Melhores textos *
«[…]
A economia daquilo a que chamam tragédias é favorável à comunicação social. Enquanto nos períodos normais a televisão e a imprensa vivem de luzes, música, plumas, comentadores e lantejoulas, que têm de ser pagos e custam muito dinheiro, um acontecimento imprevisto fornece grandes cenários naturais e humanos a baixo custo. A consequência evidente para quem presta atenção a esses acontecimentos é a atenção extraordinariamente demorada a tudo aquilo que sai de graça. Num barranco em chamas, e entre blocos de publicidade, o mesmo jornalista improvisa infinitamente sobre o barranco em chamas; e quando escasseiam imagens variadas de barrancos em chamas, o mesmo jornalista improvisa infinitamente sobre as mesmas imagens. O seu género é a stand-up tragedy.
[…]
são eles que mobilam com conteúdos o que de qualquer maneira os jornalistas nunca conseguiriam por si só imaginar: um cão, um filho, um tractor, uma mala de roupa. Visto o que se tem visto, os acontecimentos recentes sugerem que nem sempre será boa ideia não matar o mensageiro.»
- x -
«[…]
A nauseabunda estetização da catástrofe servida ao espectador — o “belo” cenário trágico resultante das montagens e encenações feitas nos estúdios das televisões — também mostra que alguém, certamente uma equipa, rejubilou com os seus belos alvos que lhes fornecem matéria para uma grande produção a baixo preço, para um filme-catástrofe que não precisa de efeitos especiais, só precisa de uma montagem bem ornamentada e música a condizer. Tudo devidamente sublinhado por textos, legendas e designações (por exemplo, “a estrada da morte”) que remetem para as grandes ficções de Hollywood. Às vezes, sobre essas imagens sobrepõe-se uma voz-off que lê um texto a imitar qualquer coisa de literário, a sublinhar a operação que reduz a tragédia real a uma opereta obscena. A estetização é uma violência exercida sobre as vítimas da catástrofe e, paradoxalmente, tem o efeito de uma anestesia aplicada ao espectador.
[…]»
- x -
Nota
Espanta-me como tanta e tão bem informada gente caiu na esparrela do Canadair.
Espanta-me como tanta e tão bem informada gente caiu na esparrela do Canadair.
Nessa não caí eu, que mantenho permanentemente ligado [há uma moda tinhosa nos canais de notícias a dizer «em permanência»] desde há um ano e picos o detector "presidente-arlequim". Raramente falha.
Nas quase duas horas em que o avião esteve despenhado, com Miguel Sousa Tavares em zapping frenético à cata dos destroços, desconfiei serenamente: não havendo sinal ou notícia de que Marcelo estivesse a caminho, de que Marcelo já estivesse junto da carcaça fumegante ou até de que Marcelo tivesse chegado instantes antes do despenhamento — sim, antes; é preciso não saber nada da idiossincrasia presidencial-arlequineira para julgar Marcelo incapaz de estar nos sítios e nas coisas antes de haver sítios ou de as coisas acontecerem… —, a probabilidade de nova desgraça era altamente remota.
Certo é que na tarde de terça-feira passada, 20 de Junho, não houve sinal ou notícia de Marcelo em trânsito. Por isso, não acreditei no desastre e tinha razão.
Senhores jornalistas da LUSA, e outros, e Miguel Sousa Tavares, aprendam de vez para não tornarem a espalhar-se ou a embarcar em boatos: detector "presidente-arlequim" sempre ligado!
Nem eu resisto a molhar o bico no fogo
Não pára de medrar, em mim que não sei de labareda grande que não comece por lume pequeno, o convencimento teimoso de que a detecção precoce de um incêndio — vigias, guardas — não é coisa que interesse por aí além ao negócio e à propaganda do combate, mormente à coreografia estapafúrdia, jactante e ultracara dos famigerados «meios aéreos» contratados pelo Estado.
Quanto vale no mercado pornográfico da emoção ou na mobilização de massas uma imagem destas? Nada.
