«Algo inédito se passou
recentemente na vida política portuguesa: na sequência da rejeição da lei da
co-adopção, um antigo dirigente da JSD e actual militante do PSD, Carlos Reis,
denunciou a “hipocrisia” de dirigentes políticos que, segundo ele, são
homossexuais e votaram contra. Desvelar, neste domínio, figuras públicas (ou
quem quer que seja) é algo que suscita legítimas rejeições e muitas dúvidas.
Daniel Oliveira, num artigo publicado no Expresso online, ficou-se por uma categórica e total rejeição: “A
sexualidade de cada um não é um tema político” e “a política não tem de entrar
na cama de ninguém”. E disse mais: que ser homossexual não obriga ninguém a ser
liberal em termos políticos e de costumes e é cair num logro denunciar essas
aparentes contradições. Os argumentos parecem correctíssimos, mas são de um
simplismo desarmante, desde logo na completa despolitização da sexualidade,
como se ela se reduzisse a puros actos sexuais e gestos da intimidade.
[…]
É com toda a veemência que temos
de recusar esta ideia muito limpinha de Daniel Oliveira: “Um homossexual é
apenas uma pessoa que tem preferência sexual e/ou amorosa por pessoas do mesmo
sexo”. Igualmente falsa, escandalosamente falsa, é a ideia simétrica de que um
heterossexual é apenas uma pessoa que tem preferência por pessoas do sexo
oposto. Há boas razões para sermos contra o outing,
mas nenhuma delas pode evocar o argumento de que “a sexualidade de cada um não
é um tema político”. A lógica do outing é a da obtenção de uma confissão sob a
forma de discurso que responde a uma injunção agressiva: “Quem és tu? Qual é o
teu segredo?”. Ora, qualquer identidade é muito mais complicada e muito menos
fixa (muito mais objecto de uma construção) do que aquilo que se pode inferir
de uma “confissão” pública que supõe o postulado da homossexualidade imutável.
[…]
esse silêncio absoluto de alguns
políticos acerca deles próprios emerge como puro cálculo político e passa a ser
objecto de representação política.
[…]»