terça-feira, 26 de novembro de 2013

«Cada palavra é uma luta.»

Da entrevista feita por Luciana Leiderfarb a Amos Oz no seu apartamento em Telavive, publicada no Expresso/Atual de 23.Nov.2013

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Levanto-me às 5h, dou uma volta, às 6h sento-me neste quarto com um café e começo a perguntar: “Como seria se…?” E se tiver sorte começo a escrever.

No kibbutz, quando comecei a escrever regularmente, sentava-me à secretária e por vezes só escrevia algumas frases. Depois ia para a sala de jantar; à minha esquerda havia um homem que tinha ordenhado dez vacas e à minha direita outro que tinha passado a manhã a recolher ovos. Eu sentia-me culpado, porque o meu trabalho apenas consistira em rabiscar umas palavras e apagar outras. Então passei a encará-lo como se tivesse uma loja: de manhã tenho de abrir as portas e esperar. Foi uma forma de lidar com o sentimento de culpa.

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Penso que a minha urgência de escrever tem a ver, sobretudo, com a curiosidade. A curiosidade é uma virtude moral. Uma pessoa curiosa é melhor pessoa, melhor vizinho, melhor pai, até melhor amante do que alguém que o não é.

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o centro do universo é onde vivemos. Não é preciso conhecer o mundo, é preciso olhar para as pessoas que nos rodeiam. […] Observo as expressões, as roupas, os sapatos – os sapatos contam sempre muitas histórias. Tento adivinhar quem são, de onde vêm, que tipo de vida vivem… […] fascinam-me mais as pessoas infelizes, porque nas felizes não há uma história.

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A família é a instituição mais misteriosa e paradoxal do mundo. A mais cómica, a mais trágica e a mais absurda. […] A família está cheia de tensões, de conflitos – entre homem e mulher, entre pais e filhos, em todas as direcções -, mas parece haver algo que a mantém unida. Tenho estudado isto toda a minha vida e ainda não tenho uma resposta. Só sei que não está apenas no sangue.

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a natureza humana não é mutável. O que é que mudou na forma de fazer amor desde o tempo do rei Salomão até aos nossos dias? Talvez apenas o cigarro a seguir.

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Uma sociedade pode ultrapassar a injustiça social, mas não os abismos da injustiça existencial.

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Durante muitos anos estive extremamente zangado com a minha mãe por se ter suicidado (com 38 anos). Estava zangado com o meu pai por tê-la perdido. E comigo próprio porque pensava que, se tivesse sido um bom menino, ela teria ficado entre nós.

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Para um pacifista, o pior mal é a guerra. Para mim, é a agressão. E a agressão, por vezes, tem de ser travada pela força. Uma tia minha que morreu há uns anos e foi sobrevivente do campo de Theresiendstadt disse uma frase que nunca vou esquecer: “Nós fomos libertados não por manifestantes com cartazes mas por soldados com armas”.

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isto não é a preto e branco. O conflito israelo-palestiniano é um choque entre o certo e o certo, por vezes entre o errado e o errado. Recordo que tanto os árabes quanto os judeus foram vítimas da Europa. Os árabes através do imperialismo e da exploração, os judeus através da perseguição e do assassínio em massa. O que temos aqui é um conflito entre duas antigas vítimas da Europa.

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Luciana Leiderfarb- Qual foi o livro mais duro de escrever?

Amos Oz- Um que ainda me surpreende é O Mesmo Mar. Está escrito em verso. Olho para ele como para uma vaca que deu à luz uma gaivota. É demasiado bom, acima do meu nível.

LF- Pode a escrita ser um fardo?
AO- Totalmente. É um trabalho duro. Se escrevo um romance com 55 mil palavras, tenho o mesmo número de decisões a tomar. Cada palavra é uma luta.
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