Quatro meses de kamovs disponíveis para aspergir árvores, apenas em horário diurno e desde que os meteocaprichos consintam, pagariam quantas torres de vigilância com 24 horas diárias de salário o ano todo? Expliquem-me. **
Não sejamos ingénuos: o combate é que rende. Chego a ter vergonha de ser humano [algum outro bicho se envergonha?] ao pensar na floresta de negócios perdidos por cada fogueira na floresta apagada à nascença. Não falando das mortes evitadas.
Quatro meses de kamovs disponíveis para aspergir árvores, apenas em horário diurno e desde que os meteocaprichos consintam, pagariam quantas torres de vigilância com 24 horas diárias de salário o ano todo? Expliquem-me. **
Não sejamos ingénuos: o combate é que rende. Chego a ter vergonha de ser humano [algum outro bicho se envergonha?] ao pensar na floresta de negócios perdidos por cada fogueira na floresta apagada à nascença. Não falando das mortes evitadas.
_____________________________________________________
* Sem surpresa, o pior texto é d' o comunitário, "Uma culpa antiga", no DN de ontem, 25.Jun.2017, que passo a resumir, ipsis verbis e na ordem por que está redigido:
Não sei / Sei / Julgo saber / Estou mesmo convencido / Não sou capaz de saber /
o que fazer para que, no mínimo, se remedei. [sic] /
Sei bem / Julgo saber / Estou mesmo convencido / comunidade / comunidade / Não sou capaz de saber / Sei / Suspeito / Não ignoro / Sei o mesmo que o leitor sabe / Sei de forma bem mais informada / comunidade / não desconheço /
Concelhos que há quarenta ou cinquenta anos tinham o dobro ou o triplo das pessoas que agora têm e que os que ainda lá estão são na sua esmagadora maioria velhos, muito velhos. [sic] /
Era capaz de apostar / comunidade /
Existe uma cultura de desprezo por o mundo rural. [sic]
Nas oito vezes em que se refere ao interior do país, Pedro Marques Lopes escreve com maiúscula, vá lá saber-se porquê, «o Interior». Bacoco.
"À Procura", coluna d' o comunitário, é um penoso repositório semanal de ortografia deficiente, dislexia sintáctica, discordâncias grosseiras [estou em condições de mostrá-lo com abundância], a carpinteirar a pasmada obviedade de ideias que Pedro Marques Lopes vende habitualmente, as mesmas, em duplicado na SIC e no DN. Atente-se, por exemplo, em como no Eixo do Mal de anteontem, do minuto 07:45 ao minuto 13:35, o comunitário replicava antecipando-a, parágrafo a parágrafo, a crónica de ontem, "Uma culpa antiga".
Chamem-lhe parvo.
Chamem-lhe parvo.
_____________________________________________________
**
**
«DIRETIVA OPERACIONAL NACIONAL N.º 2 – DECIF ***
DESPACHO
No âmbito das competências que me foram delegadas pela Senhora Ministra da Administração Interna pelo Despacho n.º 181/2016, publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 4, de 7 de janeiro, alterado pelo Despacho n.º 8477/2016, publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 124, de 30 de junho homologo a Diretiva Operacional Nacional, que visa estabelecer, para o ano de 2017, o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF), conforme proposta da Autoridade Nacional de Proteção Civil.
Lisboa, 30 março de 2017.
O Secretário de Estado da Administração Interna,
Jorge Gomes****»
130 páginas, incluindo 41 anexos.
Compêndio abrasivo das causas e das finalidades com abordagem teleológica do "porquê?" e etiológica do "para quê?"; ou talvez ao contrário, o que vem dar no mesmo:
- a expressão «postos de vigia» ocorre 10 vezes,
- a expressão «meios aéreos» ocorre 66 vezes.
****
Jorge Gomes que o presidente-arlequim abraçou ... «O que se fez foi o máximo que se podia fazer. Não era possível fazer mais».