sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Consumir cultura

«Segundo os dados do Eurobarómetro, divulgados pelo Público no passado domingo, os consumos culturais em Portugal sofreram uma forte redução relativamente aos resultados anteriores, de 2007. Estes inquéritos informam-nos sobre a evolução dos consumos das commodities culturais, mas deduzir dessas medições um teor e um estado geral da cultura é uma enorme falácia. A noção de "consumo" é cheia de equívocos quando aplicada ao campo da cultura, desde logo porque é meramente quantitativa e preenche essa forma de niilismo que se traduz no princípio de que tudo se equivale: não há hierarquias, qualquer coisa é agenciada com outra coisa e dirige-se, sem distinção, a qualquer pessoa. Todos conhecemos o pietismo das boas intenções culturais que faz da leitura uma moral e multiplica as campanhas filantrópicas a favor dos livros. Como se os livros, os filmes, os espectáculos e tudo o mais — muito mais, porque o universo da cultura é enorme e está sempre em expansão — não pudessem ser, não fossem efectivamente na sua maioria, e sem deixarem de ser produtos culturais, meios de produção da imbecilidade.
[…]
Esta ideologia que tem como modelo a homogeneidade do mundo da economia produziu também uma equivalência entre "excelência estética" e "excelência económica". A lógica económica das indústrias culturais requer a transformação do artista, do escritor, do agente cultural, em empreendedores de si próprios. A nostalgia da grande arte, dos grandes artistas e dos grandes intelectuais é um tropismo fundamental de todas as políticas culturais, do passado e do presente. Mas a grandeza mede-se agora pelo critério da "excelência", que se tornou uma "palavra-maná", um signo mágico que faz recuar as águas do mar e abre uma passagem para a terra prometida.»
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A propósito, a Leya ou a Caminho, por exemplo, vendem, em nome da Cultura, livros péssimos, maus, medíocres, satisfatórios, bons, muito bons, óptimos. 
"Atlas do Corpo e da Imaginação" é e há-de ser por décadas um dos melhores entre os melhores. Por isso, não me parece pecado que tenham estado aqui, ontem, Gonçalo M. Tavares, autor, e António Guerreiro, seu "padrinho", ao balcão, a ajudar a vendê-lo, para nosso consumo e cultivo. «Uma obra de arte total», como ali se disse. Concordo.
Alice disse o quê?