê os horários/ (dos
comboios, dos autocarros, dos aviões),/ são mais exactos.”)***.
[…]»
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Edviges Ferreira, Público, 05.Nov.2013
** Wlad Godzich, conforme António Guerreiro, “A escola contra a Filosofia” | Expresso/Actual, 13.Jan.2002
*** O poema de Hans Magnus Enzensberger, traduzido por Jorge de Sena e muito bem dito por Cristina Paiva
«[...] este programa é essencialmente de literatura portuguesa e não de língua portuguesa.
Será que os alunos do sec. XXI conseguirão ser sensibilizados para o estudo só de autores dos séculos passados? O tempo o dirá!»
Edviges Antunes Ferreira, "Uma viagem ao tempo passado" | JL, 13.Nov.2013
** Wlad Godzich, conforme António Guerreiro, “A escola contra a Filosofia” | Expresso/Actual, 13.Jan.2002
*** O poema de Hans Magnus Enzensberger, traduzido por Jorge de Sena e muito bem dito por Cristina Paiva
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Será que os alunos do sec. XXI conseguirão ser sensibilizados para o estudo só de autores dos séculos passados? O tempo o dirá!»
Edviges Antunes Ferreira, "Uma viagem ao tempo passado" | JL, 13.Nov.2013