sexta-feira, 18 de abril de 2014

25 de Arbil não existe

«As comemorações dos quarenta anos do 25 de Abril, as oficiais e as não oficiais, as da esquerda, as do centro e as da direita, são completamente inócuas, politicamente anestesiadas, de um conformismo idiota que serve sem a mínima reserva a reificação do passado. Por elas, não passa nem uma ligeira brisa de pensamento. Tudo desertou, ficou apenas o palco vazio de uma ideia. Parecem directamente inspiradas no modelo da Acção Paralela, esse comité de príncipes do espírito, inventado por Robert Musil, em O Homem Sem Qualidades, que tinha a seu cargo a missão patriótica de celebrar os 70 anos do Imperador da Cacânia, isto é, do Império Austro-Húngaro.
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Todos se treinaram no exercício que consiste em fazer um uso público da História, mas todos desconhecem a lição que torna o passado carregado de presente, isto é, citável sem ser neutralizado e reificado. O significante vazio que mais recitam é “democracia”, tornado religião civil à escala planetária. Uns falam de democracia referindo-se a uma ordem jurídico-política; outros entendem-na no plano da prática administrativa, gestionária. Uns e outros parecem incapazes de interrogar tal conceito, de perceber a cisão que o habita e que o fez divergir em duas direcções diferentes. Por isso, deixámos de saber a que ordem de realidade política pertence a democracia. O que sabemos muito bem é que ela se tornou um mero dispositivo do discurso dos políticos. Ao ponto de poder ser entendida, hoje, como a religião dos governantes abandonada pela falta de fé dos governados.
[…]
A grande missão patriótica da nossa Acção Paralela nem precisa de se esforçar para encontrar a palavra de ordem que mais lhe convém, a verdade mais cristalina da ideia e do fundamento que buscava para comemorar. Essa palavra de ordem foi-lhe oferecida por uma alta representante da Nação, paralela em todas as acções e em todas as palavras que diz ou não diz, e resume-se a uma tirada que deve ser elevada a digno emblema das comemorações: “Isso não existe!”.»