. Herberto Helder e o senhor Oliveira
«João
Pedro George coleccionou tudo o que se escreveu sobre Herberto Helder, em
jornais e revistas, após a sua morte, e publicou o resultado do seu trabalho de
sociólogo enxertado em mitólogo no jornal on-line Observador, com o
título Herberto Helder: sociologia de um génio. Seguindo canónicos preceitos,
começa por apresentar o objectivo do seu trabalho: “Perceber como se fabrica um
‘herói’ literário e avaliar as crenças que sustentam a literatura.”
[…]
o
laboratório georgiano, de onde devia sair ciência pura, capaz de revelar
no corpus de
textos recolhidos todas as “mitificações”, afinal labora no erro. O primeiro
erro fundamental é o de não perceber que é preciso distinguir entre o cidadão
Herberto Hélder [com acento no “e”] Bernardes Oliveira e a figura do poeta
elaborada na obra — uma figura à qual assimilamos, simplificando um pouco, a
figura autoral de Herberto Helder. Insurge-se João Pedro George contra os
mitificadores: “Como se Herberto Helder e Herberto Helder Luís Bernardes
Oliveira não fossem uma e a mesma pessoa.” Na perspectiva do mitólogo, através
da “duplicação de personalidades” (entramos assim no diagnóstico psiquiátrico)
realiza-se um processo de automitificação. Daí que, para não cairmos nas suas
manhas, devêssemos interromper o poeta mitificador e os seus adjuvantes (isto
é, todo o “meio literário”) e gritar-lhe: “Quem és tu, ó Herberto, para te
tomares por Herberto Helder e fazeres de conta que não és o Bernardes
Oliveira?”. O pressuposto de João Pedro George, que invalida toda a sua
análise, impede-o de compreender o que é da ordem de uma exigência puramente
literária e o que é da ordem da realidade. O mito do poeta Herberto Helder é consubstancial
à obra.
[…]»