«Segundo os
dados do Eurobarómetro, divulgados pelo Público no passado domingo, os consumos
culturais em Portugal sofreram uma forte redução relativamente aos resultados
anteriores, de 2007. Estes inquéritos informam-nos sobre a evolução dos
consumos das commodities culturais, mas deduzir dessas medições um teor e um
estado geral da cultura é uma enorme falácia. A noção de "consumo" é cheia de
equívocos quando aplicada ao campo da cultura, desde logo porque é meramente quantitativa
e preenche essa forma de niilismo que se traduz no princípio de que tudo se
equivale: não há hierarquias, qualquer coisa é agenciada com outra coisa e
dirige-se, sem distinção, a qualquer pessoa. Todos conhecemos o pietismo das
boas intenções culturais que faz da leitura uma moral e multiplica as campanhas
filantrópicas a favor dos livros. Como se os livros, os filmes, os espectáculos
e tudo o mais — muito mais, porque o universo da cultura é enorme e está sempre
em expansão — não pudessem ser, não fossem efectivamente na sua maioria, e sem deixarem
de ser produtos culturais, meios de produção da imbecilidade.
[…]
Esta ideologia
que tem como modelo a homogeneidade do mundo da economia produziu também uma
equivalência entre "excelência estética" e "excelência económica". A lógica
económica das indústrias culturais requer a transformação do artista, do
escritor, do agente cultural, em empreendedores de si próprios. A nostalgia da grande
arte, dos grandes artistas e dos grandes intelectuais é
um tropismo fundamental de todas as políticas culturais, do passado e do
presente. Mas a grandeza mede-se agora pelo critério da "excelência", que se
tornou uma "palavra-maná", um signo mágico que faz recuar as águas do mar e
abre uma passagem para a terra prometida.»
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A propósito, a Leya ou a Caminho, por exemplo, vendem, em nome da Cultura, livros péssimos, maus, medíocres, satisfatórios, bons, muito bons, óptimos.
"Atlas do Corpo e da Imaginação" é e há-de ser por décadas um dos melhores entre os melhores. Por isso, não me parece pecado que tenham estado aqui, ontem, Gonçalo M. Tavares, autor, e António Guerreiro, seu "padrinho", ao balcão, a ajudar a vendê-lo, para nosso consumo e cultivo. «Uma obra de arte total», como ali se disse. Concordo.
Alice disse o quê?