Da entrevista feita por Luciana Leiderfarb a Amos Oz no seu apartamento em Telavive, publicada no Expresso/Atual de 23.Nov.2013.
«[…]
Levanto-me às 5h, dou uma volta, às 6h
sento-me neste quarto com um café e começo a perguntar: “Como seria se…?” E se
tiver sorte começo a escrever.
No kibbutz,
quando comecei a escrever regularmente, sentava-me à secretária e por vezes só
escrevia algumas frases. Depois ia para a sala de jantar; à minha esquerda
havia um homem que tinha ordenhado dez vacas e à minha direita outro que tinha
passado a manhã a recolher ovos. Eu sentia-me culpado, porque o meu trabalho
apenas consistira em rabiscar umas palavras e apagar outras. Então passei a
encará-lo como se tivesse uma loja: de manhã tenho de abrir as portas e
esperar. Foi uma forma de lidar com o sentimento de culpa.
[…]
Penso que a minha urgência de escrever tem a
ver, sobretudo, com a curiosidade. A curiosidade é uma virtude moral. Uma
pessoa curiosa é melhor pessoa, melhor vizinho, melhor pai, até melhor amante
do que alguém que o não é.
[…]
o centro do universo é onde vivemos. Não é preciso conhecer o mundo, é preciso olhar para as pessoas que nos rodeiam. […] Observo as expressões, as roupas, os sapatos – os sapatos contam sempre muitas histórias. Tento adivinhar quem são, de onde vêm, que tipo de vida vivem… […] fascinam-me mais as pessoas infelizes, porque nas felizes não há uma história.
[…]
A família é a instituição mais misteriosa e
paradoxal do mundo. A mais cómica, a mais trágica e a mais absurda. […] A
família está cheia de tensões, de conflitos – entre homem e mulher, entre pais
e filhos, em todas as direcções -, mas parece haver algo que a mantém unida.
Tenho estudado isto toda a minha vida e ainda não tenho uma resposta. Só sei
que não está apenas no sangue.
[…]
a natureza humana não é mutável. O que é que
mudou na forma de fazer amor desde o tempo do rei Salomão até aos nossos dias?
Talvez apenas o cigarro a seguir.
[…]
Uma sociedade pode ultrapassar a injustiça
social, mas não os abismos da injustiça existencial.
[…]
Durante muitos anos estive extremamente
zangado com a minha mãe por se ter suicidado (com 38 anos). Estava zangado com o meu pai por
tê-la perdido. E comigo próprio porque pensava que, se tivesse sido um bom
menino, ela teria ficado entre nós.
[…]
Para um pacifista, o pior mal é a guerra.
Para mim, é a agressão. E a agressão, por vezes, tem de ser travada pela força.
Uma tia minha que morreu há uns anos e foi sobrevivente do campo de
Theresiendstadt disse uma frase que nunca vou esquecer: “Nós fomos libertados
não por manifestantes com cartazes mas por soldados com armas”.
[…]
isto não é a preto e branco. O conflito
israelo-palestiniano é um choque entre o certo e o certo, por vezes entre o
errado e o errado. Recordo que tanto os árabes quanto os judeus foram vítimas
da Europa. Os árabes através do imperialismo e da exploração, os judeus através
da perseguição e do assassínio em massa. O que temos aqui é um conflito entre
duas antigas vítimas da Europa.
[...]
Luciana Leiderfarb- Qual foi o livro mais duro de escrever?
Amos Oz- Um que ainda me surpreende é O Mesmo Mar. Está escrito em verso. Olho para ele como para uma vaca que deu à luz uma gaivota. É demasiado bom, acima do meu nível.
LF- Pode a
escrita ser um fardo?
AO- Totalmente.
É um trabalho duro. Se escrevo um romance com 55 mil palavras, tenho o mesmo
número de decisões a tomar. Cada palavra é uma luta.
[…]»